quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Dez mortes em Espanha e 11 casos em Portugal. Cinco respostas para entender a restrição de Nolotil a turistas

Dez britânicos morreram em Espanha enquanto tomavam Nolotil. Não foi estabelecida qualquer associação direta com o analgésico. A venda do medicamento, porém, foi restringida. E em Portugal?


“Disseram-me que os meus glóbulos brancos tinham desaparecido completamente e, a seguir, chamaram um padre ao hospital para me dar a extrema-unção“. Aconteceu em 2016. Hugh Wilcock, de 81 anos, estava a passar férias em Espanha. Uma forte dor de costas levou os médicos a receitar-lhe Nolotil, que, defende, “pode ser letal”. Apesar das graves complicações que acredita terem sido motivadas pelo medicamento, Wilcock sobreviveu.  Tal não aconteceu com, pelo menos, dez turistas britânicos que morreram enquanto estavam a tomar Nolotil, um dos analgésicos mais consumidos em Espanha, revelou o The Times, numa investigação publicada em agosto deste ano.

Uma das mortes foi a de Mary Ward. A viver com o marido em Marbella, no sul de Espanha, Ward morreu, em 2006, na sequência de complicações quando estava a tomar Nolotil, analgésico que lhe tinha sido receitado numa clínica privada, em Alicante. “As provas de que os britânicos estão a ser envenenados por este medicamento são esmagadoras. Estes medicamentos são receitados como se fossem doces, mas os espanhóis não parecem estar afetados”, disse ao The Times o marido, Graeme Ward, de 75 anos, que organizou uma campanha pelo fim da prescrição deste analgésico.

Em agosto deste ano, o The Times revelou que a Agência Espanhola de Medicamentos e Produtos Sanitários estava a investigar as mortes dos turistas britânicos (Foto: Cristina Garcia del Campo/Facebook)

Houve, de facto, dez turistas britânicos a morrer — e mais de uma centena com complicações e partes do corpo amputadas — enquanto estavam a tomar Nolotil , embora não se tenha concluído que a morte foi motivada pelo analgésico. O medicamento, que já não era autorizado em países como os Estados Unidos da América, Reino Unido e Suécia, viu agora a sua venda ser restringida em Espanha. Afinal, podemos continuar a tomar Nolotil?

1. O que é o Nolotil e quais os efeitos secundários?

O metamizol — comercialmente conhecido como Nolotil — é um analgésico indicado para dores intensas e febres altas, só pode ser vendido com prescrição médica. “Nolotil está indicado na dor aguda e intensa, incluindo dor espasmódica e dor tumoral, e na febre alta, que não responde a outras terapêuticas antipirética”, pode ler-se na bula do medicamento, aprovada em maio de 2017 pelo Infarmed.

Um dos efeitos secundários mais frequentes incluem a hipotensão, de acordo com o documento. Entre os efeitos secundários muito raros — que “afetam menos de 1 utilizador em 10 mil”, refere a bula –, está a agranulocitose, que terá provocou a morte dos dez turistas britânicos. Trata-se de uma alteração do sangue provocada devido à falta ou acentuada redução de glóbulos brancos. A reação pode levar à morte do paciente, devido à redução de defesas e, em consequência, ao desenvolvimento de sépsis ou de múltiplas infeções.

O medicamento em questão é vendido em Portugal e, há mais de 50 anos, em Espanha. A sua venda duplicou nos últimos dez anos, com o aumento mais significativo a ocorrer nos últimos cinco. Não é licenciado em vários países, como os EUA, Reino Unido e Suécia.

2. O medicamento provocou a morte dos dez britânicos?

Preocupada com a morte de vários turistas britânicos com alterações no sangue depois de terem tomado o Nolotil, na região sul de Espanha, Cristina Garcia del Campo, uma tradutora médica da província de Alicante, fez campanha para promover a realização de uma investigação às mortes. “Alguns [turistas] tiveram partes do seu corpo amputadas e sobreviveram. Outros morreram. Os britânicos não devem tomar este medicamento. Alguns pessoas ficaram bem, mas o risco é muito elevado”, disse, na altura, ao jornal.

Em agosto deste ano, o The Times revelou que, face aos alertas, a Agência Espanhola de Medicamentos e Produtos Sanitários (AEMPS) tinha lançado uma investigação para determinar se pessoas oriundas do norte da Europa estão ou não mais expostas aos efeitos colaterais do Nolotil.


