terça-feira, 6 de abril de 2021

CARTA AO CNJF DO PAIGC versao final - 01 abril 2021

                                              


                                                  Ao

Conselho Nacional de Jurisdiçao e Fiscalizaçao do PAIGC

Att.  Cda. Presidente do CNJF, Dr, Francisco BENANTE

Bissau, 01 de abril de 2021


Com os meus respeitosos cumprimentos. 

Pela presente missiva venho levar ao vosso conhecimento alguns assuntos que pela sua gravidade devem merecer da parte do CNJF uma atenção especial, dado tratar-se de elementos de grande importância para a vida presente e futura do PAIGC.

Esta missiva dirigida â atenção do Conselho Nacional de Jurisdição e Fiscalização é fruto e consequência de uma fria e objectiva análise que levei a cabo longe de tudo e de todos, na fase pós-eleições e das ilações dela retirada.

Em primeiro lugar quero testemunhar ao CNJF todo o meu desagrado e profunda tristeza pelo facto de registar com bastante mágoa o total silêncio e desprezo de que fui alvo, sendo membro do Bureau Político reeleito pelo IX Congresso do PAIGC e do seu Secretariado Nacional, enquanto Secretário para a Comunicação, Informação e Documentção igualmente reeleito pelo Comité Central do Partido e alvo de uma campanha insidiosa (calúnias, insultos e ameaças) vindas de quase todos os quadrantes de gente ligada de uma maneira ou outra a vida do Partido e alguns até usufruindo de amizades pessoais no seio das mais altas figuras do PAIGC.

No meu modesto entender e pela larga vivência de mais de cinco décadas no seio deste nobre e grande partido de que tanto me orgulho pertencer, não mereci sequer uma defesa ou um “roga” de quem quer que seja. Antes pelo contrário, fui julgado, sacrificado na praça pública por vozes comandidatas e até por alguns dirigentes de proa que nos seus espaços nas redes sociais vilipendiaram ameaças à margem daquilo que se pode considerar minimamente toleravel ou admissivel.

Não gostar, aceitar, tolerar alguém no seio de uma equipa é uma coisa, mas também tudo na vida, quando há um mínimo de decência, ética e moral por mais que essa pessoa não mereça confiança ou simpatia ou ainda por quaisquer outras razões subjectivas em consequência dos posicionamentos que assume, tendo ou não razao, o minimo que pode esperar é que da parte dos orgãos competentes do seu partido seja ouvido e poder justificar-se, mas nunca levá-lo de forma deliberada e calculada à praça pública para um julgamento sumário, estrategicamente conduzido por conveniência, de modo a travar que, havendo motivos especiais, não ter condições mínimas para as apresentar, porque à priori  já perdeu credibilidade e moral.

Pessoalmente já vivi, enfrentei, sofri e até sobrevive a tudo quanto é possivel imaginar acontecer a uma pessoa numa sociedade que lutou para se libertar, mas que na sua prática causou danos, quiçás irreparaveis e que hoje pagamos nesta sociedade que se transformou intolerante, oportunista e até malévola, sempre e quase sempre em defesa dos interesses mesquinhos de alguém ou de grupos de interesses. O PAIGC foi e continua a ser um canteiro de todas estas experiências e vivências. O sacrificio de Amilcar Cabral traduz em síntese, as minhas preocupações e posicionamentos, mas como nao sou historiador limito-me aos factos que me concernem.

De bom militante passei a traidor pela simples razão de ser amigo do actual Presidente da República e por ter servido de intermediário a seu pedido e decisão, na sua tentativa de convidar o PAIGC a integrar o actual elenco  governativo. Também sou condenado por ter viajado com ele para o  exterior do país.

Em nenhum dos articulados dos Estatutos que regem a vida do nosso Partido vislumbro algo que possa ser conotado como a sua violação, embora certos sectores obcecados pelo  “trauma do presidencialismo” tenham assumido uma postura de guerra.

Recorde-se que quando tive o primeiro contacto com o Senhor Presidente da República e outros posteriores, nunca escondi ou escamoteei tais factos e nem tão pouco fiz isso às escondidas, já que entrei e saí do Palácio da República em pleno dia e perante os olhares de todos, porque parti do principio que esses encontros serviriam para ajudar a criar um clima de entendimento e a possibilidade do meu partido encontrar as melhores vias e estratégias para poder contornar os imensos obstáculos que tem pela frente e que só na base de um diálogo sério e não egoísta ou prepotente será possível nas circunstâncias actuais encontrar uma solução realista e digna. 

Entendi ser necessário que assumisse um posicionamento que não levasse a nenhuma espécie de dúvidas, quando comuniquei a minha decisão de a partir desse momento não tomar parte nas reuniões de qualquer um dos órgãos do PAIGC para evitar ser alvo de acusações sobre eventuais fugas de informação, aliás, prática muito corrente no seio do meu grande e histórico partido.

Quero que o CNJF faça um juizo de valor pelo facto de que não é normal tanto alarido, calúnias, insultos e difamação pelo simples facto de um cidadão nacional acompanhar o Chefe de Estado numa viagem. Convém recordar que o Presidente da República foi eleito pelo povo guineense, e assim declarado pela CNE, confirmado pelo STJ, reconhecido por todos os actores políticos e sociedade civil nacional, e ainda por toda a comunidade internacional a nível bilateral e multilateral (CEDEAO, CPLP, União Africana, União Europeia, Nações Unidas) que participou no escrutínio e considerou-o livre, justo e transparente.

