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Por cnnportugal.iol.pt 19/04/2025Nota do editor: O podcast Chasing Life With Dr. Sanjay Gupta explora a ciência médica por trás de alguns dos mistérios da vida, grandes e pequenos.
“O stress faz mal à saúde” é uma daquelas frases que ouvimos vezes sem conta.
E, de facto, é verdade: o stress pode ser prejudicial e contribuir para uma série de problemas físicos e mentais, sobretudo quando se torna crónico e constante.
Mas há uma nova perspetiva que está a ganhar força: certos tipos de stress podem, na verdade, ser motores de crescimento pessoal e, segundo uma médica e autora do livro "O Paradoxo do Stress: Porque Precisa de Stress para Viver Mais Tempo, com Mais Saúde e Felicidade”, a dose certa de stress pode até ser essencial para o nosso bem-estar.
“Sim, demasiado stress faz-nos mal. Mas pouco ou nenhum stress também pode ser prejudicial”, explica Sharon Bergquist, numa conversa recente com Sanjay Gupta, correspondente médico da CNN, no podcast Chasing Life.
Sharon professora na Escola de Medicina da Universidade de Emory, em Atlanta, nos Estados Unidos da América e diretora do programa de saúde e bem-estar da universidade, sabe bem o que é lidar com situações de elevada tensão. Em criança, viveu a Revolução Iraniana e foi forçada a fugir do país com a família.
“Fomos no último avião a sair antes de (Ruhollah) Khomeini chegar ao poder”, recorda. “O aeroporto estava absolutamente lotado. Lembro-me do caos para passar pela segurança, da multidão, e de como conseguimos chegar à pista — recordo cada passo”.
A família acabou por se instalar nos EUA, depois de uma passagem por Inglaterra. Mas o desafio continuou: “No oitavo ano, eu mal conseguia escrever um parágrafo em inglês. Demorava a noite inteira”. Ainda assim, acabou por se tornar oradora da cerimónia de finalistas da escola secundária, frequentou a Universidade de Yale e, mais tarde, a Faculdade de Medicina de Harvard.
Essas experiências lançaram a semente daquilo que viria a tornar-se a sua paixão académica: “O que me fascina é perceber porque é que algumas pessoas crescem e prosperam com o stress e outras não”, explica.
Segundo a médica, tudo depende do tipo e da quantidade de stress a que estamos expostos.
“Trabalho com muitos profissionais que são altamente motivados, mas também profundamente apaixonados pelo que fazem”, diz, sublinhando que levam vidas que podem ser consideradas “stressantes”. Ela própria inclui-se nesse grupo.
“Chamo a isso stress positivo, que, na minha opinião, tem um efeito muito diferente no nosso corpo em comparação com o stress prejudicial, aquele que se tornou praticamente sinónimo da palavra ‘stress’”, afirma. “Penso que já posso dizer, com alguma segurança, que o tipo bom de stress liberta um perfil bioquímico que, na verdade, promove a saúde: libertamos, por exemplo, dopamina, serotonina e oxitocina”.
A dopamina resulta da recompensa de fazer algo com significado, explica. A serotonina vem da alegria associada à realização, e a oxitocina surge quando contribuímos para um bem maior.
O stress negativo, por outro lado, é aquele que é imprevisível, inevitável e contínuo. A nossa resposta bioquímica a esse tipo de stress leva à libertação de cortisol, uma hormona que, a longo prazo, conduz a efeitos prejudiciais no organismo, como a hipertensão arterial.
Mas há boas notícias: os químicos libertados em situações de “stress positivo” ajudam a equilibrar os níveis de cortisol. “É como se aumentássemos a nossa capacidade de resistência ao stress”, explica.
A resiliência é como um músculo: é dinâmica e precisa ser desafiada para se tornar mais forte.
“O essencial, na verdade, é perceber que as nossas respostas ao stress existem para nos ajudar. Servem para nos permitir adaptar ao mundo à nossa volta”, afirma, sublinhando que, ao longo de toda a história da Humanidade, foi assim que os humanos sobreviveram e prosperaram.
“Mas os elementos que nos ajudavam a ativar essas respostas ao stress foram sendo eliminados do tecido das nossas vidas”, explica. Já não temos de enfrentar fatores de stress ambientais como a escassez de alimentos ou a exposição a extremos de calor e frio.
