[ENTREVISTA] O empresário de futebol que se auto-suspendeu das suas funções de director executivo da selecção nacional, Catio Baldé, disse que o “futebol guineense é viável e tem futuro, mas não com estes dirigentes sem competência”! Acrescentou neste particular que “estes senhores que temos como dirigentes de futebol da Guiné-Bissau não têm as competências para acompanhar esta grande geração de jogadores guineenses que vem nos próximos tempos e que são jogadores que vivem grande parte das suas vidas na Europa, sobretudo num ambiente profissional, altamente organizado e com muita exigência”.
Baldé concedeu a entrevista ao semanário “O Democrata” para abordar a sua experiência profissional de mais de 30 anos no mundo de futebol e que lhe valeu um convite especial para organizar a selecção nacional no momento da sua participação nos jogos da Confederação Africana das Nação no Gabão. Diz ter cumprido a sua missão de organizar e estruturar, bem como criar um ambiente de disciplina a nível do grupo.
Contudo, explicou que, a suspensão temporária das suas funções na selecção nacional tem a ver com a interferência de algumas pessoas no seu trabalho, facto registado no período da preparação de jogos treino organizados em França. Ele não admitiu a interferência, razão pela qual não participou. Revelou que atualmente, a semelhança daquilo que se regista um pouco por todo o mundo, a aposta dos empresários de futebol é nas camadas de formação. Por isso os empresários transformaram-se em caçadores de talentos menores e que podem afirmar-se nas escolas dos clubes Europeus.
O Democrata (OD): Pode falar-nos de uma forma sintética da sua vida enquanto empresário de futebol?
Não descanso nem fico parado, porque esta é a minha paixão, a minha vida! Hoje, tenho uma dimensão, uma progressão no meio do futebol não só a nível nacional, mas também a nível internacional, em particular em Portugal e na Europa em geral. Há muitos jogadores educados por mim e que hoje atingiram um certo patamar no futebol. Isso deixa-me feliz porque projeta-me no mundo de futebol ao mais alto nível, sobretudo a nível dos grandes clubes da Europa.
Neste aspeto e com toda humildade, sinto hoje realmente que sou uma figura conhecida internacionalmente através do meu trabalho. Graças aos produtos da casa (guineense), fala-se de Catio Baldé pelo mundo fora, em particular no âmbito do futebol que domina o desporto. Mesmo com algumas dificuldades, estou num trabalho que está fazer o seu caminho próprio. Hoje estou mais maduro e continuo a trabalhar muito duro no terreno a procura de novos talentos.
OD: Depois de 30 anos nesta atividade de ‘caça talentos’, quais são os momentos bons ou mais perturbadores vividos nesta actividade profissional?
CB: Tive momentos bons e fantásticos na minha atividade profissional. A minha maior alegria é ver as pessoas sentarem-se a frente dos televisores a ver alguns dos frutos do meu trabalho. Quando as pessoas estão a ver um Bruma, Edgar Ié, Ruben Semedo e outros grandes jogadores que conseguiram atingir um certo nível. Acredita que nenhum dinheiro consegue pagar a alegria que sinto dentro mim com essas realizações, que são resultado do meu trabalho.
Esta é uma das maiores felicidades minhas. É como ver em todas as épocas o Bruma a jogar jogos de Liga dos Campeões, o Edgar Ié a jogar o campeonato francês e jogos de mais alto nível, como também o Moreto. Sinceramente, fico feliz sabendo que contribui e muito na educação e na orientação daquela pessoa que hoje atingiu uma projeção internacional.
Os momentos tristes que vivo é falar de grandes jogadores guineenses que chegaram a Europa e eram vistos como jogadores que atingiriam um nível de progressão muito alto, mas que infelizmente não conseguiram e voltaram para trás! Sinto-me triste com esta situação e confesso isso doi-me e muito! Sinto-me triste ver muitos bons jogadores com talento, mas que não conseguiram progredir na Europa devido a algumas situações que não quero revelar aqui…
Há muitos jogadores que passaram “pela minha mão” e que eram tidos pelos técnicos que seriam grandes jogadores na Europa, mas não conseguiram erguer-se e chegar o mais alto! Porque é que um Santos não conseguiu atingir um patamar muito alto? Porque é que um Sana não conseguiu chegar num nível futebolístico mais alto? Porque é que um Zezinho ou um Amido que conseguiu chegar ao alto nível, mas rapidamente teve uma queda brutal? Porque é que um Tomás Dabó ou um Piquete Djassi não conseguiram atingir uma progressão!?
