Por CNN Portugal, 29/05/23 As últimas noites foram complicadas em Kiev. As forças ucranianas garantem que conseguiram abater os mísseis e drones lançados pela Rússia, mas os analistas acreditam que os russos estão a tentar destruir as defesas antiaéreas de forma a impedir a contraofensiva ucraniana
A capital ucraniana tem estado a ser alvo de um intenso ataque por parte das forças russas. Depois de duas noites de fortes ataques a Kiev, com drones e mísseis, as atividades ofensivas continuaram durante a manhã de segunda-feira. Pelo menos 11 explosões foram ouvidas durante a manhã, relata a Reuters, e uma pessoa terá ficado ferida no bairro de Podilskyi, no norte da cidade. No entanto, a administração militar da cidade garante que todos os mísseis foram abatidos e que nenhum alvo foi atingido.
O presidente da câmara da cidade, Vitali Klitschko, pediu aos moradores que se abriguem e alertou para a queda de destroços de drones. Relatos não confirmados diziam que uma nuvem de fumo pode ser vista a partir do aeroporto de Zhuliany, em Kiev.
Durante a madrugada, as defesas antiaéreas ucranianas já tinham destruído mais de 40 mísseis e 30 drones kamikaze. "Este é o 15.º ataque desde o início de maio", disse a administração militar de Kiev em comunicado, referindo que os "terroristas" estão a tentar "destruir alvos-chave" e, "ao mesmo tempo, esgotar os recursos" das defesas antiaéreas ucranianas.
A mesma fonte explica que a Rússia utilizou no ataque veículos aéreos não tripulados, ou drones, de fabrico iraniano Shahed e, "quase simultaneamente", mísseis de cruzeiro disparados desde a região do Mar Cáspio. "O ataque contra a capital foi combinado, a partir de várias direções", afirma o relatório militar.
Explosões também foram relatadas nas regiões de Lviv, Odessa, Vinnytsya e Khmelnytskyi. Em Khmelnytskyi, um ataque a um aeródromo militar danificou cinco aviões e a pista, disseram autoridades regionais.
Oleksandr Scherba, embaixador geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, disse à BBC que os últimos dias foram muito difíceis para os residentes de Kiev. "Quase todas as noites, os céus parecem e soam como um episódio de Star Wars, mas não sentimos muito os mísseis russos a atingir os seus alvos aqui dentro da área da cidade. E tudo isso graças aos países decentes, pessoas decentes do mundo que nos ofereceram esta defesa aérea", disse. Morar na capital não é nada normal neste momento, disse Scherba, acrescentando que os ataques de drones e as noites sem dormir se tornaram "parte de nossa rotina".
O autarca de Kiev publicou no Telegram uma imagem do que parece ser o destroço de um rocket numa estrada no distrito de Obolon, Kiev. "Os serviços de resgate e bombeiros estão a extinguir os destroços do foguete em chamas na estrada no distrito de Obolon", precisou Vitali Klitschko.
No domingo, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, elogiou as forças de defesa aérea do país depois de Kiev ter sofrido o maior ataque com drones desde o início da guerra. "Vocês são heróis", disse Zelensky, depois de os comandantes militares confirmarem que a maioria dos chamados drones kamikaze lançados pela Rússia tinham sido abatidos.
O ataque noturno de sábado ocorreu quando a população se preparava para comemorar o Dia de Kiev, o aniversário da fundação da cidade. Apesar do ataque, muitas pessoas foram aos parques, bares e restaurantes da capital para comemorar o feriado. "Foi o maior ataque com drones contra a capital ucraniana. Foi uma noite de sobressalto, com os habitantes a ouvirem explosões, porque este drones vêm carregados com explosivos e mesmo sendo abatidos provocam grandes explosões. Alguns dos destroços caíram em zonas habitadas, e por isso há relato de uma vítima mortal. É um ataque que durou cinco horas, depois da meia-noite", explicou o jornalista Sérgio Furtado, da CNN Portugal.
Os analistas dizem que Moscovo está a tentar esgotar e destruir as defesas aéreas da Ucrânia antes da tão esperada contraofensiva. Na análise de Sónia Sénica, "há uma tentativa da parte do Kremlin de, cada vez mais, responsabilizar o Ocidente por criar uma guerra. Isso pode legitimar [os ataques] internamente e, mais do que isso, alavancar para uma nova fase de conflito que lhes dê permissão para um ataque preemptivo".
Sérgio Furtado sublinha que estes ataques mostram que a Rússia não está com falta de drones, ao contrário do que se chegou a pensar. "A Rússia continua a ter capacidade para atingir a capital com duas vagas de drones, como aconteceu", diz. Estes aparelhos são de fabrico iraniano e tudo indica que o Irão continua não só a fornecer como a servir de transporte de armas para a Rússia.
O major-general Arnaut Moreira chamou a atenção, na CNN Portugal, para o "reforço muito significativo da projeção de mísseis balísticos , mísseis cruzeiro e drones sobre Kiev". Este especialista sublinha que os ataques acontecem durante a noite, numa espécie de "manobra psicológica sobre as pessoas, privando-as de sono". Além da intenção de destruir alvos decisivos, estes ataques também servem para perceber onde estão as defesas antiaéreas.
Segundo o major-general Isidro de Morais Pereira, "o padrão alterou-se ligeiramente, os bombardeamentos visam infraestruturas críticas e agora também infraestruturas militares, locais onde presumivelmente se encontram armazenados equipamentos militares e mesmo locais onde estarão concentrados os militares".
"O que estamos a assistir são campanhas de mísseis e drones. É a guerra a escalar: os russos fazem-no com um objetivo que é fazer colapsar, ou abortar, a contraofensiva ucraniana", explicou o major-general Agostinho Costa na CNN Portugal. Para este especialista miliar, a contraofensiva ucraniana terá o seu pico em julho, por altura da Cimeira de Vilnius. Até lá, “vamos ter várias ações de flagelação”, diz.
No sábado, um dos oficiais de segurança da Ucrânia disse à BBC que o país estava pronto para lançar tal operação. Oleksiy Danilov, secretário do Conselho Nacional de Segurança e Defesa da Ucrânia, disse que um ataque para retomar o território das forças de ocupação do presidente Vladimir Putin pode começar "amanhã, depois de amanhã ou numa semana".
A Ucrânia planeia uma contraofensiva há meses, mas tem aproveitado o máximo de tempo possível para treinar tropas e receber equipamento militar dos aliados ocidentais. Enquanto isso, as forças russas preparam as suas defesas nas regiões tomadas do sudeste da Ucrânia.