quarta-feira, 18 de setembro de 2024

"Explosão teve a intensidade de várias bombas nucleares táticas". Como a Ucrânia destruiu um dos maiores depósitos de munições russos que era suposto resistir a tudo

Explosão de depósito militar na Rússia
Por João Guerreiro Rodrigues  Cnnportugal.iol.pt
O impacto da explosão inicial foi tão forte que causou um abalo sísmico. A base russa guardava mais de 22 mil toneladas de armamento pronto a ser utilizado contra a Ucrânia

Era considerado um dos maiores e mais bem protegidos depósitos de armamento do exército russo, depois de uma renovação milionária em 2018. Mas o reforço das estruturas de betão dos paióis russos não foi suficiente para travar um intenso bombardeamento de drones ucranianos que atingiu a unidade 11777 em Toropets, na região de Tver, durante a madrugada de quarta-feira. A explosão inicial causou um enorme cogumelo de fumo e chamas que fez soar repetidamente os alarmes nos monitores sísmicos. Os especialistas admitem que o impacto desde ataque “é enorme” e as forças russas poderão sentir o seu impacto na linha da frente durante semanas.

“Esta base militar tinha algumas das maiores reservas de guerra russas. Entre mísseis Iskander, bombas planadoras KAB, munições de artilharia e armas anticarro de combate, estamos a falar de quantidades enormes de armamento. Isto tem um impacto enorme no curto prazo. Estas armas estavam prontas a ser utilizadas. Qualquer plano de as utilizar em operações de combate vai ter de ser alterado. Isto é um golpe muito significativo a favor da Ucrânia”, afirma o major-general Isidro de Morais Pereira.

Fonte do Serviço de Segurança Ucraniano (SBU) confirma à CNN a autoria do ataque com drones ao depósito de armamento a cerca de 380 quilómetros de Moscovo. A explosão que resultou do primeiro impacto foi de tal forma significativa que foi captada por monitores de sismos na região e levou à evacuação de uma localidade nas imediações da base.

Nas imagens partilhadas nas redes sociais, é possível ver uma explosão inicial de grandes dimensões, que formou uma nuvem em forma de cogumelo, semelhante às de uma explosão nuclear, seguido de uma onda de choque. Horas depois, continuavam as explosões. “Estas explosões não dão para combater com bombeiros. Ninguém se pode aproximar, senão arriscam-se a levar com estilhaços de mísseis”, explica Isidro de Morais Pereira.
A fontes da SBU afirma que estes armazéns do ministério da Defesa albergavam algumas das principais armas que o exército russo estava a utilizar na guerra na Ucrânia. A versão russa é bem diferente. O governador da província de Tver, Igor Rudenia, alega que “os sistemas de defesa aérea responderam” e abateram os drones, mas como os destroços caíram no chão, “e começaram um fogo”, ordenaram a evacuação parcial da área, na manhã desta quarta-feira, enquanto ainda decorriam várias explosões secundárias.

Mísseis Iskander e Tochka-U, bem como outros bombas aéreas e munições de artilharia de vários calibres, incluindo munições de fabrico norte-coreano estariam a ser guardadas nesta instalação. Estima-se que esta base militar a norte de Moscovo seja uma das maiores do país, com capacidade para guardar 22 mil toneladas de explosivos, um número idêntico ao maior depósito de munições da Europa, a base de Cobasna, na Transnístria. A dimensão das explosões foi registada inclusive pelo sistema de deteção de fogos da NASA, o FIRMS, que mostra que nenhuma parte da base escapou ao ataque.
“A confirmar-se a quantidade de explosivos que existia no local, podemos estar a falar de uma explosão com a intensidade de várias bombas nucleares tácticas”, refere o especialista em Defesa.

Em 2018, esta instalação militar originalmente construída pela União Soviética foi alvo de uma remodelação e expansão das suas capacidades, com a construção de 42 novos bunkers de betão reforçado, que se deviam juntar as 50 já existentes. Cada uma das novas estruturas teria capacidade para 240 toneladas de explosivos. O local de armazenamento cobria uma área de mais de cinco quilómetros quadrados, com cerca de 12 quilómetros de comprimento.