OD: Que explicação de concreto tem sobre o insucesso destes jogadores bem como de outros que sairam do país com muita euforia?
CB: Não há nenhuma explicação concreta ou exata! Para falar disso, serei obrigado a entrar em questões mais íntimas sobre a vida dos próprios jogadores. Infelizmente existem certos assuntos sobre os quais não podemos falar publicamente. Eu, quando falo desses assuntos, limito-me a referir apenas os aspetos técnicos, porque são pessoas que eu vi crescer como jogadores nos grandes clubes onde estavam. Mas o que aconteceu depois, sinceramente não sei explicar…
Temos jovens que mereciam estar lá em cima. Estou a falar do Santos, Sana, Zezinho e Rudinilson. São jogadores mais fabulosos que eu vi na minha vida! Tenho ainda um jogador muito novo, que é o Morreto Cassamá, que considero um dos maiores de todos os talentos que algum dia tive…
OD: Qual o segredo que está na base dos sucessos de Bruma e Edgar Ié?
CB: Trabalho e muita dedicação, como também não permitiram que nada lhes perturbasse nas suas caminhadas até este momento. A ambição do Bruma é uma coisa incomparável a qualquer outra coisa neste momento. Ele desafiava as pessoas próximas dele que ia atingir o nível mais alto e conseguiu graças a Deus. Lembro-me que Bruma tinha sido diagnosticado com um tumor que poderia retirá-lo do mundo de futebol, mas dedicou-se muito ao trabalho e aos cuidados médicos todos os dias para realizar a sua atividade.
Ainda sobre o insucesso de alguns dos jogadores acima referidos, posso dizer apenas que foi falta de sorte. Mais nada! Também tudo tem a ver com muitas coisas marginais que levaram muitos jogadores a não atingir certo desempenho que poderia mante-los nas posições onde se encontram apenas os melhores. Toni Brito Sá é um jogador talentoso que marcou o seu nome no jogo frente ao Moçambique. Ele tem talento e podia chegar muito mais longe e jogar em grandes clubes da Europa.
OD: É verdade que se falou muito do caso da transferência de Bruma de Sporting Clube de Portugal para a equipa de Galatasaray da Turquia. Podia recordar-nos os momentos difíceis vividos desta transferência, que também contribuiu para elevar o seu nome como empresário para mais alto nível…
CB: Foi um momento extremamente difícil!… Tinha na altura experiências nos processos internacionais, mas o caso de Bruma ganhou certa dimensão porque eu já tinha entrado em conflito com o Sporting. O negócio de futebol é assim e compreende-se, porque na altura o Sporting tinha uma visão e fazia a defesa de um interesse e, eu fazia a minha defesa… foi muito duro, mas não nos arrependemos da nossa posição porque a razão estava do nosso lado.
É verdade que perdemos o caso na justiça. Perdemos o processo de rescisão do contrato que pedimos na justiça, mas conseguimos um consenso para a venda do jogador. A equipa leonina defendia um ativo, visto que achava que cem por cento do passe do Bruma é dela. Nós tínhamos uma ideia contrária e foi isso que nos levou naquela disputa enorme.
Bruma é um menino forte e dificilmente fica perturbado por qualquer tipo de crise. Emocionalmente está muito equilibrado, mas também tem um acompanhamento que não lhe permite sofrer queda psicológica por coisinha de nada.
OD: Em relação ao processo de Umaro Embaló (Di Maria). O que falhou de concreto? Estava a dar tudo certo na transferência de Umaro por uma soma estimada em cerca de 13 biliões de Francos CFA, o que lhe tornaria no futebolista luso-guineense mais caro até aqui na história de futebol. Mister, Umaro já não vai para RasenBallsport Leipzig da Alemanha?
