João Pico criou um projeto de entrevistas em vídeo de partilha de experiências na área dos media, educação ou futuro tecnológico, entre outras. O que quer? Ajudar a sociedade portuguesa a debater o futuro.
Uma pessoa, um público (seja ao vivo ou através da internet) e muitas ideias pessoais e transmissíveis partilhadas. A troca de experiências e de ideias – potenciada com a era da internet – está na base de muitos projetos mediáticos dos últimos anos, da Web Summit até às famosas TED Talks – que começaram a tornar-se globalmente mais influentes nos últimos 15 anos e também já chegaram a Portugal.
O lisboeta João Pico, de 47 anos, lançou em 2016, a partir de um mestrado, um projeto que junta a sua experiência em televisão e audiovisual, com uma área que o apaixona: a partilha de conhecimentos. Onde, Quando e Como eu Quiser (OQCQ) é o nome da iniciativa que já inclui mais de 150 entrevistas em vídeo a pessoas mais e menos conhecidas da área de comunicação e fora dela.
Os temas passam por media, jornalismo, educação, democracia, transformação digital, o futuro da internet e o futuro tecnológico e a partilha é feita em várias plataformas e já inclui inclusive os recentemente mais populares podcasts. No total “já foram vistos mais de um milhão de minutos do projeto” de dois anos, que recebeu recentemente uma menção honrosa de jornalismo de inovação, da Agência Nacional de Inovação.
João Pico |
Foi editor de imagem da SportTV (onde começou em 1998), passou pela TVI e tem-se dedicado a vários projetos audiovisuais, de produção de vídeo ou composição musical. João Pico gostaria ainda de entrevistar nomes tão díspares quanto Bill Gates, Marcelo Rebelo de Sousa, o filósofo José Gil, Júlio Isidro e Filomena Cautela. A crise dos media tradicionais, a educação, a desinformação (e fake news) e a literacia digital (ou falta dela, inclusive nos governos) são preocupações frequentes entre os seus convidados: “estamos a formar futuros cidadãos com uma educação que foi formatada na revolução industrial”, admitindo que as entrevistas têm mostrado como “a educação como pilar da sociedade não se adaptou na era digital”.
Segue-se a breve entrevista.
Como é que começou a ideia de fazer este projeto Onde, Quando e Como eu quiser?
Eu sou um grande apaixonado pelo TED e sempre gostei muito de entrevistas em vídeo online. A ideia começa não só pela vontade de aprender e debater alguns assuntos como também de transmitir conhecimentos e criar conteúdos relevantes. Como trabalhei 25 anos em televisão, os primeiros 5 em informação na TVI e os restantes em desporto na SportTV, a minha opinião do alinhamento editorial da informação que hoje nos é dada nos meios de comunicação social é que é pobre, com pouca relevância e peca pelo excesso de futebol (o futebol não desporto). Quando entrei em 2016 para o mestrado em audiovisual e multimédia na ESCS aproveitei parte deste projeto para a minha tese, com o mesmo nome: Onde, Quando e Como eu Quiser – novos hábitos de consumo do produto audiovisual. Penso que é importante debater o caminho que está a tomar a internet. Os gigantes tecnológicos e os algoritmos limitam a liberdade de escolha e o livre arbítrio que os internautas tinham há 20 anos.
Quais são os objetivos? Como está organizada a colocação online das entrevistas?
Um dos objetivos principais é propor à sociedade civil a discussão sobre temas relevantes como: media, jornalismo, educação, democracia, transformação digital, o futuro da internet e o futuro tecnológico. Já começamos também a organizar peças temáticas com os vários entrevistados a debater o mesmo assunto, em que a primeira foi sobre a educação, tendo sido lançada no início do ano letivo, sendo que este é também um dos objetivos futuros com as restantes temáticas. Queremos tornar sempre o conteúdo o mais líquido possível a fim de permitir a sua distribuição e adaptação a qualquer ocasião, plataforma ou projeto. As entrevistas completas vão para o Youtube assim como para várias plataformas de podcast, como o Spotify. Em seguida, dividimos as entrevistas por temas que vamos divulgando de tempos a tempos em diversas redes sociais, organizadas também em playlists temáticas no Youtube. A distribuição é feita em multiplataforma, entre as quais o Facebook, o Instagram, o Linkedin, o Youtube e diversas plataformas de Podcast. Tentamos sempre colocar entrevistas à segunda e à sexta-feira, sendo que, quando não existem novas, fazemos o repost de mais antigas.
Quantas já foram feitas e quais são as áreas que predominam a nível de convidados?
