Por cnnportugal.iol.pt
EUA admitem que resposta chinesa à visita de Pelosi a Taiwan terá uma componente militar, de força e escala inéditas. Já começou a pressão de caças e navios chineses no Estreito de Taiwan. A ilha reforçou o nível de alerta de combate até quinta-feira
Ainda não há confirmação oficial, mas já não é segredo para ninguém que Nancy Pelosi irá mesmo a Taiwan - a polémica aterragem deverá acontecer já na noite desta terça-feira, com a líder da Câmara dos Representantes a pernoitar em Taipé, a capital da ilha autónoma, e com encontro marcado com a presidente, Tsai Ing-wen. Ou seja, para além de aterrar à revelia da China em território que Pequim considera seu, Pelosi irá encontrar-se com a presidente do território, que simboliza as aspirações independentistas de boa parte da população de Taiwan - duas “provocações” graves, do ponto de vista das autoridades chinesas.
O jornal Taiwan Liberty Times chegou ao ponto de indicar a hora a que o avião que transporta Pelosi e a sua delegação de seis congressistas deverá aterrar na ilha (22h20 desta terça-feira, menos sete horas em Portugal), e revela que a política norte-americana ficará alojada no Grand Hyatt Hotel, na capital. Depois de uma série de contactos oficiais, a delegação do Congresso deverá deixar Taiwan durante a tarde de quarta-feira.
Tudo indica que o crescendo de ameaças da China não conseguiu travar a viagem da terceira figura da hierarquia institucional dos Estados Unidos. Pelo contrário, é possível que o engrossar de voz de Pequim tenha tido o efeito oposto, obrigando Pelosi a concretizar mesmo a visita, sob pena de ser acusada de se ter vergado à pressão da China, que reivindica autoridade sobre a ilha, que tem autogoverno desde 1949.
Forças chinesas encostadas à linha que divide o Estreito de Taiwan
Na segunda-feira à noite (horário da China), assim que a CNN Internacional e outros meios de comunicação lançaram a notícia de que Pelosi iria mesmo fazer uma paragem em Taiwan, entre as deslocações a Singapura e à Malásia (seguem-se ainda a Coreia do Sul e o Japão), começaram as reações de representantes das autoridades chinesas. Em Nova Iorque, o representante de Pequim nas Nações Unidas, Zhang Jun, foi o primeiro a desfiar a cartilha do seu país sobre este caso: "Esta é uma visita provocadora, e se [Pelosi] insiste em fazê-la, então a China tomará medidas firmes e fortes para salvaguardar a nossa soberania nacional e integridade territorial", disse Jun. "Não permitimos que alguém cruze esta linha vermelha", prometeu o diplomata.
Demonstrando que as ameaças não são apenas retórica, aviões e navios de guerra chineses começaram ontem a operar muito perto da “linha mediana”, uma divisão não oficial que demarca o lado de Taiwan e o lado da China continental nas águas que separam os dois lados, o chamado Estreito de Taiwan.
Ao longo de décadas, esta linha serviu sempre como uma espécie de fronteira que delimita as águas e espaço aéreo “de Taiwan”, apesar de a ilha não ser formalmente reconhecida como país independente. Raramente as forças de um e outro lado cruzam essa linha - e sempre que a China o fez, foi como prova de força, para demonstrar que pode entrar em espaço que considera ser seu, pois alega ter autoridade aos Taiwan.
Segundo a agência Reuters, vários aviões de guerra chineses voaram perto da linha mediana nesta terça-feira de manhã (madrugada em Portugal). A fonte citada pela agência de notícias adiantou que vários navios de guerra chineses permaneceram perto da linha divisória não oficial desde segunda-feira, e que Taiwan enviou aviões para acompanhar a situação.
O Ministério da Defesa de Taiwan não respondeu de imediato a um pedido de comentários. A mesma fonte, não identificada, disse que tanto os navios de guerra chineses como os aviões "apertaram" a linha mediana na manhã de terça-feira, um movimento invulgar e considerado "muito provocador".
A Reuters escreve ainda que durante esta manhã a aeronave chinesa realizou repetidamente movimentos táticos de "tocar" brevemente a linha mediana e de voltar para o outro lado do estreito, enquanto os caças taiwaneses estavam em standby nas proximidades.
Entretanto, o Ministério da Defesa de Taiwan reforçou o seu nível de alerta de combate desde esta terça-feira de manhã até quinta-feira ao meio-dia, informou a agência noticiosa oficial da ilha.
