quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

EDITORIAL: Presidente da Guiné-Bissau em "modo silêncio"

Fonte: Braima Darame

O Presidente da República perdeu a voz, o ouvido e a visão? Deixou o país à deriva ou está à espera que o pior aconteça? Questiona-se em Bissau.

Horas depois de ter nomeado Artur Silva, o seu sexto primeiro-ministro, em quase três anos, já se previa que as dificuldades na formação de um governo de Unidade Nacional seriam enormes e que, também, o bloqueio no parlamento iria continuar. Esperava-se, logo após a publicação do Decreto de nomeação, a dissolução do Parlamento e, por conseguinte, a convocação de eleições legislativas, o que não aconteceu.

É que José Mário Vaz sempre disse aos jornalistas que, enquanto for Presidente da Guiné-Bissau, nunca irá dissolver a Assembleia Nacional Popular, apesar desta já não funcionar há dois anos!

Mais de 30 dias após a queda de Umaro Sissoco Embaló, a discussão política continua a ser a mesma: nomear um primeiro-ministro de consenso, ou o cumprimento do Acordo de Conacri.
Mas, pela primeira vez desde o início da crise, as partes desavindas foram unânimes em recusar participar no governo de Artur Silva, que fez todas as diligências possíveis para a resolver.
Apesar de reconhecerem a sua capacidade técnica e experiência política para liderar um governo, reprovam a forma como foi nomeado pelo Presidente, dizem, fora do quadro Constitucional. Sustentam ainda que a sua nomeação nada tem a ver com o Acordo de Conacri. Ou seja uma nomeação fora dos três nomes que foram indicados pelo Presidente, José Mário Vaz, no âmbito das discussões que resultaram no Acordo.

Agora, Artur Silva está de mãos atadas à espera da decisão do Chefe de Estado. Aliás, há mais de um mês que a nação inteira aguarda que o Presidente se pronuncie face aos novos desenvolvimentos políticos. Não importa ter o governo? O país está muito bem?

José Mário Vaz remeteu-se a um silêncio absoluto. Nem um comunicado sobre quando fará um discurso à nação. Mesmo quando a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) sancionou 19 personalidades, os seus maiores aliados políticos, incluindo o filho, e quando os analistas entendem que a influência do Chefe de Estado não funcionou perante os seus pares para defender todos aqueles que o apoiaram durante a crise, José Mário Vaz não diz absolutamente nada.

Nos últimos tempos, enquanto símbolo da Unidade Nacional e garante da Constituição, viu que o discurso político subiu de tom, com ameaças de recurso à violência, inclusive. Uns foram ainda mais longe. Falou-se em guerra civil ou golpe de Estado devido ao aprofundamento da crise, ambas situações perigosas que podem pôr em perigo a estabilidade e a paz social na Guiné-Bissau.

Ainda assim, o chefe do Estado continua à margem, sem dar sinal de vida. Foi a Portugal em visita privada que, ao princípio seria de 48 horas, mas que acabou por durar oito dias. Sem nenhuma comunicação oficial.

O Presidente perdeu o poder de decisão, não sabe o que fazer ou está encurralado? Dizia o saudoso Mário Soares: a regra de ouro nas democracias é, em caso de dúvida — ou de bloqueamento —, restituir a palavra ao Povo soberano, que é, como se diz, « quem mais ordena ». Porque, como ensinou Alexis de Tocqueville, se é indiscutível que os deputados são os legítimos representantes do Povo soberano, não é menos verdade que eles não são, nem podem considerar-se, os representantes soberanos do Povo…

As evidências mostram que com a nova dinâmica política, José Mário Vaz está em rota de colisão com os seus aliados de sempre: o PRS e os 15, desde que forjou a demissão de Umaro Sissoco Embaló, segundo fontes próximas do partido da Renovação Social.

Várias fontes confidenciam que não caiu bem a esses aliados o facto de José Mário Vaz ter aceite a demissão de Umaro Sissoco, devido a profundas divergências com os ministros do Interior e das Finanças. Ou seja, ao aceitar demitir Sissoco, no entender dos 15 e do PRS, José Mário Vaz acabou por escolher os dois em detrimento do grupo que o acompanhou. Por isso, aproximou-se do novo aliado, Vítor Mandinga, assim como de Fernando Vaz e Hélder Vaz. Foi então buscar Artur Silva que se preparava para concorrer a liderança do PAIGC, para o cargo do primeiro-ministro.

Para observadores atentos da política nacional é difícil descortinar o que é que o Presidente fará no meio de toda essa confusão, sobretudo perante as traições e novas alianças que se desenham. Receia-se que o nosso debate político esteja a sofrer uma radicalização desnecessária e indesejável. E que essa radicalização assente, pelo menos em parte, em asserções emotivas que não estão a ser tranquilamente confrontadas com a experiência acumulada ao longo dos anos da nossa democracia.

A crise agrava a situação diária do cidadão comum. A carência de quase tudo aumenta. A população está completamente dividida devido às divergências políticas. O tecido social, a coesão nacional, o amor ao próximo e o respeito pelas diferenças de opiniões, estão ameaçados. Insultos em tom de violência até entre irmãos, maridos e esposas, mães e filhos, vizinhos, amigos tomam conta das discussões políticas. E, os políticos continuam a viver uma vida à margem, como se estivessem numa ilha num final de semana a curtir férias.

Qual crise política?

É só um problema do partido, ao qual foi preciso usar a máquina do Estado e ativar a comunidade internacional para a resolução. Afinal, o PAIGC interessa mais que o bem-estar do povo. Os problemas dos militantes do partido são mais urgentes que de um povo sem serviços básicos.

Braima Darame
21.02.2018

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