segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Calamidade em Cacine: CENTENAS DE FAMÍLIAS DESALOJADAS DEVIDO ÀS INUNDAÇÕES E MAIORIA ENFRENTA A FOME

20/09/2020 / Jornal Odemocrata 

[REPORTAGEM S37_2020] O setor de Cacine, região de Tombali, sul da Guiné-Bissau, a cerca de 250 quilómetros da capital Bissau, está a enfrentar a maior calamidade na sua história, provocada por fortes chuvas que caíram nos últimos tempos naquela zona e que fez subir o nível da água que inundou completamente grande parte das aldeias, sobretudo aquelas situadas na zona litoral. A chuva destruiu totalmente 226 casas e dezenas de bolanhas, deixando mais de duzentas (200) famílias instaladas em acampamentos na rua e a maioria enfrenta situações de fome, de acordo com os relatos da associação local.

O setor de Cacine está dividido em três zonas administrativas, a saber: a zona um, constituída pela cidade de Cacine e as seções de Camiconde e Camissoro. A zona dois conta com as seções de Cacoca, Sanconha e Gadamael Porto e na zona três, estão a histórica aldeia de Cassacá, Campiane e Cacibetche. Segundo informações apuradas junto da Associação dos filhos e amigos para o desenvolvimento comunitário do Setor de Cacine, as zonas dois e três denominadas pelos locais de “Kitafine de baixo” foram as zonas que sofreram maiores estragos, porque ruíram naquelas zonas mais de 60 casas, na sequência das fortes chuvadas.

ABUBACAR DJAU: “KITAFINE DE BAIXO É A ZONA MAIS PREJUDICADA PELAS INUNDAÇÕES”

O Democrata contatou por telefone o responsável da Associação de Filhos e Amigos para o Desenvolvimento Comunitário do Setor de Cacine (AJODESCA), Abubacar Djau, para falar do engajamento da sua organização, em termos de mobilização de apoios para socorrer as vítimas das inundações, como também na mobilização das aldeias próximas da estrada principal para os trabalhos de reabilitação pontual de algumas zonas críticas.

O responsável explicou na entrevista que esta é a maior calamidade que assistiram na história do setor e que está a prejudicar enormemente a população local. Contudo, diz que até ao momento da entrevista não se registara nenhum óbito em consequência das inundações, mas estão todos preocupados com as consequências tardias que as vítimas poderão enfrentar e que a maioria já está a deparar-se com a situações de fome, por causa da escassez de produtos alimentares que se começa a sentir, porque “o setor está totalmente isolado sem transportes públicos e a maioria dos comerciantes não tem como transportar e fazer chegar os seus produtos às localidades”.

Djau informou que a zona um, que engloba a pequena cidade de Cacine e as seções de Camiconde e Camissoro, não foi muito afetada, não obstante terem-se ruido algumas casas em algumas aldeias.  Sublinhou que as zonas dois e três, conhecidas localmente por “Kitafine de baixo”, foram as zonas mais prejudicadas, onde ficaram destruídas mais de 60 casas. Segundo Djau, os dados foram facultados pelo régulo central de Kitafine (aldeia situada na zona três), Secuna Silá e foram recolhidos graças a uma equipa que o próprio régulo formou e que está a trabalhar neste momento na identificação das vítimas e na mobilização de apoios.

“Na zona dois, recebi também informações do régulo central daquelas localidades, Mamadu N’Tchasso, que informou-me que a chuva destruiu mais de 20 casas em algumas aldeias da zona e as tabancas mais afetadas são Candembá e Camacrin. Estas duas aldeias foram totalmente inundadas pela chuva que fez ruir muitas casas.

“No que concerne à zona um, algumas casas em algumas tabancas também ruiram. Em Camiconde foram mais de oito casas destruídas e algumas em Camissoron, mas ainda não tenho dados concretos”, explicou o presidente da associação, totalmente abalado pela situação. Aproveitou a ocasião para pedir ajuda junto das autoridades, em particular do governo central, que segundo o ativista, deve reagir com maior urgência para salvar vidas humanas e, consequentemente, evitar a fome que poderá transformar a situação numa catástrofe.            

CACINE ISOLADA DO RESTO DO PAÍS: MOTOTÁXIS COBRAM QUINZE MIL FCFA ENTRE CACINE – MAMPATA

Para além da inundação provocada pela chuva que deixou os populares e a associação local aflitos, o setor está neste momento isolado das outras localidades da zona, devido à falta de meios de transporte público. O transporte de pessoas faz-se agora recorrentemente de motorizadas, devido ao estado avançado de degradação do troço que liga a pequena cidade de Cacine e a vila de Mampata, no setor de Quebo, que tem uma distância de 73 quilómetros.

O estado crítico do troço obrigou os proprietários de transportes públicos a suspenderem a circulação das suas viaturas para aquela zona, fato que levou os populares a optarem pelas motorizadas que fazem a ligação neste momento entre Cacine e Mampata ou para as outras localidades.

Abubacar Djau disse que atualmente as viaturas que saem de Mampata fazem apenas a ligação até à aldeia de Cambraz e vice-versa, porque há dois sítios nessas localidades completamente alagados, o que impede a passagem das viaturas.

