Por sicnoticias.pt 30/09/2025
Chouriço, presunto, alheira, farinheira: os enchidos ocupam lugar de destaque na mesa portuguesa, mas também estão entre os alimentos mais associados ao aumento do risco de cancro do estômago. Ricos em sal, gordura e muitas vezes fumados, fazem parte de uma tradição gastronómica que ajuda a explicar por que razão Portugal tem a maior incidência de cancro gástrico da Europa Ocidental.
Em 2022, mais de 3.660 portugueses foram diagnosticados com cancro do estômago e 2.578 morreram. O diagnóstico tardio, a dieta desequilibrada e a elevada prevalência da bactéria Helicobacter pylori ajudam a explicar os números.
“A elevada incidência está associada a fatores como o consumo excessivo de sal e alimentos fumados, a prevalência da infeção por Helicobacter pylori, a baixa literacia em saúde e o diagnóstico tardio”, explica Nuno Bonito, diretor do Serviço de Oncologia do IPO de Coimbra., em entrevista à SIC Notícias.
A dieta portuguesa continua marcada pelo consumo elevado de carnes processadas, fritos e sal. Esta combinação contribui não apenas para o risco de cancro gástrico, mas também para o colorretal.
O cancro digestivo inclui tumores do esófago, estômago (gástrico), intestino (colorretal), fígado e pâncreas. O do estômago e o quinto mais frequente em Portugal e uma das doenças mais mortais do aparelho digestivo. A nível global, o cancro do estômago é a quarta principal causa de morte relacionada com tumores malignos.
Fatores de risco alimentares e estilo de vida
Ao mesmo tempo, o consumo de frutas, legumes e leguminosas está abaixo das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). O desequilíbrio alimentar, aliado ao consumo excessivo de álcool e tabaco, aumenta o risco de desenvolver cancro gástrico - que, em 40 a 50% dos casos, só é diagnosticado já em fase avançada.
Apesar de a dieta mediterrânica ter componentes protetores, a dieta portuguesa inclui demasiado sal, fritos e carnes processadas, fatores que contribuem para os cancros gástrico e colorretal, afirma o especialista, que enumera os alimentos mais perigosos para este tipo de cancro:
- Carnes processadas
- Alimentos fumados e salgados
- Bebidas alcoólicas em excesso
- Alimentos ultraprocessados ricos em gordura e açúcar
Por outro lado, há também alimentos que protegem o estômago e o sistema digestivo:
- Frutas e legumes frescos
- Cereais integrais
- Alimentos ricos em fibras e antioxidantes
- Chá verde
Alimentos com propriedades anti-inflamatórias
“O aconselhamento nutricional deve ser feito por profissionais especializados, integrados em equipas multidisciplinares”, reforça o oncologista.
O vinho, muito presente na dieta portuguesa, levanta dúvidas frequentes. Beber um copo por dia será seguro?
"Segundo a Sociedade Europeia de Oncologia (ESMO) e a OMS, não existe um nível seguro de consumo de álcool no que diz respeito ao risco oncológico. Mesmo em pequenas quantidades, o álcool está associado ao aumento do risco de vários cancros digestivos", sublinha Nuno Bonito.
A bactéria Helicobacter pylori
A infeção pela bactéria Helicobacter Pylori é responsável por cerca de 90% dos cancros do estômago e atinge 60 a 70% da população portuguesa, sobretudo no Norte. Apesar de ser assintomática na maioria dos casos, continua a ser o principal fator de risco identificado.
Consumo de enchidos relacionado com cancro gástrico que em Portugal é muitas vezes diagnosticado tardiamente
"A deteção precoce é fundamental e deve ser integrada em programas de vigilância clínica", salienta o médico, referindo que a infeção pode ser diagnosticada através de "teste respiratório da urease, serologia ou biópsia gástrica durante endoscopia".
O tratamento combina antibióticos com inibidores da bomba de protões "com elevada taxa de erradicação quando corretamente administrado", refere o especialista.
O tabagismo é outro fator de risco relevante, potenciando os efeitos da Helicobacter pylori e aumentando a inflamação crónica da mucosa. A cessação tabágica deve ser incentivada em programas multidisciplinares.
Sintomas e diagnóstico tardio
Os sintomas iniciais são inespecíficos, o que leva a atrasos no diagnóstico. Em 2022, registaram-se 2.578 mortes por cancro gástrico em Portugal.
O especialista enumera os sintomas a ter em atenção, mas sublinha que a avaliação clínica deve ser feita por equipas especializadas.
- Dor abdominal persistente
- Perda de peso inexplicável
- Náuseas e vómitos
- Sangue nas fezes
- Fadiga extrema
- Sensação de enfartamento precoce
- Icterícia
Atualmente, não existe um rastreio populacional sistemático como acontece com a mama ou o colo do útero. Estudos sugerem que, em zonas de maior incidência, a endoscopia associada à colonoscopia de 5 em 5 anos pode ser uma estratégia custo-efetiva.
Tratamento e avanços recentes
O tratamento do cancro gástrico tem avançado significativamente, com terapias cada vez mais personalizadas baseadas em biomarcadores, características histológicas e estado clínico da doença, incluindo a presença de doença oligometastática.
Nos casos de doença localizada, as abordagens de tratamento incluem:
- Quimioterapia perioperatória, para reduzir volume tumoral
- Cirurgia com linfadenectomia D2
- Radioterapia em casos selecionados, como complemento à cirurgia ou em situações de controlo sintomático.
"A doença oligometastática representa um estadio clínico intermédio entre a doença localizada e a metastática disseminada. Quando existem metástases limitadas, podem ser consideradas estratégias multimodais como quimioterapia de conversão, cirurgia em doentes selecionados, radioterapia estereotáxica e imunoterapia", explica o médico.
Em Portugal, os cancros digestivos representam uma parcela significativa da carga oncológica, com impacto direto na mortalidade e na qualidade de vida dos doentes. A abordagem multidisciplinar é essencial para garantir uma resposta integrada e eficaz, envolvendo profissionais de diversas áreas.
"É essencial comunicar com clareza os fatores de risco, a prevenção e as opções de tratamento. A educação para a saúde deve ser uma prioridade nacional", conclui Nuno Bonito.
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Esta terça-feira, 30 de setembro, assinala-se o Dia Mundial do Cancro Digestivo. O Lifestyle ao Minuto falou com José Cotter, diretor do serviço de Gagastrenterologia do Hospital da Senhora da Oliveira, em Guimarães, para perceber melhor alguns dos mitos relacionados com estas doenças.

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