domingo, 13 de abril de 2014

População da Guiné-Bissau vota para virar página dos golpes


Eleições marcam regresso a exercício democrático. PAIGC favorito nas legislativas, incerteza nas presidenciais. “As pessoas estão com receio” de repetição do golpe militar de há dois anos.

Já com o pensamento no “dia seguinte”, os guineenses votam hoje para escolher um novo Presidente da República e um novo Parlamento. A campanha decorreu de modo tranquilo, mas não afastou o receio de uma repetição do que aconteceu em Abril de 2012, quando um golpe militar interrompeu o processo eleitoral, antes da segunda volta.

As eleições assinalam o regresso à democracia, após o derrube do governo de Carlos Gomes Júnior, Cadogo. Para que a palavra fosse dada aos guineenses contribuíram a pressão internacional, o isolamento das autoridades pós-golpe e as dificuldades financeiras de um país em que as Forças Armadas têm sido instrumento de desestabilização.

Os maiores desafios chegarão quando forem conhecidos os resultados da vontade de 775 mil eleitores chamados a escolher entre 13 candidatos presidenciais e 15 partidos. A forma como os militares reagirem ao voto popular e a capacidade dos eleitos para gerirem equilíbrios internos e promoverem reformas, designadamente do aparelho militar, é determinante para o futuro próximo de um país que tem estado no mapa internacional por más razões – por ser frequente palco de violência político-militar, por ser plataforma do tráfico internacional de droga.

“As pessoas estão com receio de, a qualquer momento e à semelhança do que aconteceu a 12 de Abril, os militares poderem afastar a vontade popular”, confirma Luís Vaz Martins, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos.

Mais do que árbitro, decisor
O carácter parlamentar do regime faria pensar que são as legislativas as eleições verdadeiramente relevantes. Mas na Guiné-Bissau, como em outros países africanos, “o Presidente tem um papel decisivo em todas as questões importantes, mais do que árbitro é um decisor”, observa Eduardo Costa Dias, investigador do ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa). O golpe de 2012, liderado por António Indjai, chefe das Forças Armadas, ocorreu precisamente antes da segunda volta das presidenciais, quando, após um triunfo na primeira volta, com quase 49%, tudo apontava para a eleição como chefe de Estado do então primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, Cadogo, então líder do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde).

Sem sondagens, sem forma de avaliar o modo como os guineenses encaram o golpe de 2012 e olham para as alternativas que lhes são apresentadas, é impossível fazer prognósticos. Mas, mesmo tendo partido tarde para a corrida eleitoral, por ter demorado a definir liderança e estratégia, seria uma surpresa – atendendo ao histórico – se as legislativas não fossem ganhas pelos “libertadores”. Nas anteriores legislativas, em 2008, o PAIGC conseguiu 49,52% e elegeu 67 dos cem deputados.

Confirmando-se um triunfo do antigo partido único, o próximo primeiro-ministro será o recém-eleito líder, Domingos Simões Pereira, DSP, antigo secretário executivo da CPLP (Comunidade dos País de Língua Portuguesa). Pereira já procurou tranquilizar a desconfiança da cúpula militar e anunciou que não haverá “caça às bruxas”. Terá confidenciado em círculos privados o desejo de formar um governo que inclua outras forças partidárias, e de – mesmo sem António Indjai, indiciado pelos EUA por tráfico de droga – manter a chefia militar em mãos balantas, a principal etnia do país, com grande peso nas Forças Armadas.

A outra grande força política guineense é o PRS (Partido da Renovação Social), que há seis anos elegeu para o Parlamento cessante 28 deputados conseguidos com 25,21% dos votos. É agora liderado por Alberto Nambeia e estava já antes da morte Kumba Ialá, a ensaiar, pela primeira vez, um caminho sem o seu fundador e mais carismática figura.

Incógnita presidencial
O desfecho eleitoral parece mais incerto na corrida presidencial, em que pela primeira vez não participam candidatos que tenham sido “combatentes da libertação do país” – a independência foi proclamada em 1973, ainda antes do 25 de Abril.

Os apoios que reúnem e a dinâmica das suas campanhas fazem com que quatro dos candidatos sejam encarados como os que mais probabilidades parecem ter de passar a uma previsível segunda volta: João Mário Vaz, do PAIGC; Abel Incada, que corre pelo PRS; Nuno Nabiam, independente apoiado por Kumba, e ao qual são atribuídas ligações à cúpula militar; e Paulo Gomes, economista que foi administrador do Banco Mundial para a África Subsariana e tem o apoio de pequenos partidos e intelectuais. A tardia entrada em cena dos concorrentes “oficiais” permitiu aos dois independentes, que há meses estão no terreno, ambos com importantes meios, somarem apoios que podem revelar-se decisivos.
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