A responsabilidade da obra ficou a cargo do general Dmitry Bulgakov, vice-ministro da Defesa de Shoigu, que dois anos antes tinha recebido o título de “Herói da Federação Russa”. Numa entrevista durante a inauguração das novas instalações, Bulgakov disse que os novos depósitos, que tinham sido construídos com “os melhores padrões de qualidade”, permitiam o “armazenamento fiável e seguro” de explosivos, protegendo-os contra “ataques aéreos e de mísseis” e até contra “os efeitos nocivos de uma explosão nuclear”. O general, que era o responsável pelo apoio logístico das forças armadas russas até ao início da invasão da Ucrânia, altura em que foi afastado do cargo devido aos inúmeros problemas apresentados por Moscovo, foi detido em julho de 2024 por suspeições de corrupção.

“Se estes depósitos tivessem sido remodelados como foi anunciado, não tinham explodido. Geralmente, estes depósitos são feitos de betão e depois são tapados por uma camada de terra. A julgar pela forma como esta base está a explodir, não devemos descartar corrupção nesta obra, com o dinheiro a ir parar ao bolso de um grupo muito exclusivo de militares”, admite Isidro de Morais Pereira.

Imagens de satélite da empresa Maxar mostram o antes e o depois deste ataque.

As fontes ucranianas garantem que os ataques fazem parte de uma campanha “metódica” para reduzir significativamente o potencial dos mísseis russos, garantindo ainda que existem planos em marcha para conduzir novos ataques contra outras infraestruturas desta natureza. Nos últimos meses, a Ucrânia tem conduzido uma campanha de ataques contra vários alvos no interior do território russo, como refinarias, bases militares, aeródromos ou campos de treino.

O ataque tem também um efeito psicológico nos aliados da Ucrânia, onde as populações demonstram nas urnas estar cada vez mais reticentes com a continuidade do apoio à causa ucraniana. Nos últimos meses, Kiev tem-se esforçado diplomaticamente para fazer com que o presidente norte-americano levante as restrições da utilização de armas de longo alcance ocidentais em território russo, mas sem efeito. Os aliados têm questionado se tal medida teria um impacto real no campo de batalha. Este ataque pode servir para demonstrar que atacar alvos militares bem no interior do território russo pode mesmo fazer a diferença.

“Julgo que esse é um dos aspetos do plano de vitória que o presidente Zelensky vai apresentar a Joe Biden, no final de setembro. A Ucrânia quer destruir de forma sistemática paióis, concentrações de soldados, postos de comando e tudo o que esteja ao alcance dos drones e dos mísseis ucranianos. Esse é um dos pontos do plano da vitória”, considera o major-general.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelesnky, afirmou que vai apresentar pessoalmente a Joe Biden um plano para a vitória no final de setembro. O conteúdo deste plano tem sido mantido em segredo, mas Kiev já descartou a possibilidade de ceder território ou “congelar” o conflito.

Mas o impacto do ataque ucraniano à base de Toropets vai fazer-se sentir no imediato, particularmente no grupo norte do exército russo, que opera na região de Kursk e de Kharkiv. As unidades militares russas que operam nestas regiões contavam com o apoio logístico do armamento que existia nesta base e que explodiu durante esta quarta-feira.

Além da destruição de milhares de toneladas de armamento, é necessário ter em conta que este ataque vai deixar uma parte significativa das instalações inoperacionais, obrigando as forças armadas russas a encontrar outras localizações, mais dispersas e menos preparadas, para armazenar equipamento militar de ponta.

“Sem exagero, este é um feito muito significativo. É provável que estejamos a falar da perda de milhares de toneladas de materiais explosivos, munições e foguetes. Em eventos desta magnitude, a substituição não pode ser feita de forma rápida”, diz um ex-oficial ucraniano que trabalha como analista de Defesa da Frontelligence Insight.

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