Kursk (CNN Newsource) Por cnnportugal.iol.pt,
A Ucrânia lançou novos ataques na região de Kursk, no sul da Rússia, numa altura em que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, insiste em negociações de cessar-fogo.
O Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), um monitor de conflitos com sede nos EUA, refere que as forças ucranianas lançaram uma nova série de ataques na região de Kursk esta quinta-feira, avançando até cinco quilómetros atrás das linhas russas a sudeste de Sudzha.
Embora não seja claro se os ataques têm como objetivo a conquista de mais território ou o reforço das posições defensivas da Ucrânia, a analista da ISW Angelica Evans afirma que avanços desta dimensão são impressionantes.
“Ver os ucranianos conseguirem penetrar nas defesas russas e avançar até cinco quilómetros é algo que não vemos os russos conseguirem fazer em nenhuma parte da linha da frente”, sublinha numa entrevista à CNN.
Kiev surpreendeu até os seus aliados com o ataque ao território russo e continua a lutar em Kursk, mesmo quando enfrenta situações extremamente difíceis noutros pontos da linha da frente.
A Rússia afirmou já esta sexta-feira que já tomou Toretsk, uma cidade industrial no leste da Ucrânia que tem sido um dos epicentros da luta nos últimos seis meses. A Ucrânia não comentou a alegação, mas, a confirmar-se, a queda de Toretsk seria mais uma vitória estratégica para Moscovo, uma vez que aproximaria as tropas russas de importantes posições defensivas ucranianas.
Ao mesmo tempo, as tropas russas têm vindo a aproximar-se de Pokrovsk, um centro logístico no leste da Ucrânia que tem estado na mira da Rússia desde o verão, e de Kupiansk, no norte.
Algumas pessoas na Ucrânia, incluindo algumas tropas que combatem em Kursk e noutros locais, questionam o facto de Kiev gastar recursos preciosos na Rússia quando está a lutar para defender o seu próprio território.
A resposta provavelmente resume-se à expectativa de que Trump possa começar a pressionar a Ucrânia a aceitar conversações com a Rússia em breve.
“Não há nada de intrinsecamente valioso nas terras que os ucranianos detêm em Kursk. São campos e povoações, não estão a ameaçar a cidade de Kursk nem a fazer uma corrida a Moscovo”, explica Evans.
“Mas quando pensamos em negociações de paz, manter o território russo pode ser um trunfo fundamental para os ucranianos quando pensam em negociar a devolução do seu próprio território ou outras coisas que possam querer dos russos em futuras negociações de paz”, acrescenta.
Os líderes militares e políticos ucranianos afirmaram repetidamente que a operação de Kursk tinha como objetivo impedir uma nova ofensiva russa no norte da Ucrânia e forçar Moscovo a deslocar algumas das suas tropas de outros locais da Ucrânia.
O presidente do país, Volodymyr Zelensky, afirmou esta sexta-feira que as tropas norte-coreanas regressaram à batalha na região de Kursk, depois de ter sido noticiado que as unidades tinham sido retiradas dos combates após terem sofrido baixas em massa. Segundo Zelensky, centenas de soldados norte-coreanos e russos foram “eliminados” durante o combate com as forças ucranianas.
A incursão foi o maior ganho estratégico da Ucrânia desde a libertação de Kherson em novembro de 2022 e deu ao país um grande impulso moral.
Mas esta semana, enquanto Trump continuava a apelar a negociações para acabar com a guerra, Zelensky deixou claro que Kiev vê Kursk como uma potencial moeda de troca.
Falando na quarta-feira, apelidou a incursão de “uma operação muito importante”.
“Veremos mais tarde, quando chegarmos a um acordo diplomático para acabar com a guerra, que condições os russos enfrentarão em relação à direção de Kursk”, reiterou no seu discurso noturno à nação.
Trump deixou claro que quer que as conversações entre a Rússia e a Ucrânia comecem “o mais rápido possível”. Disse ainda que a sua administração está em contacto direto com a Rússia e a Ucrânia.
“Fizemos muitos progressos em relação à Rússia e à Ucrânia”, disse Trump. “Vamos ver o que acontece. Vamos acabar com essa guerra ridícula”.
Raro ganho estratégico para a Ucrânia
Já passaram seis meses desde que Kiev lançou a sua incursão surpresa na região de Kursk e, embora a Rússia tenha conseguido recuperar mais de metade do território inicialmente cedido por Kiev, isso teve um custo enorme para Moscovo.
O Estado-Maior ucraniano afirmou na quinta-feira que a Rússia perdeu 40 mil soldados durante os seis meses de combate em Kursk - 16.100 dos quais foram mortos.
“As forças ucranianas capturaram 909 militares russos, o que permitiu a centenas de defensores ucranianos a possibilidade de se defenderem em Kursk. Isto permitiu que centenas de defensores ucranianos que se encontravam nas prisões russas regressassem a casa”, acrescentou o Estado-Maior.
A incursão marcou a primeira vez que tropas estrangeiras assumiram o controlo do território russo desde a Segunda Guerra Mundial - um enorme embaraço para o presidente russo, Vladimir Putin, que tem apresentado a invasão da Ucrânia como um meio para “defender” o país.
Os militares ucranianos estimam que a Rússia enviou cerca de 78 mil soldados para Kursk, um número várias vezes superior ao da Ucrânia. “Estas forças russas, que incluem elementos de unidades de elite, estão amarradas e realmente distraídas em Kursk. Caso contrário, estariam mais do que provavelmente a lutar nas linhas da frente no leste da Ucrânia, onde poderiam causar muitos danos”, diz Evans.
No entanto, apesar da vantagem numérica, os militares russos tiveram dificuldade em empurrar os ucranianos para fora do seu território e, por isso, Moscovo acabou por chamar reforços estrangeiros, enviando cerca de 12 mil soldados norte-coreanos para a região de Kursk.
Ao fazê-lo, Putin tornou-se o primeiro dirigente russo a ter de recorrer a tropas estrangeiras para libertar o território russo, segundo Evans.
Para a especialista, o impacto estratégico dos ganhos obtidos pelas tropas ucranianas destacadas para Kursk foi “significativamente maior do que essas forças poderiam ter conseguido defendendo-se dentro da Ucrânia”.
“A atividade militar não vai fazer colapsar o Estado russo, mas as pressões que estão a exercer sobre os russos são coisas que podem acontecer”, acrescenta, afirmando que o descontentamento está a crescer na Rússia pelo facto de a Ucrânia ter conseguido manter o território russo durante seis meses. “Isso é algo que prejudica a credibilidade de Putin na Rússia e a visão que ele criou para si próprio como defensor e estabilizador”.
Falando com o governador interino da região de Kursk, Alexander Khinshtein, Putin admitiu que a situação em Kursk era “muito difícil”.
Além disso, as tropas norte-coreanas pouco fizeram para ajudar a Rússia a reconquistar o seu território, utilizando-as sobretudo como soldados rasos que levam a cabo ataques terrestres em massa e brutais que provocam enormes baixas.
Segundo as autoridades ucranianas e os serviços secretos ocidentais, cerca de quatro mil desses soldados norte-coreanos foram mortos ou feridos. Os serviços secretos sul-coreanos afirmaram, no início desta semana, que as tropas norte-coreanas destacadas para Kursk não entram em combate desde meados de janeiro, de acordo com os meios de comunicação locais, confirmando informações anteriores dos militares ucranianos.
Evans completa, dizendo que a Rússia está a ter dificuldades em repelir as forças ucranianas devido à utilização superior de tecnologia por parte de Kiev, sobretudo drones e tecnologia de interferência de guerra eletrónica.