CB: É verdade que mais uma vez se especulou muita coisa a volta deste caso e como sempre, sou o “saco de lixo” onde se deita tudo. Na altura isso foi badalado nos órgãos de comunicação social e dizia-se que o negócio não tinha sido concretizado porque Catio Baldé exigia muito dinheiro aos alemãos.
OD: Exigiu algum dinheiro como acréscimo para além de valor acordado para a transferência?
CB: Não, isso não corresponde à verdade! Conduzi o processo entre a equipa alemã e o Sport Lisboa e Benfica, até que conseguimos estabelecer o passe no valor de 15 milhões de Euros e mais 5 milhões de bónus. Quando chegamos na parte contratual do jogador, incluindo toda a parte dos meus direitos económicos como responsável, o que o Benfica não queria assegurar, então as coisas complicaram-se.
Há uma coisa que jogou contra Umaro Embaló que pouca agente sabe! Ele seria vendido com 16 anos de idade e, como se sabe, hoje há muitas dificuldades nos negócios dos jogadores menores de idade. O processo do Umaro foi um negócio amplamente difundido por toda a parte do mundo. Então, a Federação da Associação Internacional de Futebol (FIFA), através da sua comissão de menores, vigiou o negócio, a fim de saber se todo o processo estava em conformidade com as normais legais sobre a transferência de jogadores menores de idade.
A FIFA vigia os processos para saber se o jogador vai continuar a estudar e se os seus pais concordam, ou seja, que não vai ser transferido apenas para ganhar dinheiro. Felizmente todos esses procedimentos foram cumpridos e a FIFA concordou com o negócio. E como se sabe, a FIFA, no processo que envolve a transferência de menores, não admite que haja nenhuma transação financeira entre o empresário com o clube comprador.
A FIFA não aceita a ideia que o menino foi vendido! Eu considero isso de contraditório porque o Benfica recebia o dinheiro da transferência, ma a FIFA diz que é o direito da formação que vai receber. Mas também a minha Academia recebia uma comissão sobre o direito de formação. Por causa desta regra da FIFA, o clube alemão entende que podia pagar a “Academia Demba Sanó” de Catio Baldé, qualquer dinheiro resultado daquele negócio e como o seu direito de formação e que seria apenas a partir de 2019, quando Umaro Embaló completasse os 18 anos.
Para isso tínhamos que elaborar algum documento onde o clube assumiria a responsabilidade de pagar depois, mas o clube recusou porque a FIFA não permitiria a existência de nenhum documento sobre o dinheiro que pagaria à Academia. O clube alemão não quer correr o risco de ser penalizado pela FIFA que é muito rígida nessa matéria. Também eu não queria correr o risco de fechar o negócio sem nenhum documento, porque estamos a falar de milhões de Euros.
E foi ali que decidimos fechar o negócio e esperar até que o jogador complete os 18 anos de idade. Aliás, é bom lembrar que no mesmo ano, saí de uns problemas enormes sobre o processo da transferência de Ruben Semedo para Villareal de Espanha. Nesta transferência tive prejuízos financeiros enormes, como também uma série de problemas na transferência de Edgar Ié com a federação francesa, porque eu não me inscrevi naquela federação.
Por isso os gestores chamaram-me atenção para repensar muito bem o negócio de Umaro Embaló e que o melhor era deixar até que o jogador completasse os 18 anos. Foi a razão que nos levou a suspender o negócio, mas não pedi mais do que o meu direito que está salvaguardado no negócio com Benfica, que corresponde dez (10) por cento do direito económico e mais a comissão a que tenho direito.
OD: Dez por cento corresponde a quanto em concreto, sobre o valor total acordado?
CB: Naquele negócio de 20 milhões de Euros, dez por cento de direitos económicos a que tinha direito correspondem a dois milhões de Euros que o Sport Lisboa Benfica tinha que pagar a “Academia Demba Sanó”.
OD: A equipa alemã mantém interesse no Umaro Embaló?
