A preocupação é manifestada pelo historiador guineense, Julião Sousa, que defende recuperação de alguns aspetos que fizeram parte do ideário de Amílcar Cabral, para se definir uma nova rota para o futuro da Guiné-Bissau.
Participantes na conferência “Amílcar Cabral – O Combatente Anónimo pelos Direitos Fundamentais da Humanidade”
Não há uma perspetiva clara do que será a Guiné-Bissau dentro de 50 anos. A preocupação foi manifestada pelo historiador guineense, Julião Sousa, à margem de uma conferência em Lisboa sobre a figura do engenheiro agrónomo, Amílcar Cabral, que é considerado “o pai da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde”, assassinado a 20 de janeiro de 1973, em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas.
A conferência internacional sobre “Amílcar Cabral – O Combatente Anónimo pelos Direitos Fundamentais da Humanidade”, decorre até este sábado (03.03), no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa
Instabilidade política
A maior parte dos políticos guineenses fala recorrentemente da figura e da dimensão de Amílcar Cabral. No entanto, muitos dos princípios, entre os quais, unidade e ligação entre teoria e prática, defendidos por Amílcar Cabral, não são implementados na atualidade. Na opinião do académico guineense, Julião Sousa, "a instabilidade política não tem ajudado a recuperar alguns desses ideais", de modo a se dar um novo rumo ao desenvolvimento da Guiné-Bissau.
"O problema é que temos que sair do discurso, das narrativas, e passar para a ação, para a prática. E isso não tem sido possível, justamente, por causa da instabilidade política, que tem sido recorrente no nosso país. Portanto, creio que isso também impede um pouco que se possa cumprir, de fato, com [os ideais de] Amílcar Cabral", destaca o historiador.
Aprender com o passado a melhorar o futuro
Julião Sousa reconhece, no entanto, que há alguma tentativa para recuperar os ideais daquele que foi o líder da luta de libertação contra o colonialismo português, e que sempre se bateu pela unidade nacional.
"Essa divisão que nós temos na nossa sociedade, é uma divisão que é muito grave, que pode vir a arrastar-se para situações de violência sistémica. Isso não tem sido debatido, justamente, por causa da instabilidade política recorrente, que não deixa espaço para que haja reflexões profundas sobre temáticas que realmente interessam."
Para o historiador, outro dos valores que Cabral defendia, era a aposta na educação."Estou convencido que se retomássemos a questão da educação, alguns projetos na área do turismo – mas um turismo que fosse sustentável – e resolvessemos alguns problemas na área da saúde e até mesmo na justiça, nós certamente estaríamos a fazer um grande trabalho. Porque, de fato, o papel da classe política e do Estado, enquanto instituição, é justamente, criar condições para que haja melhores condições de vida material das pessoas."
O académico insiste ainda, que a formação dos jovens guineenses deve ser uma prioridade. "Porque no futuro, quem tiver bons quadros, é quem vai liderar os processos mundiais".
Amílcar Cabral
Uma eterna referência
A investigadora cabo-verdiana, Aurora Almada e Santos, uma das coordenadoras deste fórum académico, diz que ainda há muito para se estudar sobre Amílcar Cabral, sob diferentes facetas. A propósito dos seus ideais, acrescenta que ele será sempre uma referência.
"Eu acho que Cabral, de certa forma, foi bafejado pela sorte, porque as ideias dele não tiveram aquele confronto com a realidade. Portanto, nós não sabemos o que é que teria acontecido se ele realmente tivesse sobrevivido e se ele tivesse avançado para a implementação prática das suas ideias. Isso seria fazer futurologia. Após Amílcar Cabral, outras pessoas assumiram a direção do país e deram um rumo de acordo com aquilo que entendiam. Mas acho que os ideais de Cabral, de certa forma, hão de perdurar."
Aurora Almada Santos
Aurora Santos afirma ainda qual o rumo que a Guiné deve seguir."A Guiné-Bissau é um país independente tanto quanto Cabo Verde. Portanto, o que falta é vencer os desafios, consolidar a democracia, ter instituições estáveis e contribuir para o desenvolvimento do país".
Símbolo da Pátria
O comandante, Pedro Pires, que dirige a Fundação Amílcar Cabral, está entre os convidados da conferência. O ex-presidente cabo-verdiano reafirma o interesse na difusão do debate sobre a figura de Cabral, pelo lugar cimeiro que ocupa no imaginário dos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
"Nós vimos Amílcar Cabral como o herói que encarnou uma luta dura, mas vitoriosa. Mas também vemos Amílcar Cabral como um mito fundador. É uma referência tanto em Cabo Verde, como na Guiné-Bissau. É esse mito e essa personalidade forte, do nosso imaginário, que queremos que fique mais forte ainda."
m.dw.com/pt
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