JORNAL ODEMOCRATA 26/12/2022 O investigador do Instituto Nacional da Pesquisa Agrária (INPA), José da Silva, afirmou que “é impensável” produzir três vezes por ano na Guiné-Bissau, por falta de uma cadeia de tratamento de sementes, infraestruturas de estocagem e de secagem e bolanhas bem confecionadas com sistemas de irrigação e de drenagem apropriados.
Em entrevista ao Jornal O Democrata (dezembro de 2022) para falar da situação do Centro Orizícola de Contuboel e dos resultados da produção do presente ano agrícola, José da Silva justificou declarou que o país não pode sonhar em produzir três vezes por ano, se não criar as condições técnicas para combater as pragas e outros fenómenos naturais nocivos às culturas, nomeadamente as inundações e as ervas daninhas.
O especialista em agricultura alertou as autoridades que é preciso ter bolanhas bem confecionadas, canais de irrigação e de drenagem bem contruídos que não permitam a fuga da água, equipamentos como motobombas, combustível e técnicos no terreno e mão de obra para limpar os terrenos, adubar e combater as pragas.
ESPECIALISTA ACONSELHA O GOVERNO A APOSTAR NA MECANIZAÇÃO DA AGRICULTURA
“O pior de tudo é que o nosso país não tem infraestruturas à altura para a estocagem, nem secagem. Um ano civil tem 12 meses e quando se fala em produzir três vezes por ano, significa que a Guiné-Bissau vai precisar de uma média de três ou quatro meses para cada ciclo de produção. Se um dos ciclos coincidir com a época das chuvas, a componente secagem fica afetada. O país tem secagem aberta. Nos países com melhores condições e onde se faz produção três vezes por ano, as infraestruturas de secagem são cobertas. O arroz é estocado num ambiente com ar forçado, sistema de ventilação com ar quente. No caso da Guiné-Bissau, as condições não são das melhores, sobretudo quando o teor do armazenamento for superior a 14%, o arroz não pode ficar armazenado por muito tempo, porque pode ter micotoxinas produzidos pelos fungos”, disse.
Segundo José da Silva, esses fungos são nocivos à saúde humana e animal, porque podem provocar doenças crónicas nas pessoas, nomeadamente o câncer, a irritação respiratória, problemas de vista e de rins, por isso “é fundamental controlar o teor de humidade do arroz e o ambiente de estocagem”.
O também diretor do Centro Orizícola de Contuboel disse que o aconselhável seria continuar a pensar em duas produções, nesta fase, na mecanização da agricultura e em campanhas agrícolas sérias, com tratores suficientes para produção e ceifeiras.
“Nem todas as aldeias do setor de Contuboel têm ceifeiras à altura como as nossas e devido à essa insuficiência, fazemos cobertura a algumas tabancas próximas, porque não temos reboques para transportar as ceifeiras para as aldeias distantes”, frisou.
O investigador revelou que o centro está a deparar-se com falta de combustível, falta de sacos para estocagem do arroz e dinheiro para pagar a mão de obra a oito pessoas e dois mil francos CFA diários, a seis pessoas para vigiarem as culturas dos pássaros. Acrescentou que o arroz produzido são sementes, pelo que “se se tratasse de um país onde o governo interviesse na produção e compra das sementes, o INPA poderia funcionar regularmente sem problemas.
“Vender arroz descascado rende muito pouco, mas vendê-lo em casca dá mais jeito e pode proporcionar mais fundos para o INPA funcionar”, salientou.
Declarou que, apesar de diligências junto do ministro do Estado, da Agricultura e Desenvolvimento, Botche Candé, este ainda não conseguiu cumprir a promessa de fornecer combustível ao centro Orizícola de Contuboel, nem enviar os sacos prometidos para a estocagem do arroz.
De acordo com as suas explicações, este ano agrícola o centro conseguiu cultivar 10 hectares, mas devido a vários fatores naturais, nomeadamente as inundações que tornam o adubo em lixívia, à grande quantidade de ervas daninhas e às pragas, a previsão feita para a colheita é de 15 toneladas.