CB: Leipzig da Alemanha ainda conta com Umaro Embaló. Assim que ele completar 18 anos, vai retomar o processo para fechar o negócio.
OD: Representa quantos jogadores como empresário, em particular os guineenses?
CB: Tenho dificuldade de responder a pergunta desta forma, porque na verdade tenho vários jogadores que se encontram na fase de formação. Eu considero os jogadores como profissionais prontos. Os que estão na fase de maioridade e os que jogam em campeonatos considerados profissionais.
Hoje trabalha-se com jogadores tidos rentáveis e que possuem capacidade técnica de tornar-se num jogador de futebol de alta competição. E, acima de tudo, jogadores capazes de cumprir as regras estabelecidas e inclusive até em termos de relacionamento com o empresário. Estou interessado hoje em ter, na minha carteira, jogadores que sei que têm futuro e que a curto espaço de tempo podem atingir um alto nível de competição.
No passado tive um grande número de jogadores e a maioria jovens da Guiné. Praticamente levei para Europa mais de 90 por cento de jogadores guineenses que estão ali. Hoje na verdade, não temos aquele vínculo de empresário e jogador, mas continuo a ter aquela relação de trabalho normal com eles. Se houver interesse de um determinado clube, ajudo a estabelecer pontes. Também eles recorrem aos meus serviços para ajudá-los a conseguirem um clube.
Atualmente trabalho com um grupo de dez jogadores que estão muito bem e com eles tenho a certeza que qualquer dia podem ser ouvidos e vistos em grandes clubes. Estou a falar de Mimito que joga no Vitória de Guimarense, Morreto Cassamá (FC Porto), Idrissa Sambú que é jogador de Spartak de Moscovo (Rússia) e que foi emprestado a um clube de Bélgica. Para além de Bruma (Leipzig) e Edgar Ié (Lille – França) que são os mais conhecidos, Umaro Embaló de Benfica (Portugal) e Samir que está na equipa revelação da Académica (Portugal).
E mais jogadores estão na fase de formação e que também prometem tornar-se em grandes profissionais.
OD: Mudou de estratégia de trabalho. Agora aposta mais nas camadas de formações, em detrimento de jogadores adultos (seniores). O futuro está mais com os mais pequenos da camada de formação?
CB: O que estou a procurar cada vez como empresário é ter, na minha carteira, jogadores com grandes promessas na Europa. Aliás, depois de o Bruma ter atingido o nível e seguido com os trabalhos conseguidos através de Morreto, Idrissa e hoje caso de Umaro Embaló (Di Maria), obrigatoriamente sou obrigado a trabalhar mais para manter-me nesse nível.
Considero-me hoje como melhor empresário porque trabalho de uma forma muito melhor, em comparação com os anos anteriores. Antigamente, levávamos jogadores sem passar por nenhum critério da seleção, ou seja, sem fazer uma triagem profunda… levamos muitos jogadores considerados talentos na Guiné, mas chegaram a Europa e não conseguiram dar nenhum passo!
Hoje interessa-me mais a qualidade em particular nas camadas mais jovens. Imagina tirar daqui um jogador de 18 ou 20 anos para ir afirmar-se no campeonato Europeu. Seria preciso ter muita certeza que tem um talento acima da média. Nos tempos passados e até aos anos 80, levava-se jogadores de idade maior e que chegavam e jogavam nas equipas da primeira divisão.
Hoje não se pode fazer a mesma coisa, porque atualmente o futebol é escola. Sem qualidade adquirida na escola é difícil afirmar-se nos clubes europeus. O futebol está dividido e hoje há o grupo A, o B e o C. O Grupo A é Champion, portanto é preciso ter muita qualidade para jogar no Champion Ligue. Na Liga Europa ou no nível de equipa de Braga, os que não têm o nível A podem chegar ao B. Os jogadores que tiveram uma formação rigorosa e muito bem preparada podem jogar nestas ligas.
