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Donald Trump e Elon Musk assistem ao lançamento do sexto voo de teste do foguetão SpaceX Starship, a 19 de novembro de 2024, em Brownsville, Texas (Brandon Bell/Getty Images) |
Por cnnportugal.iol.pt, ANÁLISE || Depois de ajudar a eleger Donald Trump, Elon Musk vira-se para o Velho Continente, onde já é acusado de interferência. O que pode a Europa fazer?
“Prefiro manter-me afastado da política”, disse Elon Musk aos seus seguidores em 2021, na plataforma então conhecida como Twitter. Muita coisa mudou desde então.
Musk é agora o dono do gigante das redes sociais, rebatizado X e reaproveitado com a sua visão pessoal. Acolheu de novo os agitadores de extrema-direita proibidos pela anterior direção. Musk gastou cerca de 250 milhões de dólares para ajudar a reeleger Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e ficou a poucos metros de distância quando Trump fez o juramento de posse na segunda-feira.
Agora, com essa tarefa concluída, o homem mais rico do mundo parece ter um novo objetivo: acabar com a Europa, um governo de cada vez.
O magnata assumiu-se como rei da onda populista que está a submergir vários líderes europeus centristas. “De MAGA a MEGA: Make Europe Great Again!”, publicou no sábado, regozijando-se com o mal-estar que está a provocar no continente.
Vários líderes da União Europeia acusaram-no de interferir nos seus assuntos e de promover figuras perigosas; Musk conduziu uma campanha brutal e pessoal contra o governo britânico, fez campanha para que um ativista de extrema-direita fosse libertado da prisão e apoiou um partido de extrema-direita na Alemanha com uma plataforma fortemente nacionalista e uma série de escândalos relacionados com as opiniões de alguns dos seus membros sobre a era nazi.
Ao mesmo tempo, uma torrente de desinformação sobre a plataforma de Musk - muita dela nascida da raiva sobre os elevados níveis de migração - enervou os governos da Europa. Alguns britânicos acusam-no de ter contribuído para uma onda de motins de extrema-direita no verão passado.
“Estou impressionado com a sua falta de inibição para pensar que pode intervir em vários países onde as questões são complexas”, diz Eric Nelson, um diplomata que foi embaixador de Trump na Bósnia-Herzegovina durante o seu primeiro mandato, à CNN. “Afirmar que ele sabe o que é melhor é uma grande arrogância”.
Mas o alcance do X, a riqueza extrema de Musk e o seu papel como conselheiro de eficiência de Trump fazem dele um problema difícil de lidar. As figuras políticas na Europa estão a debater-se com duas questões: porque é que Musk se preocupa connosco e o que podemos fazer?
Nenhuma delas é fácil de responder. “Os europeus estão bloqueados”, apoonta Bill Echikson, membro sénior de política tecnológica do Centro de Análise de Política Europeia (CEPA) e antigo diretor de comunicações europeias da Google.
Os líderes do continente “estão certamente preocupados”, acrescenta. “Culpam a desinformação, o trolling e os bots automatizados por causarem problemas nas eleições europeias e por fomentarem a ascensão dos seus extremos.
“Mas não têm qualquer plano. Ainda não sabem realmente como responder”.
Um esforço para o anular
A política de Musk tem evoluído a uma velocidade supersónica desde que o magnata da SpaceX e da Tesla realizou uma aquisição hostil do Twitter em 2022. “Para que o Twitter mereça a confiança do público, ele deve ser politicamente neutro”, insistiu na época, quando descreveu a política como um “gerador de tristeza” e ainda disse que "política é guerra e a verdade é a primeira vítima”.
Atualmente, Musk está na linha da frente. O proprietário da plataforma goza de níveis de influência disruptiva em todo o mundo que poucas figuras não eleitas alguma vez tiveram, sem enfrentar o escrutínio dos eleitores. Saúda e partilha as opiniões de figuras radicais e tem apoiado populistas ferozmente anti-establishment em toda a Europa. Ainda não é claro qual a influência que terá na política externa de Trump - e é precisamente por isso que, por enquanto, os governos europeus estão tão incertos sobre como lidar com as suas intervenções.
Mas os seus comentários estão em sintonia com um tom mais intervencionista e alargado da nova administração em relação à Europa, e poderão colocar Musk num papel de interlocutor. Trump e Musk já estabeleceram laços estreitos com figuras cujas políticas se sobrepõem, pelo menos parcialmente, como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, uma linha dura em matéria de imigração que assistiu à tomada de posse, rompendo com os precedentes.
Alguns dos que anteriormente defenderam os interesses de Trump na Europa veem agora Musk como uma versão sem restrições e ainda menos polida do presidente; um agitador cujo estilo e ambição passaram a refletir os de Trump. Tal como acontece com Trump, as sondagens de opinião sugerem que Musk é impopular em toda a Europa.
“É interessante ver as semelhanças entre ele e [Trump]; a sua capacidade de tentar conduzir a opinião pública, especialmente, infelizmente, através da disseminação de desinformação. Criando muito caos, sendo perturbadores”, acrescenta Nelson.
