Por Cnnportugal.iol.pt 07/08/23
Com algumas centenas de milhares de euros tornou-se possível afundar navios de guerra de muitos milhões. A tecnologia está a ser criada e desenvolvida na Ucrânia e Moscovo ainda não encontrou forma de lidar com ela
É a primeira frota de drones navais militares da história e a sua lista de vítimas é cada vez maior. São capazes de navegar longas distâncias controlados remotamente e a bordo trazem consigo centenas de quilos de explosivos, capazes de destruir navios de guerra que custam centenas de milhões. Foi esse o caso do navio de transporte militar atingido esta sexta-feira a mais de 500 quilómetros da sua costa, na base naval de Novorossiysk, o maior porto da Rússia, e os especialistas alertam: o número de ataques vai continuar a aumentar.
“É uma nova realidade com que a Rússia vai ter de viver todos os dias. A partir de agora, a Rússia vai ter de estar em constante estado de alerta no Mar Negro e isso vai implicar um esforço militar muito maior para a neutralização desta ameaça. Estes drones podem tornar-se fortes elementos dissuasores”, afirma o comandante João Ribeiro.
Tal como os veículos aéreos não tripulados, estes dispositivos estão a alterar a dinâmica da guerra no Mar Negro. Estes drones navais, que a CNN pode testemunhar em exclusivo no final de julho, têm pouco mais de cinco metros de comprimento, mas conseguem carregar cerca de 300 quilos de explosivos a uma velocidade de 80 quilómetros por hora e atingir um alvo a 800 quilómetros de distância. Podem levar três câmaras HD a bordo e o seu sistema de controlo por satélite é encriptado.
Cada um destes drones tem um custo aproximado de 250 mil dólares, o que pode parecer um valor elevado, principalmente quando estamos a falar de uma arma que é feita para se destruir. Mas o custo destas pequenas embarcações kamikazes é muito inferior aos muitos milhões necessários para adquirir um navio de guerra e a sua tripulação altamente especializada.
“Têm uma relação custo-eficácia bastante grande. Pode-se pegar num casco idêntico ao de uma mota de água, colocam-lhe explosivos, comunicações e visão e podem destruir um alvo de milhões”, destaca João Ribeiro.
Num vídeo publicado esta sexta-feira, é possível espreitar o potencial efeito devastador que estas armas já estão a ter. No vídeo, é possível ver através da perspetiva do operador do drone naval ucraniano, que se aproxima do navio de guerra russo, o Olenogorsky Gornyak, até ao momento em que o sinal desaparece, quando se dá a explosão. Segundo uma fonte da marinha ucraniana, a bordo da embarcação seguiam cem marinheiros. Horas depois, perto do estreito de Kerch, novo incidente. Os locais escutaram três explosões em alto mar, um navio petroleiro russo alvo de sanções tinha sido atingido por uma vaga de drones marítimos. A tripulação sobreviveu, mas os seus efeitos foram devastadores, com um gigantesco buraco no casco do navio.
Não foi a primeira vez que os ucranianos demonstraram as capacidades destas armas. As autoridades ucranianas admitiram que o ataque de 14 de julho à ponte de Kerch também foi executado com um drone naval. A operação vai levar a estrutura que liga a península da Crimeia ao território russo – e que é uma das grandes obras públicas da era de Vladimir Putin - fique fora de serviço até ao final de setembro. A ponte é um dos principais alvos militares ucranianos desde o início da guerra, uma vez que é utilizada pelas forças armadas russas para reabastecer o esforço logístico na Crimeia e no sul do território ocupado na Ucrânia.
Estes sistemas são também uma prova de resiliência e de adaptação por parte do povo e do exército ucraniano. Os drones que têm protagonizado todos estes ataques são produzidos quase totalmente na Ucrânia. Toda a engenharia necessária é desenvolvida internamente. A própria produção dos cascos, dos componentes eletrónicos e do software acontece na Ucrânia. É a resposta “natural” de uma marinha de guerra que perdeu perto de 80% de toda a sua frota desde o início da guerra, mas com muito apoio da sociedade civil.
Parte dos fundos para este desenvolvimento e produção é obtido através da organização United24, que recebe doações de indivíduos e empresas de todo o mundo para financiar várias iniciativas. “A nossa primeira tarefa é montar uma frota de 100 destas embarcações. Eles defenderão as águas de nossos mares, impedirão que navios russos que transportam mísseis saiam da baía, protegerão navios mercantes e realizarão missões secretas”, escreve a organização na página de angariação de fundos. A partir de 100 dólares pode contribuir para a construção da nova “armada” ucraniana.
A Ucrânia descreve mesmo estes ataques com drones no Mar Negro como “perfeitamente lógicos”, segundo líder dos serviços de segurança ucranianos (SBU), Vasyl Maliuk, e Kiev apressou-se a prometer mais ataques. A Rússia já prometeu responder contra o que considera serem “ataques terroristas”, mas, para João Ribeiro, Moscovo tem um problema complexo para resolver, porque, apesar de serem relativamente fáceis de abater, são objetos muito pequenos na vastidão da superfície do mar, o que os torna difíceis de detetar.
"A Ucrânia está a adquirir cada vez mais estas capacidades, por isso, vamos ver um aumento da recorrência destes ataques. Os modelos atuais, são fáceis de abater, mas são difíceis de detetar por serem pequenos. Uma vez detetados é possível destruí-los. Por isso, o próximo passo vai ser o aparecimento de drones submarinos”, antevê o comandante João Ribeiro.
E Kiev já o está a fazer. No final de abril, o Ministério da Transição Digital ucraniano anunciou a criação de um grupo de trabalho chamado BRAVE1, que tem como objetivos criar uma base tecnológica que ligue o governo, o exército e o setor privado para desenvolver armamento que dê vantagem à Ucrânia no campo de batalha. Durante o seu anúncio, um dos projetos mostrados era um pequeno submarino robótico não-tripulado, com pouco menos de dois metros, com o nome de Toloka TLK-150.
A necessidade aguça o engenho e, talvez por isso, o seu design seja tão pouco convencional. Segundo a imagem tornada pública, o submarino tem estabilizadores muito maiores do que outros modelos conhecidos e as hélices dos propulsores, montadas em pequenas asas estabilizadoras, estão a uma distância muito maior uma da outra. Estas características, combinadas com o leme separado e com as pás de mergulho montadas na frente do drones sugerem que os seus criadores estão a optar por um design ágil. A meio do submarino existe um pequeno mastro, que traz à superfície o sistema de comunicações e de captação e transmissão de imagem.
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