Deram-me muitos jovens de 18 anos ou mais que alegam ser grandes talentos, mas não conseguem nem sequer sair da terceira ou segunda divisão B. Porque é que Umaro Embaló, em dois anos da sua estadia em Portugal, explodiu e fala-se dele a nível dos clubes grandes? Ele foi à Europa com a idade de 13 a 14 anos e com talento puro e que foi trabalhado. Agora um jovem com 20 anos, para sair de Africa e ir jogar na Europa, sinceramente é difícil conseguir erguer-se!
E por isso a nossa aposta atualmente é na formação. Portanto, se constatarmos um talento, fazemos questão de trabalhá-lo rapidamente para levá-lo à Europa onde vai crescer e amadurecer-se a fim de melhorar os aspectos técnicos. Agora uma pessoa que cresceu na África até 20 anos para ir jogar diretamente no campeonato da primeira divisão na Europa, é difícil conseguir adaptar-se. Infelizmente a África e a América Latina são vítimas de uma “lei patética” da FIFA, por causa de toda essa burocracia criada a volta daquilo que chamam do tráfico de menor.
Uma pessoa menor de 12 anos que saiu da África ou da América Latina não pode ser inscrita para jogar enquanto não atingir 18 anos. Ou seja, enquanto for menor, a FIFA não admite a sua transferência. O jogador tem que apresentar uma prova que está na Europa com os pais que trabalham ali para depois ser autorizado a jogar. Felizmente a nossa ligação cultural e histórica com Portugal ajuda-nos muito neste aspeto, porque a maioria das crianças têm um membro da família na Europa e alguns pais até têm a nacionalidade portuguesa.
Alguns meninos que levamos têm os seus pais em Portugal que passamos a contactar para o efeito de documentação, mas também temos um grosso número dos meninos vítimas desta lei da FIFA que têm talento e que conseguirão jogar, assim que atingirem os 18 anos de idade. Essa lei de fato é penalizadora para África e a América. Eu já a critiquei várias vezes nos diferentes órgãos de comunicação social. Fomos obrigados a termos cuidados neste trabalho, por causa das suspeitas do tráfico de menor. Fui investigado diversas vezes e certamente acompanharam o assunto nas medias, mas apresento sempre as provas em como os meninos têm documentos e que são autorizados pelos seus pais. Alguns deles têm os pais a viverem em Portugal.
OD: Essa é a razão que o levou a investir na criação de uma Academia de Formação na Guiné?
CB: Sim, porque este negócio exige inteligência! Percebi hoje o que os grandes clubes da Europa querem. Eles querem jogadores de qualidade e preparados para integrar rapidamente nos seus ritmos. Nós temos diamantes brutos na Guiné e com qualidade acima da média! Temos meninos que até hoje jogam de pés descalços! Crianças que jogam entre pedras e buracos, onde conseguem moldar os seus talentos, sem passar pelas escolas da Academia.
Aliás, as academias que existem aqui não reunem condições em termos de formações dos técnicos. E percebendo isso e acima de tudo que o futebol é negócio, tendo a possibilidade financeira, porque não investir numa estrutura de excelência para desenvolver as minhas actividades? Esta é a minha aposta porque acredito no talento dos guineenses que amanhã podem dar um bom fruto, se forem preparados bem técnica e psicologicamente.
OD: Para quando estará pronta a Academia Demba Sanó?
CB: Como se sabe, houve várias alterações no projeto. Inicialmente as estruturas estavam projetadas apenas na academia desportiva e sem pensar nos aspectos de negócios. Agora somos obrigados a alterar o projeto para a academia negócio, porque a estrutura precisa ser alimentada. Para isso necessita-se de criar mais valências à sua volta. Por isso passamos a contar com ginásio com portas abertas ao público e piscinas abertas ao público.
Contamos também com a construção de uma clínica dentária e outra de recuperação física e restaurantes. Portanto, tudo isto levou-nos a fazer daquele espaço um sítio de formação desportiva, ao mesmo tempo de negócios. Essa é a razão do atraso dos trabalhos. Também a questão da chuva que dificulta os trabalhos neste período. E queira Deus, retomaremos as obras neste mês (outubro) para terminá-los e abrir as portas da Academia Demba Sanó.
