Um estudo de investigadores do Porto e do Reino Unido concluiu que pessoas que ouvem vozes e não sofrem de doenças mentais, conseguem detetar fala escondida em sons sem sentido aparente mais rápido que aquelas que nunca ouviram vozes.
O estudo, publicado hoje na revista científica Brain, mostra que as pessoas que têm alucinações auditivas verbais (ouvem vozes), "podem ter uma maior tendência para perceber padrões de fala com sentido em estímulos auditivos pouco claros", disse à Lusa César Lima, investigador da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), um dos responsáveis pelo projeto.
Pessoas que têm alucinações auditivas verbais são frequentemente diagnosticadas com uma condição de saúde mental, como esquizofrenia ou doença bipolar, no entanto, nem todas as pessoas que ouvem vozes têm problemas de saúde mental, acrescentou.
Resultante de uma parceria entre a FPCEUP, a University College London e a Durham University, do Reino Unido, a investigação incluiu 12 pessoas que ouvem vozes regularmente - sem problemas de saúde mental nem diagnóstico psiquiátrico - e 17 que nunca tiveram a experiência de ouvir vozes, no grupo de controlo.
Os resultados mostraram que nove dos 12 participantes que ouvem vozes (75%) indicaram detetar fala disfarçada em sons ambíguos, enquanto no grupo de controlo isso aconteceu com oito pessoas (47%).
Para além disso, a maioria dos participantes que ouve vozes detetou a fala escondida antes de saber que os sons podiam conter frases, o que decorreu "significativamente mais cedo" (três ou quatro minutos, em média) do que os participantes do grupo de controlo.
Os resultados mostram ainda que o cérebro das pessoas que ouvem vozes respondeu preferencialmente a sons que continham fala escondida, em comparação àqueles que não continham.
Para obtenção dos dados, os participantes ouviram um conjunto de sons de fala alterada, criados artificialmente e conhecidos como 'sine-wave speech' ou fala sinusoidal (descrita como algo semelhante ao canto dos pássaros), enquanto as respostas cerebrais eram registadas através de ressonância magnética.
Estes sons artificiais, embora se assemelhem a alguns elementos de fala natural, só são reconhecidos como fala depois de ser dito explicitamente às pessoas do que se trata ou depois de treino específico de descodificação, explicou César Lima.
Os investigadores verificaram que entre 5% a 15% da população já teve uma experiência ocasional de ouvir vozes, enquanto 1% tem experiências regulares e mais complexas de alucinações auditivas verbais, sem necessitarem de cuidado ou tratamento psiquiátrico.
De acordo com César Lima, este é o primeiro estudo a identificar uma associação entre a experiência de ouvir vozes e os mecanismos cerebrais de perceção de fala, num grupo de pessoas em que os fatores clínicos associados a problemas de saúde mental não estão presentes.
"A possível relação entre experiências que são atípicas - como ouvir vozes - e processos do dia-a-dia - como perceber fala - é ainda muito pouco compreendida", apontou.
Para o investigador, avanços nesta área poderão ter implicações no desenvolvimento de teorias sobre alucinações auditivas e na compreensão de como o cérebro lida, geralmente, com informação auditiva que contenha valor comunicativo.
Por Lusa
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