“Se ela se atrever a ir, vamos ver”
O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Zhao Lijian, também deixou avisos sérios ontem, numa conferência de imprensa de rotina que acabou por se centrar na iminente viagem de Pelosi: "Se brincarmos com o fogo, seremos queimados. Creio que os EUA estão plenamente conscientes da mensagem forte e clara transmitida pela China", disse Zhao, parafraseando um aviso que já havia sido feito pelo presidente chinês, Xi Jinping, na última conversa que manteve com Joe Biden, na quinta-feira passada.
Se Pelosi visitar mesmo Taiwan, disse Zhao, "o Exército de Libertação Popular [nome oficial das Forças Armadas chinesas] não ficará de braços cruzados" e tomará "contramedidas resolutas e fortes" para proteger “a soberania e a integridade territorial da China”.
Que medidas serão essas? "Se ela se atrever a ir, vamos esperar para ver".
EUA preparados para mísseis e violação do espaço aéreo de Taiwan
As ameaças chinesas têm seguido um tom bastante mais firme do que costuma acontecer noutras visitas de representantes norte-americanos a Taiwan (só este ano, já houve várias, tanto de congressistas como de antigos governantes dos EUA, como foi o caso, no mês passado, de Mark Esper, secretário da Defesa na Administração Trump). Mas mantêm-se vagas, abrindo espaço a especulação sobre qual poderá ser, na prática, a resposta de Pequim a esta “provocação” de Pelosi.
Mas um dado parece certo: a retaliação chinesa terá uma componente militar, que poderá “romper as regras históricas” que marcaram outros momentos de tensão entre os dois países por causa da ilha rebelde.
Um passo nesse sentido já foi dado pelos chineses, que este fim de semana conduziram exercícios navais com fogo real a apenas 125 quilómetros da costa de Taiwan e a menos de 200 quilómetros da capital Taipé.
É expectável que sejam tomadas decisões do ponto de vista diplomático - como Pequim chamar de volta para consultas o seu embaixador em Washington, uma forma de protesto habitual - e também no plano económico - como sanções em relação aos EUA e a Taiwan, e também visando especificamente os membros da comitiva americana. Mas, desta vez, tudo indica que Pequim não se limitará a “business as usual”. Todas as declarações de aviso em relação aos EUA acabam por envolver o recurso à força militar - a questão é saber de que forma tal acontecerá.
Ontem, numa conferência de imprensa na Casa Branca em que praticamente confirmou a visita de Pelosi, desvalorizando o seu potencial impacto, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional adiantou, de certa forma, quais as ações militares que os EUA esperam do lado chinês.
John Kirby reconheceu que a China intensificou a sua retórica, mas também a demonstração de força em exercícios militares na região, e admitiu que a China poderá estar a posicionar-se para potencialmente dar mais passos "nos próximos dias e talvez em horizontes temporais mais longos".
Que passos? Kirby referiu a possibilidade de as forças chinesas dispararem mísseis no Estreito de Taiwan e à volta da ilha, mas também atravessarem a "linha mediana". Kirby admitiu também que a China poderá fazer "falsas alegações legais" de que o Estreito não é uma via navegável internacional, por alegadamente se tratar de águas territoriais chinesas (o que não é reconhecido pelo direito internacional).
"Algumas destas ações seriam de continuidade relativamente às tendências que temos visto nos últimos anos, mas algumas poderiam ser de âmbito e escala diferentes", admitiu o porta-voz da Casa Branca.
Apesar disso, Kirby prometeu que a Administração Biden não irá "morder o isco ou envolver-se numa luta de sabres" com Pequim. Mas também acrescentou que os EUA "não serão intimidados" e continuarão a operar militarmente nos mares e nos céus internacionais do Pacífico, incluindo o Estreito de Taiwan e o Mar do Sul da China.
Palavra de militar: “Totalmente preparados para qualquer eventualidade”
Ontem foi dia de festa para os militares chineses, com as celebração do 95º aniversário da fundação do Exército de Libertação Popular. Aproveitando a efeméride, o Comando do Teatro Oriental do ELP divulgou um vídeo com uma mensagem à medida dos dias de tensão que se vivem na região: "Estamos totalmente preparados para qualquer eventualidade. Lutem sob ordens, enterrem todos os intrusos, avancem em direção a uma operação conjunta bem sucedida!” Segundo o jornal em língua inglesa Global Times, ligado ao Partido Comunista Chinês, o vídeo tornou-se um dos tópicos mais comentados na Weibo, a versão chinesa da rede social Twitter. O hashtag sobre o tema teve 42,5 milhões de visualizações nas primeiras horas após a divulgação do vídeo.
