Militares russos realizam ensaio geral para o desfile do Dia da Vitória (EPA/LUSA)
João Guerreiro Rodrigues Cnnportugal.iol.pt 09/05/2024
Rússia prepara-se para celebrar o terceiro Dia da Vitória desde que começou a guerra na Ucrânia e o seu significado está a mudar diante dos nossos olhos
Para a Rússia, o dia 9 de maio é uma data complexa. O Dia da Vitória é uma data que celebra não só os sacrifícios feitos pela União Soviética no combate aos nazis, durante a Segunda Guerra Mundial, mas também serve como uma demonstração de poder militar e da grandeza da Rússia. Só que desde 2022 que os russos têm traçado a conquista de vários territórios ucranianos para coincidirem com esta data, mas Vladimir Putin não tem tido muito para apresentar ao país.
Este ano, a chefia militar russa definiu a conquista da cidade de Chasiv Yar como um dos principais objetivos para a data. Esta cidade ucraniana, vizinha de Bakhmut, está a aguentar há semanas alguns dos mais violentos bombardeamentos que atingem a linha da frente. Em abril, o próprio comandante-chefe da Ucrânia, Oleksandr, Syrskyi, admitia que a situação neste ponto da frente tinha “deteriorado significativamente”, depois de a Rússia ter definido a conquista desta cidade até ao dia 9 de maio.
O motivo era claro. Para a Rússia, esta cidade é vital para os seus objetivos na região do Donbass. Apesar de pequena, Chasiv Yar, que tinha apenas 12 mil habitantes antes da guerra começar, serve de nó logístico para o exército ucraniano na frente de Bakhmut. É a partir desta localidade que é distribuído todo o equipamento para as unidades que se encontram nesta frente.
Se a Rússia a conseguisse conquistar, colocava em causa o apoio logístico de toda a região, o que podia permitir ao exército russo aumentar a pressão nesta área. Se isso acontecer, a Rússia fica com o caminho aberto para Kostiantynivka, Druzhkivka, Kramatorsk e Sloviansk, os últimos grandes bastiões de Donetsk.
Nas últimas semanas de abril, a situação parecia mesmo ser uma possibilidade realista, com a Rússia a explorar a falta de munições antiaéreas e de artilharia ucranianas. Mas após a aprovação do pacote de ajuda militar norte-americano, os soldados ucranianos têm conseguido conter os ataques dos mais de 25 mil soldados russos que se encontram na região.
Não é a primeira vez que a Rússia estabelece metas de conquista territorial para o dia 9 de maio. Durante dez meses, Moscovo atirou tudo o que tinha para tentar conquistar a cidade de Bakhmut. Foi no início de 2023, quando o Grupo Wagner intensificou as suas operações na cidade, levando a algumas das mais sangrentas batalhas de toda a guerra, e que seriam decisivas para o desfecho de Yevgeny Prigozhin, icónico líder do grupo paramilitar. Segundo fontes ocidentais, a Rússia chegou a sofrer 60 mil baixas, entre as quais 20 mil mortos. Foi preciso esperar até ao dia 20 de maio para a cidade cair nas mãos russas.
E isso teve repercussões nas celebrações em Moscovo. Todos os anos, centenas de carros de combate desfilam nas ruas da capital. Mas, se na parada de 2022, o T-34, um icónico carro de combate muito utilizado na Segunda Guerra Mundial, foi acompanhado por vários dos mais modernos T-90 e T-14, o mesmo não aconteceu na cerimónia do ano passado. Nenhum destes modelos esteve presente, devido à intensificação do conflito. Em vez disso, o T-34 foi acompanhado por uma coluna de veículos de combate polivalentes, mas muito menos valiosos, o Tigr.
De fora ficou também a habitual passagem aérea sobre a Praça Vermelha, apesar de as previsões meteorológicas apontarem para um céu relativamente limpo sobre Moscovo.
Visíveis estiveram apenas os habituais elementos de propaganda militar russa, os lançadores de mísseis balísticos intercontinentais Yars, que fazem parte do arsenal nuclear de Moscovo, e o sistema de defesa aérea S-400, que a Rússia descreve como sendo o mecanismo mais evoluído do mundo.
Ao invés de demonstrar o seu poderio militar, numa altura difícil no campo de batalha, Vladimir Putin focou-se em apresentar-se como salvador e defensor de uma Rússia em apuros, alvo das “elites globalistas” do Ocidente. “Hoje, a civilização está novamente num ponto de rutura”, disse Putin. “Mais uma vez, foi desencadeada uma verdadeira guerra contra a nossa pátria”.
Em 2022, a expectativa era diferente. Embora não houvesse um objetivo geográfico delineado, uma vez que a Rússia ainda contava manter grande parte do território ucraniano, um medo pairava no ar. Várias fontes ocidentais temiam que o presidente russo declarasse formalmente guerra à Ucrânia a 9 de maio, decisão que permitiria a mobilização total das forças de reserva da Rússia, numa altura em que estas ainda não tinham sido convocadas.
Este ano, a expectativa mantém-se, mas com uma “conta” cada vez mais pesada para apresentar ao povo russo. Segundo o ministro das Forças Armadas do Reino Unido, Leo Docherty, a Rússia conta com mais de 450 mil baixas, entre os quais 150 mil mortos. Mas as perdas materiais também são significativas, com as fontes ocidentais a estimarem que mais de dez mil veículos blindados tenham sido destruídos pela Ucrânia.
A cada ano que passa, assistimos ao regime de Vladimir Putin a moldar um dos principais mitos coletivos russos em algo completamente diferente. “Eles transformaram este mito unificador que a Rússia tinha numa justificação para uma guerra real”, afirma Maxim Trudolyubov, um jornalista russo. “Isto virou subtilmente tudo de cabeça para baixo – transformou um culto à vitória num culto à guerra.”
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