Dmitry Medvedev visita fábrica da UralVagonZavod, Nizhny Tagil, em outubro (Getty Images)
João Guerreiro Rodrigues Cnnportugal.iol.pt 16/04/23
Depois de dez pacotes de sanções da União Europeia, a economia russa está longe do "colapso" que muitos previam e continua a financiar a invasão na Ucrânia. Mas, numa batalha que inclui o campo da informação, "temos de desconfiar um bocadinho" e olhar para o que podem esconder os números
A economia russa resiste. Longe do “colapso” antecipado por alguns líderes ocidentais, após terem sido aplicadas as sanções económicas por parte de algumas maiores economias mundiais. A contração foi inevitável: segundo o instituto de estatistica russo Rosstat, o PIB russo caiu 2,1% em 2022 e o Fundo Monetário Internacional aponta para um modesto crescimento de 0,3% para 2023. Mas os especialistas alertam que os números nem sempre dizem a verdade e que a economia russa pode estar agora mais frágil do que o Kremlin quer fazer parecer.
Os analistas financeiros pedem cautela a analisar os dados oficiais vindos de um país que se encontra em guerra e em que um dos campos de batalha é no espaço da informação. Essa tem sido uma das principais armas russas contra o Ocidente alargado: argumentar que as sanções não funcionam e que só estão a prejudicar o ocidente e os seus cidadãos, a quem é pedido um esforço para apoiar a causa ucraniana.
“Ter em conta a fiabilidade dos dados. Temos de desconfiar um bocadinho. Há informação e contra-informação, é perfeitamente aceitável. Os números podem não dizer tudo, a economia russa não é uma economia saudável. Para já, a situação está estável, mas se [a guerra] demorar muito mais tempo, vai degradar-se”, afirma Filipe Garcia, presidente da Informação de Mercados Financeiros.
Essa estabilidade deve-se principalmente aos preços do petróleo e do gás em 2022, que compensou a queda no volume de exportações. De forma a dificultar a capacidade de financiamento da invasão russa, a União Europeia reduziu as importações de gás natural e de produtos petrolíferos, que lhe fornecia perto de 50% das suas necessidades energéticas. Os Estados-membros gastavam perto de 100 mil milhões de euros por ano apenas em produtos fósseis russos e reduziram esta dependência ao longo do ano. Atualmente, esse número encontra-se perto dos 12% e a tendência é para continuar a cair.
Para colmatar esta queda, a Rússia canalizou as suas vendas de petróleo para a China e para a Índia. Mas isso não se aplica à venda de gás natural que requer infraestruturas muito caras e que demoram muito tempo a montar, que através da liquidificação ou do transporte por gasoduto. E esse terá sido um dos temas debatido no final de março por Xi Jinping e Vladimir Putin, em Moscovo. O acordo pode levar à construção de um gigante gasoduto com 2.600 quilómetros, que atravessa a Mongólia, para fornecer mais 50 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano. Mas a quantidade é inferior à fornecida pelo Nord Stream 1 que liga a Rússia à Alemanha e o projeto, a correr dentro de prazo, só estará pronto em 2030.
A Rússia parece estar a encontrar formas cada vez mais originais de contornar as sanções ocidentais. Uma delas é a criação de uma “frota sombra”, que conta já com mais de 600 navios, para transportar o petróleo russo “fora do radar”.
“Podiam estar a vender gás e petróleo a preços muito mais altos e, por isso, estão a perder dinheiro. Portanto, temos de nos questionar se com isto a economia russa fica pior, melhor ou na mesma? Fica pior”, refere Filipe Garcia, que sublinha ainda que as expectativas de “uma queda a pique” da economia russa foram “uma hipótese rebuscada” e que dificilmente se materializarão.
Mas as sanções estão a funcionar. Apenas nos primeiros dois meses de 2023, a Rússia atingiu 88% do déficit total planeado para este ano. Os especialistas atribuem este facto à aplicação tardia das sanções. A exportação de gás natural para a Europa só foi travada no verão e a imposição de um teto ao preço de transação do crude russo só entrou em vigor em dezembro. E os efeitos já se sentem. Em janeiro e fevereiro deste ano, a receita de impostos do petróleo do gás, que representam quase metade do orçamento anual russo, caiu perto de 46%, comparado ao ano anterior.
Perante essas expectativas de colapso da economia russa, os dados são melhores do que o esperado, mas a realidade não é tão bonita quanto o Kremlin a pinta. E é isso mesmo que foi apontado por Evan Gershkovich, do The Wall Street Journal, no artigo que publicou no dia 28 de março e que argumenta que a economia russa está a começar a “desfazer-se”. Horas depois, o jornalista norte-americano, descendente de uma família judia que fugiu da União Soviética, foi detido na Rússia com acusações de espionagem.
Em alguns setores, é particularmente difícil substituir os componentes vindos das exportações. A Rússia está a tentar fazer tudo por si própria, mas está a deparar-se com problemas. O país atravessa a maior falta de mão-de-obra desde 1993, quando milhões de russos abandonavam o país em busca de uma vida melhor no estrangeiro após a queda da União Soviética, devido à mobilização de reservistas e à fuga do país de centenas de milhares de pessoas. Os especialistas russos do Banco Central apelidam o processo de “industrialização reversa”, num processo liderado pelo Estado.
“A Rússia olha para si própria como uma grande potência a nível mundial, o que já não corresponde à verdade. Continua a ser uma potência nuclear, mas a sua economia continua a ser débil, com uma economia semelhante em tamanho à da Espanha”, afirma o major-general Isidro Morais Pereira.
Os números dos relatórios de produção industrial até são positivos, mas isso deve-se ao esforço de guerra russo. Quase todas as fábricas de produção militar trabalham turnos múltiplos e expandem o número de linhas de produção, mas este setor não é representativo da economia real russa. Toda esta produção, que é contabilizada no PIB do país, é rapidamente consumida e destruída no campo de batalha, não acrescentando qualquer valor para a vida dos cidadãos russos.
Um dos oligarcas mais conhecidos da Rússia, o empresário Oleg Deripaska, sancionado pelos Estados Unidos em 2018 por ligações ao Kremlin, alertou para o facto de a economia russa precisar urgentemente de capital estrangeiro para funcionar e que, caso a situação não se altere, a Rússia poderá ter graves problemas de liquidez já em 2024. "Não haverá dinheiro já no próximo ano, precisamos de investidores estrangeiros", disse o oligarca Oleg Deripaska numa conferência económica na Sibéria.
“A incapacidade de importar tecnologia faz com que exista um constrangimento em várias empresas de se modernizarem. O financiamento da economia que seja feita por outra via que não seja a compra de produtos está fechada”, explica Filipe Garcia.
De acordo com a Comissão Europeia, desde fevereiro de 2022, os Estados-membros proibiram a exportação de bens para a Rússia no valor de 43,9 mil milhões e travaram a importação de produtos russos no valor de 91,2 mil milhões. Entre as proibições de vendas está o sistema tecnológico, com semicondutores e sistemas eletrónicos, bem como vários tipos de equipamentos industriais utilizados pela indústria russa.
A solução russa foi comprar os equipamentos sancionados através de países terceiros, como o Quirguistão, a Turquia, a Arménia ou a Georgia. “A Rússia tem contornado as sanções através de outros países, como solução de recurso, mas isso não quer dizer que seja uma boa solução. Faz com que estejam a perder dinheiro, com o aumento dos custos e o piorar da qualidade”, destaca o especialista.