Foram feitas mais de 150 entrevistas e as áreas dos convidados são muito diversas, mas contamos com profissionais de marketing e publicidade, políticos, professores, jornalistas, profissionais de televisão e comunicação, entre outros.
Quais as principais conclusões que já é possível retirar da maior parte dos testemunhos do ponto de vista de influência da era digital nas várias áreas?
De uma forma redutora e simplista, se dissermos que a nova internet está a matar os media tradicionais e o jornalismo, enfrentamos uma realidade em que as fake news e a desinformação têm a mesma importância que notícias dadas por profissionais de comunicação. A televisão e os media tradicionais perderam a relevância, principalmente, nas camadas mais jovens; a falta da adaptação destes meios não só é preocupante como perigosa, deixando espaço para os algoritmos decidirem o que queremos ver, ouvir ou saber. Ainda há poucos dias Sacha Baron Cohen, no seu discurso na ADL – Internacional Leadership World, disse que as redes sociais são a maior e mais eficaz máquina de propaganda política e isso põe todas as democracias em causa, tal como já vimos sinais disso com o Bolsonaro, Trump e Brexit.
A educação como pilar da sociedade não se adaptou na era digital, correndo o risco de hipotecar todo o conhecimento de uma geração que não está a ser preparada para o futuro, que tem todo o conhecimento à distância de um click, mas que não sabe separar o trigo do joio em relação à relevância da informação. Estamos a formar futuros cidadãos com uma educação que foi formatada na revolução industrial, há 150 anos, em que não sabemos quais são as profissões que irão existir daqui a 5. A transformação digital é transversal a todos estes temas da sociedade e o futuro das sociedades democráticas, que se querem saudáveis, podem estar em causa se os governos mundiais não tiverem literacia digital suficiente para legislar os gigantes tecnológicos que, como já vimos, não são auto reguláveis.
O storytelling é o futuro da publicidade e do marketing, de que forma?
O storytelling desde sempre se apresentou como uma poderosa ferramenta para passar informação. Porém, é necessário principalmente respeitar e adaptar os conteúdos a cada particularidade de cada rede social, sendo este sim um processo essencial para o sucesso de cada peça de comunicação, no presente e no futuro.
Qual a entrevista mais surpreendente e qual a mais difícil de conseguir?
Foram muitas as entrevistas surpreendentes, podendo destacar a filha de um amigo meu de 17 anos que me deu a perspetiva de toda uma geração sobre estes temas e também, o Professor Catedrático Luís Moutinho que, com os seus 80 e poucos anos, fala de uma forma surpreendente e jovial de assuntos como biomarketing, inteligência artificial e machine learning.
Quais os nomes que ainda quer ter mas ainda não foi possível?
Tirando o impossível Bill Gates, gostaria de entrevistar o professor Marcelo Rebelo de Sousa, o filósofo José Gil, o Júlio Isidro e a Filomena Cautela.
Qual o objetivo final, vai parar em alguma altura? Há um objetivo académico ou filosófico no meio destas conversas?
Enquanto me der prazer fazer este formato irei continuar. Ainda há muito por discutir e o avanço tecnológico é tão rápido que surgem sempre novas questões e assuntos por debater. Não tenho nenhum objetivo académico, mas se pensarmos que a filosofia é o gosto pelo conhecimento, faz todo o sentido rotular como uma discussão filosófica.
Como tem sido o feedback e de que forma sente que é um registo vencedor?
Não são assuntos atraentes para as novas gerações, nem nos podemos considerar Youtubers no sentido mainstream da palavra. No entanto, este projeto já foi visto na totalidade durante mais de um milhão de minutos o que equivale a dois anos consecutivos de visualização de conteúdo OQCQ. A recente notícia em que somos finalistas a uma menção honrosa de jornalismo de inovação, da Agência Nacional de Inovação, é um sinal bastante positivo do impacto deste projeto na sociedade.
O formato vencedor, isto é, a produção consciente de conteúdo líquido é algo que desde sempre a minha empresa, a Comprimido, defende e pratica como pilar daquilo em que somos especialistas, o vídeo marketing. O projeto OQCQ acaba por ser, também, parte da nossa responsabilidade social na educação e transmissão de conhecimento para a sociedade, o que carrega consigo muitas horas de trabalho não só a nível da produção, mas principalmente na distribuição e estratégia de conteúdos.
Temos também recebido bastante feedback positivo dos nossos seguidores. Ficamos muito contentes quando é a própria sociedade civil a discutir de uma forma profunda todos estes temas para a resolução de futuros problemas e desenvolvimento de uma sociedade mais justa, informada e qualificada para o futuro.
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