“A introdução de muitas destas comodidades retirou-nos a ligação ao ambiente natural em que vivemos”, afirma. Como consequência, “estamos, no fundo, a limitar-nos a nós próprios, porque não permitimos ao nosso corpo fazer aquilo para que está tão bem preparado”.
O que pode fazer para introduzir stress positivo na sua vida? Sharon tem cinco dicas.
Encontre o seu “ponto certo” (a zona Goldilocks)
“Desafie-se a sair da zona de conforto sem se sentir sobrecarregado”, recomenda.
"O stress positivo é como medicina. E, tal como qualquer medicamento, a dose determina a resposta”, explica. “O crescimento a partir do stress acontece quando este se encontra numa zona hormética, ou zona Goldilocks — a quantidade certa, nem demasiado, nem demasiado pouca”.
Por outras palavras, desafie-se a entrar na água e nadar, mas não se deixe afogar.
Mantenha a integridade pessoal
"As suas escolhas estão alinhadas com os seus valores? Ou estão em conflito com eles?”, questiona Sharon.
“O seu coração e a sua mente sabem a diferença”, afirma. “Persistir em situações onde se sente bloqueado ou desconectado dos seus valores pode tornar-se numa forma prejudicial de stress”.
“O stress positivo não se trata apenas de reinterpretar o stress da nossa vida de forma positiva”, explica. “Mas, em vez disso, é sobre agir de forma deliberada, com desafios significativos e orientados por um propósito, como antídoto para os fatores de stress crónicos que não conseguimos controlar ou evitar”.
Isso pode envolver, por exemplo, aceitar ou criar uma oportunidade de trabalho que esteja alinhada com os seus valores ou aprender uma habilidade que considere gratificante.
Seja estratégico na recuperação
“Para crescer com o stress, é necessário reservar tempo para descanso e recuperação”, defende Sharon.
“Sob stress, o seu corpo entra em modo de conservação de energia e faz uma espécie de ‘limpeza interna’”, explica. “Quando recupera, o seu cérebro e o seu corpo remodelam-se e criam novas conexões que o preparam melhor para os desafios futuros".
A recuperação, segundo Sharon, é tão importante quanto o stress positivo para obter benefícios. “Até o stress positivo pode acumular-se e tornar-se prejudicial sem a recuperação adequada".
Abrace a conexão entre a sua mente e o seu corpo
“Submeter-se a stress físico pode ajudar a construir resiliência mental e o contrário também é verdade”, diz Sharon. “É um processo notável chamado de cruzamento adaptativo”.
“Quando é exposto a stress físico ou psicológico positivo, o seu corpo repara e regenera as células, o que torna cada parte do organismo mais saudável e mais forte”, explica.
Pode, por exemplo, reforçar a resiliência mental através do stress físico (de forma positiva) ao adotar práticas como “consumir alimentos de origem vegetal, ricos em fitoquímicos que aumentam a resistência ao stress, praticar exercício físico de forma vigorosa, expor-se brevemente ao calor e ao frio, e fazer jejum intermitente através de uma alimentação com horários restritos”, explica. “Temos à nossa disposição muitas ferramentas para gerir o stress e reduzir os seus efeitos nocivos”.
Confie: o seu corpo foi feito para lidar com algum stress
Viver momentos de stress não é uma falha — é uma característica natural. “A nossa história enquanto seres humanos é feita de superar o stress — e de nos tornarmos mais fortes por causa disso”, afirma Sharon.
“É através dos ciclos repetidos de stress e recuperação que ativamos a nossa capacidade natural. É um dom que herdámos no nosso ADN”, explica. “A resiliência é como um músculo que todos podemos fortalecer, independentemente do lugar onde estamos ou dos desafios que enfrentamos. É normal ter medos. E é normal querer evitar desafios".
“Confie e avance na mesma. O resultado pode transformar a sua vida”, afirma.
Esperamos que estas cinco dicas o ajudem a usar o stress a seu favor. Pode ouvir o episódio completo aqui. E junte-se a nós na próxima semana no podcast Chasing Life, onde vamos falar sobre um tema de saúde muitas vezes esquecido à medida que envelhecemos: a mobilidade.