Entretanto, na comunicação social chinesa, totalmente alinhada com o governo do país, acumulam-se textos de diversos analistas sobre as diversas possibilidades de uso de força por parte das Forças Armadas, caso Pelosi aterre mesmo em Taipé.
O jornal Global Times é uma espécie de vitrine dessas possibilidades, com académicos, militares e outros comentadores a discorrer sobre voos rasantes, exercícios militares intimidatórios ou, mesmo, o abate do avião que transporta Pelosi, como chegou a defender um colunista regular daquele diário. Hu Xijin, que na sua conta de Twitter se identifica com as letras GT (Global Times), escreveu na sexta-feira nesta rede social: "Se os caças americanos escoltam o avião de Pelosi para Taiwan, isso é uma invasão. O ELP tem o direito de expulsar à força o avião de Pelosi e os caças americanos, incluindo disparar tiros de aviso e fazer movimentos táticos de obstrução. Se forem ineficazes, então é abatê-los". O comentário tornou-se viral, mas foi apagado pelo Twitter, por violar as regras daquela plataforma.
“Cinco formas de impedir a visita de Pelosi”
Ontem, um antigo oficial da Armada chinesa, apresentado como “perito em assuntos navais”, escreveu um texto elencando as “cinco formas possíveis de o Exército de Libertação Popular poder impedir a visita de Pelosi a Taiwan”.
A saber:
- enviar aviões militares para acompanhar o avião de Pelosi toma, uma espécie de escolta forçada. “Por este meio, podemos dar aos EUA e à ilha de Taiwan uma dura lição de estratégia.”
- estabelecer uma zona de interdição de voo no Estreito de Taiwan, proibindo o avião de Pelosi de aterrar em Taiwan.
- o envio de aviões militares para voarem sobre Taiwan, o que pode abrir um novo modelo de operações militares contra as forças independentistas.
- lançar mísseis balísticos em torno do Estreito de Taiwan. “Trata-se de enviar um aviso de que a situação sobre o Estreito de Taiwan chegou à beira da guerra, e é na verdade para impedir o avião de Pelosi de chegar a Taiwan, declarando uma zona de não voo e de não navegação”.
- realização de exercícios militares em redor do Estreito de Taiwan.
Elencadas as cinco hipóteses, Wang Yunfei declara a sua preferência pela última. “Embora as quatro primeiras tenham as suas próprias forças, têm um defeito comum, ou seja, carecem de controlo flexível sobre a eliminação de crises” - ou seja, podem acabar por precipitar um confronto real, em vez de o prevenir. Qualquer destes atos poderia acabar por ser o rastilho de uma escalada descontrolada que levaria à guerra.
“Por meio de exercícios militares, podemos avançar e recuar livremente e tomar a iniciativa de lidar com as crises. No meio dos exercícios, qualquer dos outros quatro métodos pode ser utilizado com flexibilidade, e a intensidade do confronto pode ser ajustada à medida que a situação se desenvolve”, conclui o articulista do Global Times, mostrando-se seguro de que as autoridades chinesas e as suas chefias militares “devem estar em processo de planeamento e implantação cuidadosos. As contramedidas concebidas pelo alto comando devem ser muitas vezes mais rigorosas e abrangentes do que a imaginação popular. Estamos muito seguros a este respeito.”
Os tambores de guerra também ecoam no editorial desta manhã do Global Times, que configura quase um apelo ao confronto armado com os norte-americanos. “Não atacaremos a menos que sejamos atacados, mas se formos atacados, iremos certamente contra-atacar”, escreve o conselho editorial do jornal, considerando que a visita de Pelosi “provoca seriamente os interesses fundamentais da China”.
Entre muitos elogios à prontidão e à capacidade militar chinesa, o editorial alerta contra a tentação de relaxar à sombra de várias décadas de paz. “Para um grande país como a China, a consequência de ter uma mentalidade relaxada na construção da defesa nacional é impensável.” E, para essa luta, o texto apela ao investimento numa capacidade militar ainda maior do que aquela que Pequim já possui. “A China desenvolve o seu poder militar para defender a sua soberania nacional, segurança e interesses de desenvolvimento. Em comparação com as ameaças e desafios externos que enfrenta atualmente, a força militar da China ainda não é suficiente.
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