"Alguns [turistas] tiveram partes do seu corpo amputadas e sobreviveram. Outros morreram. Os britânicos não devem tomar este medicamento. Alguns pessoas ficaram bem mas o risco é muito elevado"                                 Cristina Garcia del Campo, tradutora médica
Mas, já em 2009, um estudo espanhol alertava para o perigo de medicar britânicos com Nolotil. O estudo, publicado na Revista Clínica Española e intitulado “Agranulocitose vinda do metamizol: um potencial problema para os britânicos”,  “No nosso meio, a agranulocitose vinda do metamizol é um efeito adverso que ocorre com maior frequência nos britânicos, portanto, o seu uso deve ser evitado”, podia ler-se na conclusão do estudo realizado por investigadores da Unidade de Medicina Interna do Hospital Costa del Sol, em Marbella.

Esta segunda-feira, a agência que regula os medicamentos em território espanhol divulgou os resultados desta investigação e não reconheceu oficialmente os casos de morte dos cidadãos britânicos como consequência do medicamento. A farmacêutica Boehringer Ingelheim, que produz o medicamento Nolotil, disse, citada pelo The Times, que não há “evidência científica de que populações específicas sejam propensas a desenvolver efeitos colaterais”. “Não se pode nem descartar nem confirmar um maior risco em populações com características étnicas específicas”, alertaram em comunicado. Ao Observador, fonte do laboratório em Portugal reforçou que “não foi estabelecida qualquer associação direta entre o Nolotil e a morte dos turistas”.

3. A venda de Nolotil foi restringida ou proibida em Espanha?

Apesar de não reconhecer que as mortes estão relacionadas com o Nolotil, o que a AEMPS fez foi atualizar a ficha técnica do metamizol — comercialmente conhecido como Nolotil — e colocar um comunicado no site com o objetivo de prestar esclarecimentos ao público, na sequência da investigação, e reforçar que os medicamentos devem ser tomados de uma forma responsável.

De acordo com o comunicado, emitido a 30 de outubro, a agência espanhola recorda que o fármaco em questão apenas deve ser usado para tratamentos de curta duração, vendido com receita médica e, antes de esta ser emitida, devem ser realizadas análises detalhadas ao sangue, de maneira a despistar fatores de risco de agranulocitose. Outra recomendação remete para a não utilização de metamizol em pacientes “nos quais não é possível a realização de controles”, como por exemplo a “população flutuante”. O El Espanõl esclarece: na prática, isto traduz-se na proibição de venda de Nolotil aos turistas.

O Infarmed não vai, para já, proibir a venda de Nolotil em Portugal (Foto: JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

O Infarmed considerou que o comunicado da AEMPS veio apenas “reforçar algumas das indicações de uso que já estão previstas no resumo das características do medicamento”. “Apenas no caso dos doentes para quem não seja possível efetuar este controlo periódico, como é o caso das populações migrantes, é que a AEMPS recomenda a não utilização deste medicamento”, esclareceu fonte daquela autoridade ao Observador.

4. Há casos de mortes associadas ao medicamento em Portugal?

Não. Em Portugal, foram notificados um total de 11 casos de agranulocitose potencialmente associados à utilização de metamizol, entre o período de 2008 a 2018, confirmou fonte do Infarmed ao Observador. Nenhum dos casos teve consequências graves para o doente e os efeitos secundários detetados foram aqueles que já estavam discriminados na bula informativa. “Verifica-se que a frequência de notificação desta associação entre agranulocitose e metamizol tem estado limitada a cerca de 1 a 2 casos por ano“, explicou fonte daquela autoridade, adiantando que esses valores encontram-se “dentro do padrão expectável do risco de utilização deste medicamento”.

5. O analgésico vai ser proibido em Portugal?

Para já, não. Como o número de casos está dentro do padrão expectável do risco de utilização deste medicamento, “não se considera necessário efetuar qualquer ação no imediato“, adiantou fonte do Infarmed. A Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde alerta que as mortes ocorridas em Espanha dizem respeito a uma “situação local muito específica”. “Para mais de 85% destes casos, não havia dados sobre a existência de outros fatores de risco ou da utilização de outra medicação simultaneamente. Também não foi identificada qualquer variante genética que possa estar associada a esta situação”, justificou a mesma fonte.

Também o laboratório Boehringer Ingelheim, que produz o Nolotil, confirmou que não vai tomar medidas relativamente ao medicamento, uma vez que não considera que exista qualquer relação entre o analgésico e as mortes. A farmacêutica garantiu ao Observador que vai, ainda assim, acompanhar a situação. O mesmo fará o Infarmed: “Tal como para os restantes medicamentos, o Infarmed irá continuar a avaliar a situação, em coordenação com os restantes parceiros europeus e com a Agência Europeia do Medicamento.”

[Atualizado às 00h20 de dia 7 de novembro com a informação de que, em 2009, um estudo espanhol já alertava para o perigo de medicar britânicos com Nolotil]

Carolina Branco  
Ana Cristina Marques
observador.pt

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