Por dw.com
Líder do PAIGC questiona negociações entre o Governo da Guiné-Bissau e o Fundo Monetário Internacional, com o Parlamento dissolvido e sem um Orçamento de Estado. Para Simões Pereira, Governo já não tem mandato.
Em entrevista exclusiva à DW África, em Portugal, onde está há cerca de dois meses, Domingos Simões Pereira lança fortes críticas ao Executivo de Umaro Sissoco Embaló, quem diz ser o principal responsável pela atual situação de anarquia no país.
O líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), principal partido da oposição na Guiné-Bissau, põe também em causa o adiamento das eleições legislativas, antes previstas para 18 de dezembro deste ano, pelo facto de se ter ultrapassado todos os prazos estabelecidos por lei.
Para ele, o pleito precisa acontecer "o mais rapidamente possível".
DW África: Como olha para o atual cenário político na Guiné-Bissau com o adiamento das eleições legislativas que deviam ter lugar no dia 18 de dezembro este ano?
Domingos Simões Pereira (DSP): Já não fazia sentido a dissolução do Parlamento. Na altura, nós chamamos a atenção que, ao tomar a decisão de dissolver o Parlamento, convinha que se tivesse acautelado a existência de todas as condições para o efeito.
Tendo dissolvido o Parlamento, o Presidente [da República] tinha 90 dias para convocar eleições. Não o fez. Portanto, já havia uma primeira violação da Constituição. Fixou [as eleições] para dezembro, o que era quase o dobro do prazo estabelecido pela Constituição e agora o Governo vem dizer que não tem condições nem para cumprir esse prazo de dezembro. O que significa que temos um Governo que já era ilegal à partida, porque não é um Governo resultante do resultado das eleições, mas que agora vai governar sem ter mandato para o efeito.
E para ainda agravar mais esse quadro, eu ouvi dizer que estão num processo de negociação com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Como é que se negoceia com o FMI quando não tem Parlamento, não tem Orçamento, não tem programa de governação? Portanto, é tudo isto.
DW África: As imposições da missão do FMI a Bissau não vão levar à alteração deste cenário?
DSP: O FMI funciona muitas vezes como um sinaleiro, aquele que diz que as coisas estão bem ou estão mal. Claramente, já não é uma questão de advertência. Já é uma questão de constatação de que não há qualquer tipo de preocupação em dar atenção àquilo que deviam ser as prioridades.
DW África: Mas o FMI devia ser mais contundente ou mais coerente?
DSP: Não é isso. Eu respeito a importância destas instituições internacionais, nomeadamente o Banco Mundial e o FMI. Mas, muitas vezes, o papel que lhes é reservado nos nossos países acaba por ser negativo. Porque, no fundo, aquilo que devia ser o papel da sociedade civil e das nossas instituições nacionais no controlo da governação, na exigência da prestação de contas, nós acabamos delegando essa competência ao FMI.
DW África: Falou do atual ambiente político. O país convive com greves em setores importantes como a saúde e a educação. Como é que reage a estas greves?
DSP: A questão é que isso se tornou normalidade. Obviamente que será sempre algo muito grave, porque vamos ter alunos sem escola, vamos ter muita gente provavelmente que vai voltar a padecer porque não é atendida nos hospitais, mas isso passa ao lado da atual governação. Isso não é prioridade. Porque se morrerem mais dez ou vinte pessoas por falta de atendimento, isso não aquece nem arrefece quem está a governar o país neste momento.
DW África: Esta recente deslocação do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, à Russia e à Ucrânia traz algum benefício para a Guiné-Bissau, em particular, e para África em geral? Como é que avalia esta missão, sob o chapéu da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO)?
DSP: Quem é que sabe? Eu não sei se alguém sabe quando é que é feito no âmbito da CEDEAO e quando não é feito no âmbito da CEDEAO.
DW África: Mas que avaliação é que faz desta viagem recente do Presidente à Rússia e Ucrânia?
DSP: Vamos lá ver, é ridículo. Quer dizer, estamos aqui a admitir que os outros 191 países não podiam ter a iniciativa de ir à Rússia e à Ucrânia? A questão é que estamos a falar de uma guerra e esse quadro de guerra tem de ser levado a sério. Portanto, tu não podes fingir que estás a promover o diálogo.
Como é que nós guineenses devemos nos sentir quando o Presidente da República vai à Rússia, sai da Rússia anunciando em crioulo que tinha recebido um pedido do Presidente da Rússia para falar com o Presidente da Ucrânia e logo a seguir o Kremlin vem desmentir isso dizendo que não houve qualquer abordagem desse tema e não houve nenhuma delegação de competências? Estas coisas têm que ser levadas a sério. Estamos a falar de um Estado.
DW África: E como é que observa as medidas de combate à corrupção? É uma realidade que também preocupa o seu partido?
DSP: Tem que preocupar. Se nós estamos a desviar aquilo que já não chega para o que é essencial, temos que estar preocupados. O problema é que o combate à corrupção não é uma questão de proclamação como nós gostamos de fazer. Se eu estou a gastar muito mais do que aquilo que eu tenho, está a sair de algum lado. Eu não posso depois estar a dizer a outras pessoas que eu vou combater a corrupção.
DW África: O seu partido será contundente no combate à corrupção?
DSP: O PAIGC foi e será contundente em relação à corrupção. Quando nós começarmos a pagar os salários a tempo e horas, quando nós começarmos a pôr as instituições a funcionar, quando nós começarmos a cobrir as necessidades, por exemplo, da assistência social, começamos a ter o direito moral de exigir às pessoas o cumprimento daquilo que eram as suas obrigações. Eu penso que é assim que se combate a corrupção.
DW África: Tem-se vindo a registar um aumento de indícios de tráfico de droga na Guiné-Bissau, com origem na América Latina, tendo Portugal como uma das principais portas de entrada para a Europa. Faltam meios ou medidas mais duras para combater este flagelo?
DSP: Vou continuar sempre a insistir que o guineense não é narcotraficante. O guineense não é consumidor de droga. E, portanto, quando este fenómeno ganha recrudescência é, sobretudo, porque há um círculo que se aproveita disso e ganha a sua vida com isso. A solução continua a ser a mesma: Pôr as instituições a funcionar. Por exemplo, agora temos um número impressionante de voos não comerciais. É um número incomensurável de gente que entra e sai do país sem qualquer tipo de controlo. Portanto, não havendo controlo, quem é responsável por essa recrudescência do narcotráfico são aquelas pessoas que autorizam e que utilizam voos não comerciais. É muito simples.
DW África: Voltando à minha primeira questão: qual a melhor altura para a realização das eleições legislativas?
DSP: O Parlamento foi dissolvido em maio e, portanto, em setembro devíamos ter eleições. A partir dessa altura entramos em incumprimento. E, portanto, respondendo à questão. Qual a melhor altura para realizar eleições? A partir do momento em que nos encontramos, o mais rapidamente possível.