OD: Pode explicar-nos de forma sintética a sua experiência do curto período na selecção nacional, onde desempenhou a função do Director Executivo?
CB: Fui convidado para fazer parte da equipa da selecção nacional. Ocupei-me de um trabalho específico. Acho que fiz o meu trabalho competentemente e inclusive existem pessoas que podem testemunhar isso, porque tinha a ver com a organização, a disciplina ou melhor, a criação de um ambiente diferente para o bom desenrolar dos trabalhos, porque competições daquela dimensão tinham que ter outro tipo de organização.
Dentro das minhas possibilidades, acho que fiz um trabalho extraordinário porque consegui criar, na altura, à volta da selecção nacional, uma organização coesa, ou seja, uma selecção fechada e acima de tudo disciplinada. Todo o ambiente criado teve o seu reflexo na competitividade dos jogadores durante as partidas disputadas naquele torneio. Tivemos uma representação digna e com muita personalidade. Os jogadores demostraram muita responsabilidade e disciplina, algo que até la não era habitual.
Foi por isso que me convidaram a juntar-me à equipa nacional a fim de ajudar na organização interna, de forma a evitar quaisquer tipos de rebeldia ou grupinhos de problemas. Acho que, com a colaboração dos jogadores, conseguimos criar um ambiente extraordinário que nos permitiu um resultado brilhante naquela que foi a nossa primeira participação na Taça de Confederação Africana das Nações (CAN). Foi uma experiência fantástica e senti pela primeira vez que fiz um algo valioso para o meu país.
Não fui à tropa para cumprir o serviço obrigatório de servir a pátria, mas a minha participação na equipa nacional para o CAN… confesso que senti que prestei um enorme serviço ao meu país. Ouvir o hino nacional antes do início de cada jogo é algo que nos marca a todos, é uma experiência extraordinária que vivemos!
OD: Falou-se da criação de um ambiente de disciplina a nível de balneário com os jogadores. Como explica a situação do antigo capitão Bocundji Cá, que criou muitas especulações?
CB: O caso Bocundji Cá não teve outras reprocursões que poderiam minar todo esforço para a qualificação por causa do ambiente da organização e disciplina que criamos. Isso permitiu-nos abafar o assunto internamente e não deixar que consiga criar fissuras entre os jogadores. Estávamos a lidar com uma situação de descontentamento de um atleta que tinha um estatuto de capitão até àquela competição, onde todos os jogadores querem jogar, mas ele não conseguiu jogar.
Ele não jogou e a responsabilidade disso cabe exclusivamente aos treinadores! Estou consciente que as pessoas acusam-me e chamaram-me muitos nomes. Já falei diversas vezes sobre o assunto… acho que não vale a pena voltar a falar do mesmo assunto. Agora a verdade é que eu tinha uma responsabilidade de criar a volta dos treinadores da selecção toda uma garantia de que eles eram livres de fazer o seu trabalho, sem nenhuma pressão externa ou interna para incluir o jogador A, B ou C.
Os jogadores que jogaram naqueles três jogos, tenho a certeza de que naquele momento eram as melhores escolhas dos treinadores. Infelizmente o Bocundji não jogou e a responsabilidade é dos treinadores. Houve problema sim, mas não deixámos que descambasse e destabilizasse a selecção. É por isso que vos digo que consegui cumprir a missão de organizar e disciplinar a selecção nacional. É verdade que houve perturbações e tentativas de intervenção de fora ao mais alto nível, mas não permitimos…
Definimos uma regra e cumprida por todos os jogadores, incluindo o Bocundji Cá. Aliás, ele não criou em nenhum momento situação de desacato nem nos treinos. Mas também reconheço o direito dele de não ficar feliz porque não jogou, mas graças a Deus não houve nenhumas situações que pudessem criar ou perturbar a equipa nacional. Houve a exigência de pessoas, de altas figuras do Estado, que exigiam a minha demissão, depois do nosso primeiro jogo.
Felizmente o presidente da federação (Manelinho), que se diz por aí que não percebe nada de futebol, naquela altura era a pessoa que mais entendia de futebol e por isso negou demitir-me porque entendeu que seria ridículo e sem cabimento… Eu sempre digo que devo ao Manelinho um grande respeito pela sua coragem.
