Por cnnportugal.iol.pt
Foram identificadas pelo menos 314 crianças, de acordo com um relatório elaborado pela Universidade de Yale. Muitas delas estão agora em paradeiro desconhecido
Retirar as crianças ucranianas dos seus lares, tirar-lhes a identidade ucraniana e fazê-las recomeçar a vida ao lado de famílias russas. Acusações deste tipo surgem desde que a Rússia lançou aquilo a que Vladimir Putin chama de operação militar especial, mas não havia certezas sobre o envolvimento direto do presidente nesta questão.
Agora, e depois de uma investigação da Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, que foi patrocinada pelo governo dos Estados Unidos - faz parte de uma iniciativa mais abrangente que Joe Biden ordenou ao Departamento de Estado -, há uma ligação: o avião presidencial e fundos da presidência russa foram utilizados diretamente para este efeito, de acordo com o relatório publicado esta terça-feira, e que é citado pela agência Reuters.
A instituição norte-americana garante que identificou 314 crianças levadas das zonas ocupadas pelos militares russos logo nos primeiros meses de guerra. Diz a investigação que esta orquestração fez parte de um programa financiado pelo Kremlin para “russificar” os menores.
Com efeito, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu, em março de 2023, um mandado de captura em nome de Vladimir Putin e da comissária para os Direitos das Crianças, Maria Lvova-Belova, por alegados crimes de guerra na sequência da deportação ilegal de crianças ucranianas.
Na altura, a responsável russa afirmou que a comissão que dirige atuou em bases humanitárias para proteger as crianças das zonas afetadas, nomeadamente no Donbass.
É esperado que esta quarta-feira o diretor-executivo do Laboratório de Pesquisa Humanitária da Universidade de Yale, Nathaniel Raymond, apresente o relatório ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde a Rússia é um dos cinco membros permanentes.
Em declarações citadas pela agência Reuters, Nathaniel Raymond acredita que estas novas provas vão dar consistência ao mandado do TPI, bem como levar a novas acusações por parte daquele tribunal contra o presidente russo, nomeadamente pela “transferência forçada” de pessoas de nacionalidades e grupos étnicos diferentes dos locais de destino.
“A deportação de criança ucranianas é parte de um programa sistemático, liderado pelo Kremlin”, para as tornar cidadãs da Rússia, garantiu.
Quanto à responsabilidade criminal, a transferência forçada de pessoas consiste um crime contra a humanidade, à luz do Direito Internacional, já que pode ser feito de forma mais abrangente e sistemática. Um crime contra a humanidade é tido como mais grave do que um crime de guerra.
Do lado russo mantém-se a última versão sobre o assunto: as crianças foram levadas para sua proteção e ninguém é mantido na Rússia contra a sua vontade ou dos seus familiares ou tutores legais, cujo consentimento foi sempre procurado, salvo casos em que essas pessoas estivessem desaparecidas.
Quanto ao trabalho, a equipa de Yale baseou-se em três bases de dados de adoção do governo russo ao longo de mais de 20 meses. Foi feito um mapeamento das criança rastreadas e confirmada a identidade de 314 delas, sendo que todas foram, segundo o relatório, sujeitas a “propaganda pró-Estado e exército” russos, recebendo documentos que sugerem uma “reeducação patriótica”, à imagem do que a Rússia pretendia fazer com crianças que vivem em Portugal, nesse caso de forma não forçada.
Não havendo dados mais concretos, a Ucrânia estima que cerca de 19.500 crianças ucranianas foram levadas para a Rússia ou para a Crimeia ocupada desde fevereiro de 2022. Maria Lvova-Belova nega estes números, referindo apenas que 380 órfãos foram colocados em famílias de acolhimento na Rússia entre abril e outubro de 2022.
Mas a retirada começou antes. O relatório indica que dias antes de a ofensiva russa começar já havia militares a fazerem o trajeto com crianças. Algumas delas foram enviadas pelas Forças Aeroespaciais. Algumas delas foram levadas num avião que está sob ordem direta de Vladimir Putin. Nesse avião foram transportados pelo menos dois grupos de crianças, em voos geridos pelo Departamento de Gestão da Propriedade Presidencial, e em coordenação com a Administração Presidencial.
Das 314 crianças identificadas, 166 foram colocadas diretamente com famílias russas, revela o relatório. As restantes foram registadas em bases de dados de centros de acolhimento, sendo que se perdeu o rasto a muitas delas.