Esse caos intensificou-se depois de Musk ter feito um gesto com o braço direito no palco, durante um comício pós-inauguração, que para alguns na Europa tinha semelhanças incómodas com a saudação nazi ou romana utilizada pelos líderes fascistas na Alemanha e em Itália. Musk apresentou a reação como uma má interpretação, escrevendo no X que “o ataque ‘toda a gente é Hitler’ está muitíssimo cansado”.
O diário italiano Corriere Della Sera apelidou a saudação de “RoMusk” e o chanceler alemão Olaf Scholz - um alvo frequente das críticas de Musk - disse num painel do Fórum Económico Mundial em Davos, na Suíça: “Toda a gente é livre de expressar a sua opinião na Alemanha e na Europa, incluindo os bilionários... mas não aceitamos o apoio a posições de extrema-direita”. Musk respondeu no X: “Que vergonha para o Oaf Schitz!”
Há divergências quanto à razão exata pela qual Musk está a visar a Europa.
Pode ser uma questão pessoal. “Quando Elon assumiu o controlo do Twitter, houve um esforço concertado para fazer com que as empresas deixassem de anunciar na sua plataforma, para o alienar, para o cancelar”, recorda Trevor Traina, o anterior embaixador de Trump na Áustria, onde um partido de extrema-direita está à beira do poder. “Por isso, Elon provou o mesmo remédio amargo que Donald Trump e outros receberam à força, e penso que o que vemos hoje é a sua resposta.”
Ou pode ser uma questão financeira; uma história mais antiga que coloca o inovador contra os reguladores. “Penso que o seu objetivo é sempre pensar nos seus próprios interesses comerciais”, vinca Nelson.
Musk tem-se insurgido contra a burocracia que rodeia o setor tecnológico na Europa; gere uma enorme fábrica da Tesla na Alemanha, um país onde tem concentrado muita atenção, e está a planear uma expansão controversa desse local.
A CNN contactou o X para comentar as críticas às intervenções de Musk na Europa, mas não obteve resposta.
Poderá a Europa ripostar?
Quando se trata de política europeia, Musk tem os seus favoritos. Escreve frequentemente sobre o Reform UK, o partido populista britânico, e a Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita. Mas não publica nada sobre Marine Le Pen, a antagonista francesa do governo de Emmanuel Macron, nem parece interessado na Áustria.
A política britânica e alemã são um terreno flexível; os principais partidos de ambos os países são singularmente impopulares, manchados por períodos no poder marcados pela inflação ou por escândalos, ou vistos por grande parte do público como pouco imaginativos, pouco ambiciosos ou tecnocráticos. A Alemanha vai realizar eleições no próximo mês, nas quais a AfD poderá ficar em segundo lugar. Ainda no ano passado, a AfD tornou-se o primeiro partido de extrema-direita a ganhar uma eleição estatal na Alemanha desde a era nazi.
E têm outra coisa em comum: cada um dos países não conseguiu lidar adequadamente com a raiva do público em relação à imigração, que está a ameaçar tornar-se a dinâmica política que define o continente.
Ainda assim, Musk terá de construir alianças duradouras para ter uma influência séria. Já se desentendeu publicamente com Nigel Farage, o líder do Reform UK, que se recusou a apoiar o a defesa da figura de extrema-direita Tommy Robinson, que se encontra preso. O Reform UK continua à espera de um grande donativo financeiro de Musk, mas a contenda diminuiu o otimismo do partido.
Também terá de enfrentar obstáculos regulamentares. Uma coima, que poderá atingir 6% do volume de negócios anual global da X, está iminente quando a UE concluir uma investigação sobre se a X infringiu as regras estabelecidas pela Lei dos Serviços Digitais, que regula a forma como a indústria tecnológica lida com a desinformação e os conteúdos ilegais nas redes sociais, bem como com bens e serviços ilegais nos mercados em linha.
Na Grã-Bretanha, Musk foi convidado a testemunhar perante a Comissão Parlamentar de Ciência, Inovação e Tecnologia sobre o algoritmo da sua empresa, depois de esta ter sido acusada de promover a desinformação sobre um trágico esfaqueamento de crianças no verão passado, que resultou em confrontos entre desordeiros e a polícia e no incêndio de hotéis que albergavam requerentes de asilo.
“A liberdade de expressão faz parte de uma conversa”, diz à CNN Chi Onwurah, deputado trabalhista que preside à comissão parlamentar. “Em vez de gritar com o Reino Unido do outro lado do Atlântico, será que ele se vai envolver nos processos democráticos legítimos que representam o povo britânico e ter uma conversa connosco?”
Por enquanto, a proximidade de Musk com Trump pode protegê-lo de tal escrutínio. “Não espero que (a Europa) faça muito; eles não querem iniciar uma guerra com Donald Trump”, acrescenta Echikson.
Mas quanto mais o magnata da tecnologia se envolve nos assuntos europeus, mais tensa se torna essa abordagem. “Se ele está, como parece que está, a entrar na política”, termina Onwurah, ‘então, como parte disso, é preciso ouvir e falar’.