OD: Qual é o verdadeiro motivo da sua demissão do cargo do Director Executivo da selecção nacional? É verdade que tem a ver com o diferendo que o envolve com os ditos grandes jogadores da selecção?
Eu não tenho problemas com nenhum jogador da selecção da Guiné-Bissau. Quero que um dirigente desportivo prove aqui que eu tenho problemas com um único jogador da selecção nacional durante o período do CAN e mesmo nos estágios que fizemos ao longo do tempo que estive com a selecção. Quero ser tudo, menos alguém a quem será apontado o dedo como desestabilizador da selecção nacional!
A minha discordância de algumas pessoas da federação tem a ver com a questão da organização interna. Foi-me incumbida a responsabilidade de fazer a organização interna e planeamento de toda uma estrutura técnica da selecção nacional.
Tenho uma doença que considero até patética com a organização, que é fruto da minha experiência ao longo de mais de 30 anos no mundo do desporto. Houve divergências, sim, na forma de organizar o estágio da selecção nacional em França. Sempre discordei daquele estágio, mas há pessoas que me ultrapassaram e decidiram que tinham que fazê-lo. Ali percebi que não estava a fazer nada e que podia demitir-me imediatamente, mas não o fiz porque estava a espera de presidente da Federação.
Tenho respeito e consideração por Manelinho, porque no momento difícil em que toda a gente, incluindo até ao mais alto nível, pediam a minha cabeça, mas ele recusou. Por isso não me demiti e entrei em contacto com Manelinho. Não consegui localizá-lo naquele momento. Tomei a decisão de suspender a minha missão temporariamente até quando falasse com o presidente Manelinho, para apresentar-lhe as minhas condições para continuar.
OD: Até este momento não conseguiu estabelecer um diálogo com o presidente da federação?
CB: Tivemos uma conversa, aquando da minha vinda a Bissau. Encontramo-nos no mesmo voo. Depois de cinco meses a espera. Mas conseguimos conversar e combinamos encontrarmo-nos de novo, mas ele acabou por viajar para assistir ao congresso do CAF. Quero muito esclarecer essa situação com a federação de forma a poder oficializar a minha saída na selecção nacional. Como sempre digo, quero ser tudo e menos alguém que perturba a selecção, porque esses jogadores são meus filhos e a maior parte são pessoas que eu levei para Portugal.
Os jogadores são a melhor coisa que temos na estrutura daquela selecção. Digo-vos que dentro de três anos, estaremos em condições de competir com grandes países de África. Temos hoje muitos jogadores à espera para representar a selecção nacional. São pessoas formadas e que vivem na Europa. Aliás, essa é a experiência que os países como a Costa de Marfim, Gana, Senegal e Camarões passaram. Através dos seus cidadãos de origem e que obtiveram a nacionalidade de países Europeus. Infelizmente não tiveram oportunidade e resolvem voltar para os países de origem.
OD: Acha que o futebol guineense tem futuro e é viável?
CB: Futebol guineense é viável e tem futuro, mas não tem futuro com essa geração de dirigentes sem competência! Estes dirigismos que temos como dirigentes de futebol da Guiné-Bissau não têm competência para acompanhar esta grande geração de jogadores guineenses nos próximos anos e que são jogadores que vivem grande parte das suas vidas na Europa, sobretudo num ambiente profissional, altamente organizado e com muita exigência.
OD: O que se deve fazer de concreto para corrigir o aspecto organizacional?
CB: Podemos mudar isto! Mas isto é responsabilidade das pessoas que escolhem os seus dirigentes desportivos. Para mim hoje, para além de presidente Manelinho, há algumas figuras ali que podem fazer alguma coisa, se houver organização. Mas também há pessoas que sinceramente não merecem estar na nossa estrutura federativa…
A razão do meu afastamento foi a organização. Não me deram espaço para trabalhar no aspecto da organizaçao. Há pessoas que estão lá e que são incompetentes, que não sabem fazer nada e não querem dar espaço as pessoas que sabem fazer alguma coisa.