“Há algumas viaturas que estão a resistir ainda e conseguem circular até à aldeia de Cambraz. A maioria das pessoas prefere recorrer às motorizadas nas suas deslocações, pagando valores exorbitantes, porque se recusam pagar, não viajam”, contou.

O responsável da AJODESCA explicou que os populares daquela zona estão a sofrer muito com a degradação da estrada, porque são obrigados a pagar 15 mil francos cfa para viajar entre Cacine e Mampata. Frisou que “este é o preço praticado pelos motoristas, cada passageiro paga 15 mil francos cfa para viajar de Cacine até Mampata. De Mampata para Bissau ou para outras localidades pode-se viajar de autocarro ou por outros meios de transporte público”.

“Os proprietários das motorizadas cobram 25 mil francos cfa para transportar duas pessoas. Somos obrigados a pagar este dinheiro se quisermos viajar e isso quando se consegue uma viatura até Cambraz. De Cambraz pode-se viajar de motorizada e paga-se cinco, seis ou até sete mil francos cfa, dependendo da localidade de destino”, explicou o ativista social, que lembrou neste particular que antes da pandemia de novo coronavírus (Covid-19), o preço que se praticava entre o setor de Cacine e Bissau era de três mil Francos CFA, mas depois da Covid-19 o valor subiu de três para dez mil francos CFA.

Assegurou que atualmente as viaturas continuam a fazer o transporte entre Bissau e até à aldeia de Cambraz, cobrando cinco mil francos CFA e depois os passageiros seguem a viagem de motorizadas que também cobram entre cinco a sete mil francos CFA. Enfatizou que a sua organização mobilizou a população local, em diferentes aldeias, para os trabalhos de reabilitação em alguns troços mais críticos da estrada.

“É um trabalho de voluntariado que estamos a fazer, colocando pedras nas estradas e troncos de árvores que aproveitamos no mato. Sabemos que é uma coisa temporária, mas somos obrigados a fazê-la para facilitar a passagem de viaturas que ainda persistem, porque senão estaremos totalmente isolados do resto do sul e do país”, frisou.

Denunciou as cobranças que considera ilícitas que os elementos da Guarda Nacional obrigam as motorizadas a pagar, por falta de documentos, tendo informado que a multa aplicada vai até os 25 mil francos cfa. Lembrou que o ministro do Interior proibiu a cobrança de multas por falta de documentos, mas pediu aos polícias para exigirem aos condutores de motorizadas o uso de capacetes. 

ADMINISTRADOR: “TEREMOS UM ANO AGRÍCOLA NULO EM CANIFAK QUE É A ZONA DE MAIOR PRODUÇÃO”

Em entrevista telefónica a partir de Cacine, o administrador do setor, Abubacar Turé, revelou ao jornal O Democrata que na sequência das fortes chuvas que caíram no setor e que provocaram inundações, duzentas e vinte e seis casas ruíram em consequência das águas pluviais e um número indeterminado de bolanhas na aldeia de Canifak, zona de maior produção do arroz, ficou completamente inundado, “portanto vamos ter um ano agrícola nulo em Canifak”, lamentou.  

Para além de Canifak, o administrador informou que parte das bolanhas da seção de Campiane também ficou afetada. Informações avançadas pela administração setorial indicam que a cruz vermelha local está neste momento a prestar apoios à população sinistrada e posteriormente todos os dados recolhidos serão remetidos ao governo local, que provavelmente deverá tomar diligências necessárias para encaminhá-los para o governo central.

Questionado se as autoridades locais já tomaram algumas medidas para conter ventuais ameaças, Abubacar Turé não foi preciso, mas presume que haverá mais dados no futuro, tendo sublinhado que a melhoria que está a ser operada nas estradas é um esforço próprio da população e de algumas pessoas singulares, pelo que a sustentabilidade do trabalho é pouco provável.

Frisou que o setor sob a sua jurisdição enfrenta neste momento uma situação de inundações jamais vista naquele setor que está a causar muitas incertezas à população com fortes sinais de vir a enfrentar fome, sobretudo na localidade de Canifak de baixo, onde centenas de casas ficaram destruídas, estradas ficaram cortadas e mais de duzentas famílias ficaram expostas à luz do dia e ao sol nas ruas e sem teto.

Segundo o administrador, neste momento estão em curso diligências, tanto das autoridades administrativas locais como do poder local e em colaboração com a população local para a recuperação das estradas. 

Sobre a denúncia de cobranças ilícitas que a polícia e a Guarda Nacional fazem às motorizadas, confirmou que elementos da Guarda Nacional chegaram a aplicar uma multa de vinte e cinco (25.000) mil francos CFA a motorizadas que não tinham a documentação em ordem na localidade de Cameconde, mas com a intervenção das autoridades setoriais locais a situação foi ultrapassada.

“Aconselhamos que não cobrassem multas por falta de documentação, mas que exigissem o uso obrigatório de máscaras e capacetes, porque estamos em tempos de crise sanitária”, afirmou e não avançou nenhum pormenor se a medida foi ou não acatada pelos elementos da Guarda Nacional. Contudo, informou ter emitido um comunicado na rádio comunitária local, dando orientações à população para denunciar cobranças ilícitas nas estradas. 

Por: Assana Sambú/Filomeno Sambú

Foto: AJODESCA 

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