Mutilação genital feminina (AP)
Por Joana Azevedo Viana Cnnportugal.iol.pt
Ao final de oito anos, uma maioria dos deputados gambianos quer reverter a lei que proíbe a excisão feminina no país. O projeto vai agora ser analisado por uma comissão parlamentar, esperando-se uma decisão final dentro de três meses. Especialistas temem que abra caminho à reversão de outras leis, como a que proíbe o casamento infantil
Proibida na Gâmbia desde 2015, a mutilação genital feminina (MGF) pode vir a ser novamente legal no país, depois de uma maioria de deputados ter aprovado um projeto-lei para reverter a ilegalização aprovada há oito anos. A votação teve lugar na segunda-feira, quando os deputados decidiram enviar a proposta para uma comissão parlamentar, na prática adiando a decisão final por pelo menos três meses.
Os ativistas que lutam contra a MGF na nação de 2,64 milhões de habitantes, de maioria muçulmana, temem a reversão de décadas de trabalho para proteger as raparigas e mulheres gambianas de uma prática que continua a ser realidade em pelo menos 92 países – apesar de em 51 deles já estar proibida por lei, apontam dados da ONG Equality Now.
“O projeto-lei foi enviado para a comissão, o que pode ser uma coisa boa e uma coisa má”, disse Jaha Dukureh, fundadora do grupo Safe Hands for Girls, citada pelo Guardian. “A coisa boa a sair daqui hoje é que a MGF continua a ser ilegal na Gâmbia. Enviar o projeto-lei para a comissão significa que temos um bocadinho mais de tempo, mas significa que, em 2024, ainda estamos a debater cortar os genitais das meninas no meu país-natal. [...] Foi a coisa mais dolorosa ver homens a invalidar as nossas experiências e a reduzir a nossa dor à influência ocidental.”
De acordo com um inquérito nacional das autoridades de saúde da Gâmbia, três quartos das raparigas e mulheres do país com entre 15 e 49 anos já foram sujeitas à prática de excisão feminina, que inclui a remoção parcial ou total da genitália externa, muitas vezes às mãos de pessoas sem formação médica e com recurso a instrumentos como lâminas de barbear.
Segundo a AP, sob a crença errónea de que a MGF controla a sexualidade das mulheres, há relatos de crianças com menos de cinco anos a serem sujeitas ao procedimento, que não raras vezes resulta em perda de sangue abundante e, em última instância, morte – para além do óbvio impacto na saúde sexual e reprodutiva das mulheres.
Do total de deputados, 42 votaram a favor de enviar o projeto-lei para a comissão parlamentar, e apenas quatro votaram contra a medida, defendida pelo deputado Almameh Gibba como um "suporte da lealdade religiosa e salvaguarda das normas e valores culturais” da Gâmbia. Os que se opõem à medida dizem que mutilar a genitália das mulheres contraria as regras islâmicas, com ativistas anti-MGF a sublinharem que a prática não encontra sustento no Alcorão.
Aprovada em 2015 pelo governo do ex-presidente Yahya Jammeh, a proibição prevê multas e penas de prisão para quem praticar MGF, com Jammeh a defender nesse ano que a prática está “obsoleta” e não constitui um pré-requisito sob o Islão. Em agosto do ano passado, três mulheres foram multadas por mutilar oito bebés do sexo feminino, as primeiras a serem condenadas à luz da lei que proíbe a MGF.
Antes do debate e votação de segunda-feira, a relatora especial dos direitos das mulheres em África, da Comissão Africana dos Direitos Humanos, disse estar preocupada que a possível reversão da lei contra a mutilação feminina abra a porta a outras medidas retrógradas na Gâmbia, como acabar com a proibição de casamentos infantis. “Temos de esperar que a sociedade civil fique totalmente galvanizada e defenda vigorosamente [a lei em vigor]”, disse a gambiana Janet Ramatoulie Sallah-Njie.
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