José da Silva disse que foi nomeado há sensivelmente dois anos, mas nunca recebeu dos governos apoios significativos e que o centro tem funcionado com os esforços internos da direção e graças à convenção assinada com o projeto PDCV-PACVEAR para a produção de novas sementes enviadas do Senegal pelo projeto Africa Rice, para multiplicá-las na Guiné-Bissau.
“O processo de multiplicação das sementes tem que atender primeiro às exigências ecológicas, testes varietais e de linhas. No ano seguinte faz-se um ensaio de adaptabilidade ao terreno. Depois vem a PVS-seleção participativa varietal. Se a variedade for favoravelmente acolhida por uma determinada comunidade, é produzida e multiplicada, a fase de multiplicação das sementes ajuda na homologação de uma variedade de semente numa comunidade”, notou.
CENTRO ORIZÍCOLA DE CONTUBOEL FUNCIONA APENAS COMO LABORATÓRIO DE SEMENTES
José da Silva, confirmou que apenas o laboratório de sementes está a funcionar, a meio gás, com testes de germinação, por falta de condições objetivas, nomeadamente a luz elétrica e materiais técnicos como microscópios.
“Quando o projeto PADES reabilitou o centro, instalou alguns microscópios, câmaras de germinação e montou painéis solares, mas neste momento o centro não tem nada para fazer os testes do solo nem de sementes. O centro está deserto. Os painéis foram roubados, mas só o antigo diretor pode explicar como foram roubados, porque o valor dos prejuízos é estimado em dez milhões de francos CFA”, revelou, lembrando que por falta de materiais e de técnicos, os testes de solo não são realizados há vários anos, porque “depois do conflito político militar de 7 de junho de 1998, todos os equipamentos estragaram-se”.
Neste momento, continuou José da Silva, o laboratório tem apenas um técnico, quando no mínimo precisava de cinco para as atividades de controlo de campos, recolha de sementes e controlo de humidade das colheitas, bem como atestar a pureza destas sementes no laboratório, mas tudo isso ficou parado.
Revelou que haverá prejuízos na produção da população, por causa das pragas que atacaram os campos nesta campanha e estragaram gravemente as culturas e as plantações das populações.
“O nosso campo seria afetado pelas pragas, se não fosse a intervenção da direção-geral do Ministério da Agricultura, através do responsável da proteção vegetal, que nos enviou produtos e uma equipa que atuou duas vezes”, informou.
“Conseguimos manter a produção intacta devido ao apoio que recebemos da proteção vegetal e do Stock do adubo do projeto PACVEAR, caso contrário estaríamos na mesma situação que os campos da população”, lamentou.
Afirmou que os prejuízos derivados da invasão de pragas aos campos agrícolas é “um desastre”, por falta de produtos para a prevenção.
José da Silva admitiu que, apesar de apoios recebidos, o centro de Contuboel também sofreu prejuízos, mas graças à intervenção da delegacia regional da agricultura conseguiu antecipar e prevenir-se do ataque das pragas e avançou que a previsão para este ano era de 30 toneladas, mas de acordo com os indicadores essa previsão poderá descer para 20 ou 15 toneladas.
“Com o apoio da direção da proteção vegetal de Bissau, que enviou os produtos a tempo, o centro conseguiu antecipar-se do ataque das pragas, mas nos campos agrícolas das populações é um desastre”, precisou e admitiu que houve baixa de produção, porque “choveu muito e facilitou a invasão de pragas”.
José da Silva afirmou que um dos desafios do INPA é produzir muito e colocar o arroz no mercado para o consumo da população, mas não tem condições financeiras para fazer grandes produções.
O centro que funciona como um braço do Instituto Nacional da Pesquisa Agrária (INPA), tem atualmente seis técnicos, dois dos quais mulheres, uma analista do laboratório de solo e sanidade vegetal e outra analista do laboratório de sementes. Os técnicos interpelados pelo jornal O Democrata confessaram que a produção é rentável mais no período da seca, porque na época das chuvas a produção depende de vários fatores. O centro tem também um campo de ensaios de sementes antes de serem replicadas em campos de sementes.
Por: Filomeno Sambú