Roberto Pedreira garante somente tomar Coca-Cola e não beber água nem para ingerir remédio; especialistas elencam consequências ruins para a saúde
Faz 50 anos que o aposentado Roberto Pedreira de Oliveira Souza descumpre um dos principais mandamentos de uma vida saudável. Ele só bebe Coca-Cola e garante não ingerir uma só gota de água, nem mesmo para tomar remédio. Especialistas são unânimes em apontar que o hábito é prejudicial à saúde, causador de de consequências como obesidade, diabetes, câncer e doenças cardiovasculares.
— Eu enjoei de água há 50 anos. De lá para cá, não bebi mais água. Eu substituí por Coca-Cola — conta Roberto, de 70 anos, morador de Salvador (BA), cuja história viralizou no X (antigo Twitter) em uma publicação do afilhado, o estagiário de Engenharia Mecânica João Victor Paixão, de 27.
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Roberto é diabético há 33 anos e, na última década, já colocou três pontes de safena, uma ponte mamária e seis stents no coração, já tendo infartado uma vez.
Mas os problemas de saúde e as consequêncis ruins de consumo tão elevado de refrigerante não assustam, nem preocupam Roberto, apesar de ele ir a médicos regularmente.
— O endocrinologista e o cardiologista queriam que eu bebesse água. E eu disse a eles: 'Ou o senhor aceita que eu bebo Coca ou vou beber por conta própria, o senhor querendo ou não'. Eles acabaram aceitando — relata o aposentado, que bebe a Coca-Cola Zero desde o lançamento da versão sem açúcar.
Roberto passou um mês internado com Covid-19 entre janeiro e fevereiro e não deixou o hábito de lado, nem mesmo para tomar remédio.
— No hospital, queriam dar água. Eu disse que não bebo. Quiseram proibir a Coca, eu mandava comprar escondido. No fim da história, o médico dava risada, porque sabia que eu estava tomando. O próprio remédio eu tomava com Coca.
Durante a internação, Roberto pediu para que uma enfermeira escrevesse em um quadro do quarto: "Não tomo remédio líquido, por favor não insista. Não bebo água, só Coca Zero".
— Eu nunca tive receio. Eu digo que já estou no lucro, tenho 70 anos. Os médicos falam para eu beber água, mas eu não bebo e pronto. Se Coca matasse, eu já teria morrido. Tem 50 anos que eu não bebo água. Eu não tomo nenhuma gota de água.
Riscos à saúde
Apesar da crença de Roberto, refrigerante faz mal, ainda mais com consumo tão frequente e prolongado ao longo do tempo.
— Estamos falando de excesso de açúcares, conservantes, corantes e substâncias que, juntas, em grande quantidade e por longo prazo, podem atrapalhar secreção de hormônios (disruptores endócrinos), levar ao ganho de peso, aumentar risco de cânceres e doenças metabólicas como diabetes — aponta o médico atuante em Nutrologia Thomáz Baêsso.
Ele ressalta que desidratação provocada pela não ingestão de água "aumenta a chance de diversas doenças como cálculo renal, pode atrapalhar o emagrecimento, ser causa de enxaqueca frequente, entre várias outras questões. Esse refrigerante possui cafeína na composição, o que, em um contexto de ausência de ingesta de água, eleva ainda mais os riscos citados".
Quais são as eventuais consequências do consumo excessivo de refrigerante:
- Desidratação;
- Ganho de peso;
- Hipertensão;
- Diabetes;
- Gordura no fígado;
- Pedras nos rins;
- Enfraquecimento dos ossos;
- Doenças cardiovasculares;
- Câncer;
- Cáries.
Uma porção de 220ml de Coca-Cola tem 97 kcal, 23g de carboidratos, 23g de açúcares totais e 11mg de sódio. A versão "zero" não tem açúcar, mas possui volume maior de sódio - 31 mg - e adoçantes artificiais como aspartame.
Os dois tipos são nutricionalmente vazios, já que não há proteínas, vitaminas, minerais ou fibras na composição deles.
Em julho de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a classificar o aspartame como "potencialmente cancerígeno". Na época do anúncio, o chefe de nutrição da OMS, Francesco Branca, enfatizou a importância do consumo de água.
— Se os consumidores se depararem com a decisão de tomar refrigerante com adoçante ou com açúcar, acho que deveria haver uma terceira opção a ser considerada, que é a de beber água em vez disso — declarou o especialista naquela ocasião.
É uma posição reforçada pela ciência e por todos os especialistas, já que a água é a base para hidratação do corpo e para o consequentemente bom funcionamento do organismo.
— A hidratação é fundamental para a nossa saúde, recomenda-se beber pelo menos dois litros de água por dia. Você imagina pegar dois litros de Coca-Cola por dia, o quanto você teria de caloria nisso — analisa o endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
— O açúcar aumenta risco de doenças metabólicas, diabetes, esteatohepatite e doenças cardiovasculares. Além de a Coca-Cola ter efeito de dependência de cafeína e contar com outras substâncias que conhecemos pouco e que têm efeitos desconhecidos no nosso organismo — complementa o especialista.
Segundo explica o endocrinologista Paulo Maccagnan, professor de Endocrinologia na Universidade Metropolitana de Santos (Unimes), não há, nos refrigerantes, uma substância específica que cause uma doença diretamente. Tudo acontece indiretamente por meio do ganho de peso e de uma síndrome metabólica provocados pelo consumo exagerado de refrigerante.
— Claro que, se você faz atividade física, controla bem o peso e toma refrigerante de vez em quando, não vai ter problema. Agora, com consumo diário e sem tomar água, haverá a possibilidade de desenvolver doenças crônicas.
O mecanismo de prejuízo ao organismo é a partir da rápida absorção de açúcar do refrigerante, que pode provocar a resistência à insulina.
— Exige muito do pâncreas quando a gente bebe uma bebida assim, com teor de açúcar de absorção rápida muito grande. É um tipo de alimento que se deve evitar de uma forma geral, porque não existe essa necessidade energética imediata de ter tanto açúcar tão rapidamente. Aumenta a chance de obesidade e do quadro de síndrome metabólica. É um quadro em que você tem aumento do diabetes, da pressão arterial, do colesterol e do triglicérides, e isso tudo tem a ver com risco cardiovascular. Existe uma ligação disso tudo com aumento de infarto e de AVC, desse tipo de patologia que é o que mais mata as pessoas no mundo.
Fontes:
Bruno Halpern é médico endocrinologista, com residência em clínica médica e endocrinologia e doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), presidente da Associação brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Paulo Henrique Galeti Maccagnan é endocrinologista. Possui graduação em Medicina, mestrado em Medicina (Endocrinologia Clínica) e doutorado em Medicina (Endocrinologia Clínica) pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É professor titular de Endocrinologia e membro do Núcleo Docente Estruturante do curso de Medicina da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes).
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