Hoje, José Mário Vaz está face a uma decisão que irá marcar politicamente a Guiné Bissau.
Depois de uma semana de intensos contactos diplomáticos em Bissau, José Mário Vaz deve hoje anunciar a sua decisão para pôr termo ao impasse político na Guiné-Bissau. Apesar de todas as declarações públicas afirmando a sua disponibilidade para trabalhar com Domingos Simões Pereira, líder do partido vencedor das eleições legislativas de 10 de março último, a recusa em aceitar este como Primeiro-Ministro deixa claro que o processo de decisão presidencial não se gere por prioridades nacionais. José Mário Vaz está refém da sua incapacidade de gerir a perpétua crise politico-institucional e de se adaptar ao seu papel enquanto Presidente da República de todos os guineenses.
Em quatro anos de mandato, que termina a 23 de Junho próximo, José Mário Vaz recusou sempre que a Presidência da República exercesse o seu papel através de uma magistratura de influência, tradicional das democracias semi-presidenciais da qual a Guiné-Bissau faz parte. Pelo contrário, José Mário Vaz demonstrou sempre uma inclinação para entender a Presidência da República como o lugar principal da governação guineense, inserindo-se numa lógica regional vincada pelo presidencialismo.
No seu “reinado”, “Jomav” deu posse e exonerou sete primeiros-ministros e seis governos. Nomeou Simões Pereira para o demitir um ano depois. Nomeou Baciro Djá, para a constituição o obrigar a demitir a exonerar a seguir. Deu posse a Carlos Correia do PAIGC, para o demitir a seguir e voltar a nomear Baciro Djá. Demite este seis meses depois e nomeia Umaro Cissoko, o qual demite pouco mais de um ano depois. Demite Cissoko e nomeia Artur Silva, que é Primeiro-Ministro sem Governo durante quatro meses. Nomeia Aristides Gomes para preparar as eleições legislativas, mas três meses depois destas nada se altera, como se o José Mário Vaz não tivesse gostado da vitória do PAIGC e da indicação de Domingos Simões Pereira para liderar o Governo que irá preparar as eleições presidenciais de novembro, no qual José Mário Vaz procura a reeleição.
Esta sucessão de nomeações e exonerações denota a inconstância do PR que rapidamente descarta os seus apoiantes a aliados, sobretudo Umaro Cissoko, cuja nomeação para Primeiro Ministro lhe deu um balão do oxigénio político e cuja destituição preventiva, com Jomav a tentar evitar maior protagonismo político por parte de Cissoko, leva este a posicionar-se hoje como um forte antagonista do próprio José Mário Vaz na corrida às presidenciais.
Esta situação evidencia ainda reduzida dois níveis de impreparação política de José Mário Vaz. Em primeiro lugar, choca com a Constituição da República Guiné-Bissau. Político hábil, “Jomav” usou sempre todas as lacunas no documento constituinte para justificar as suas decisões, sempre que tal lhe era politicamente conveniente. Por exemplo, deu posse a vários Governos quando a Assembleia estava bloqueada pelo PAIGC sem qualquer inconveniente. No entanto, alega agora que a posse de Simões Pereira como PM após a vitória das legislativas está condicionada à constituição da Mesa da Assembleia Nacional Popular e à aceitação de Braima Camará, líder do MADEM G-15 que foi rejeitado pela maioria na sua eleição. Ou seja, Jomav usa a Constituição em tudo o que esta lhe permite para tentar ser um Presidente da República-Chefe de Governo, defendendo a consumação da sua agenda política e pessoal num quadro de guerra aberta com o PAIGC e Domingos Simões Pereira.
Em segundo lugar, a sucessão de nomeações e exonerações mostra a incapacidade de José Mário Vaz em constituir Governos estáveis fruto dos resultados expressos nas urnas. Para manter um status quo que lhe é favorável, o Presidente socorreu-se e ainda se socorre da CEDEAO para que esta faça o trabalho que se pede a um Presidente, a busca de consensos que permitam a formação de governos capazes de servir a Guiné-Bissau. E aqui reside um dos pontos chave da estratégia presidencial: José Mário Vaz sabe que a CEDEAO, nunca irá adoptar uma posição que comprometa a actuação de um Presidente da República, e que por tal comprometa o modelo de estabilidade político institucional definido pela organização.
Perante este cenário, a máquina presidencial de campanha mediática e de bastidores insiste em se socorrer da difamação de opositores políticos e mesmo de tradicionais e leais aliados como Angola, no presente acusada de ingerência interna e de promoção de instabilidade, como se o próprio rumo político seguido pelo PR não fosse suficiente para manter o país num caos político-securitário, cujo desfecho continua, tão simplesmente e como sempre, dependente das erráticas estratégias presidenciais.
Apesar de simples, a decisão de José Mário Vaz tem implicações brutais para o seu futuro. Dar posse a Domingos Simões Pereira como PM vai colocar em causa todo o seu mandato e obrigar a renegociar alianças internas com vista a uma hipotética reeleição. Não dar posse a Domingos Simões Pereira implica que José Mário Vaz avance para um Golpe Constitucional, nomeando alguém fora do quadro dos resultados eleitorais mas que sirva a sua agenda eleitoral. Fazê-lo terá riscos enormes, sobretudo considerando a situação do setor castrense, dominado por uma classe militar liderada por um CEMGFA doente e envelhecido e que não terá hipóteses de suster uma revolta militar, que perverta uma vez o papel das Forças Armadas guineenses enquanto garante último da Constituição guineense. De facto evidenciam-se cada vez mais os sinais de crescente insatisfação perante o escoar dos prazos do mandato presidencial.
José Mário Vaz está face a uma decisão que irá marcar o resto da sua vida.
Rodrigo Nunes (Correspondente em Dakar – Senegal)
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Obrigado Rodrigo Nunes
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