OD: A selecção teve muita dificuldade nesta deslocação a Zâmbia, que para muitos críticos tem a ver com a questão de organização. O que se deve fazer para melhorar os aspectos logísticos, de acordo com a sua experiência?
CB: Confesso-vos que afastei-me da selecção nacional exactamente por causa destes aspectos organizacionais. Fiz tudo para corrigir este aspeto no período em que estive dentro. Criei algumas condições mínimas em termos de aspetos organizacionais, mas infelizmente algumas pessoas incompetentes na federação não me permitiram fazer o meu trabalho.
Imagina que viemos de África do Sul e tínhamos quatro ou cinco meses para realizar aquele estágio em França. Ninguém se preocupou com os aspectos logísticos ao longo deste tempo todo. Só depois, uma semana antes de viajar para a França, todo o mundo começou a correr atrás das Finanças!? A mesma situação ocorreu no jogo da eliminatória do CAF frente ao Moçambique. Porque é que continuamos nesta situação de desorganização?
Relativamente à viajem para a Zâmbia, foi o Secretário de Estados dos desportos que se ocupou de preparar aquela deslocação e inclusive deslocou até a Zâmbia. O Secretário de Estado não podia fazer isso, porque não é seu trabalho. É responsabilidade exclusiva da federação de futebol e mais ninguém! Os preparativos do jogo deveriam começar a ter lugar há três meses e pode ser feita através de agências. Ou enviavasse alguém à Zâmbia, para resolver todo o aspecto logístico e avançar com o pagamento das contas a 50 por cento.
Levaram os jogadores até Dubai (Ásia) para depois seguir para a Zâmbia! Seguiu-se o mesmo percurso no regresso. É preciso que as pessoas comecem a pensar no aspeto da organização. Nesta jornada dupla, o que se faz em qualquer parte do mundo é fretar um avião que leve os jogadores ida e volta. Assim, depois do jogo era só ir até ao aeroporto e pegar o avião para vir para a Guiné. A incompetência que se regista a nível das estruturas da federação e do governo vai matar o nosso futebol. Portanto é preciso corrigir isso rapidamente.
É verdade que os jogadores estão a fazer esforços acima do normal em nome de amor a pátria, mas devemos repensar esta situação antes que seja tarde. Se continuarmos nesta caminhada torta, sinceramente a próxima geração de jogadores que cresceram na Europa num ambiente de trabalho muito mais profissional, não admitirão essa incompetência.
OD: Critica-se que a maioria dos seus jogadores optam por representar a selecção portuguesa em detrimento da selecção da Guiné-Bissau, seu país de origem e que isso deve-se à sua influência. Quer fazer um comentário sobre isso?
CB: Lembro que sobre este assunto, chamei as pessoas que fazem este tipo de comentários ou críticas ‘patetas’! É preciso sermos muito coerentes com essa situação, porque futebol é uma coisa prática. Quero dar o exemplo do Bruma. Imagina que este menino que desde aos 14 anos frequenta a selecção portuguesa. Bruma conta neste momento com mais de 60 internacionalizações nas diferentes camadas da seleção portuguesa.
Após terminar a formação, passou para a selecção principal. Aliás, até os portugueses estavam a seguir o jovem. Agora acha que é coerente pedir ao Bruma que abdique da selecção portuguesa para vir representar a Guiné-Bissau? Que me digam quais são os jogadores que atingiram um alto nível nas grandes selecções da Europa (França, Inglaterra, Bélgica) e de repente decidem cortar tudo para vir representar o seu país de origem…
Que façam o mesmo comentário ou críticas ao Paul Pogba (Franco-guineense de conacri) ou Ngolo Kanté (franco-maliano). Estes jogadores cresceram na França, onde fizeram toda a caminhada até à selecção principal. Deverão eles cortar tudo para vir representar os seus países de origem? Bruma não veio, mas acreditem que no futuro virá um jogador da mesma qualidade com ele para jogar na selecção da Guiné-Bissau.
Por: Assana Sambú
Foto: Marcelo Na Ritche
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