Note-se que o Presidente da República, General Úmaro Sissoco Embaló é reconhecido pelo meu partido, o PAIGC, através da sua direcção e da sua bancada parlamentar através dos inúmeros encontros, reuniões, discussões e negociações ocorridas no Palácio da República, com representações ao mais alto nível do partido (Vice-Presidentes, Secretário Nacional e da Comissão Permanente). 

Se o próprio PAIGC reconhece e vai ao Presidente da República, qual é o problema dum militante do partido convidado a viajar com o Presidente da República, a título meramente pessoal?

A única pessoa que continua a não aceitar reconhecer o Presidente da República, é o Camarada Eng. Domingos Simões Pereira, Presidente do partido e candidato presidencial declarado derrotado pelos órgãos competentes, a CNE e o STJ nas Eleições Presidenciais de 2019, apesar de ter declarado inúmeras vezes que este assunto ficaria definitivamente ultrapassado logo que o STJ se pronunciasse

Quero chamar a atenção do CNJF, bem como dos dirigentes, militantes e simpatizantes do PAIGC que esta obstinação presidencial doentia é uma das causas da fragilidade política em que o meu partido se encontra. 

A agenda e ambição presidencial do Presidente do PAIGC é incompatível e contrária aos interesses do partido. 

Depois da eleições presidenciais, o partido devia voltar a focar-se no seu objectivo estatutário e programático, a governação.

De acordo com os Estatutos, o Presidente do partido é candidato ao cargo de Primeiro-Ministro.  

Ao candidatar-se à Presidência da República (sem renunciar ao cargo de Presidente do partido) e depois recusar aceitar o veredicto das urnas, arrastou o partido para um conflito que nos custou a governação, confirmando que o interesse e agenda do Presidente é contrária aos interesses do partido. Se não fosse esse conflito de interesses, hoje o PAIGC seria governo. 

O Presidente do partido não tem condições de diálogo com os partidos políticos com representação parlamentar que lhe permita encontrar uma solução governativa, mas não se demite para permitir que o partido busque uma alternativa, porque quer continuar a instrumentalizar o partido para o seu projecto presidencial, facto que se evidencia pelas suas últimas declarações, quando defende de forma inconsequente e desgastante que o actual Presidente da República ainda não foi legalmente empossado, remando assim de forma desnecessária contra a corrente na medida em que ele já exerce de facto e de jure o seu mandato e tem o reconhecimento da CEDEAO, CPLP, União Africana, União Europeia e Nações Unidas.

Por estas razões, o Presidente está também a fazer uma gestão danosa do partido e dos seus interesses. Para além desta gestão danosa, ainda temos que, em sede própria, sindicar a gestão financeira do partido que é um tabu porque nenhum dirigente tem conhecimento do paradeiro dos avultados apoios (financeiros e materiais que o partido recebeu ou tem recebido dos seus amigos e parceiros). Contudo, há provas que indiciam muito claramente perigosas violações aos artigos 140⁰ e 141⁰ dos Estatutos do PAIGC.

Sou militante e dirigente do PAIGC que sempre deu a sua cara pelo partido e pela defesa dos superiores interesses do PAIGC e por isso mesmo, reafirmo perante os dirigentes, militantes e simpatizantes que o meu compromisso é com o PAIGC, o meu partido de sempre. 

Este compromisso de décadas de fiel militância só vai terminar se expulso pela actual direcção, aliás, prática e estratégia  corrente da actual equipa dirigente como condição _sine qua non_ para se manter no poder e tentar assim, ilusoriamente, tapar o céu com as mãos.

A tão solicitada / exigida reunião dos órgãos estatutários é hoje urgentemente requerida como condição imperativa para repor a ordem, vitalidade e reorganização susceptíveis de voltar a conduzir o PAIGC ao lugar que deve ocupar no espaço político guineense.

Assim sendo, chamo respeitosamente a atenção do CNJF para os seguintes factos:

O PAIGC vive hoje um período de grande desmotivação, consequência directa dos diferentes insucessos que tem sofrido (nos tribunais, nas eleições, como causas principais) de Cacheu a esta parte. Passamos de 67 para menos de 40 deputados nestes últimos anos.  Não tem havido nem o pagamento regular dos salários e muito menos meios para permitir o normal funcionamento das estruturas com a agravante de haver dividas por pagar aos terceiros. 

O Secretariado Nacional deixou praticamente de exercer as suas competências estatutárias derivado do facto de lhe ser retirado uma grande parte das suas prerrogativas, nomeadamente o da administração politica e financeira o que o impede de poder exercer em pleno as suas tarefas, que passaram a ser em grande parte exercida pela Comissão Permanente e pelo Presidium. 

Para agravar ainda mais esta situação a batalha jurídica que se levou a cabo veio a dominar completamente a vida diária do PAIGC. Melhor afirmando, os juristas (cuja competência, profissionalismo e dedicação ímpar não se põe em causa) passaram a controlar e a exercer uma larga influência no dia-a-dia do partido, resumindo a vida do PAIGC em torno exclusivamente do seu Presidente e candidato.

O PAIGC passou a ser dirigido pelo sistema de video-conferência, não previsto nos nossos Estatutos e por uma Comissão Permanente cujo mandato já expirou com o Acordâo do STJ e que nunca funcionou com o pleno dos seus membros e cuja constituição, fere os Estatutos do PAIGC já que alguns dos seus membros não são nem do Comité Central, nem do Bureau Político. 

A inoperatividade do PAIGC acentuou-se, agravando sériamente o estado de espírito dos membros das suas estruturas aos níveis nacional, regional, sectorial e local, não só pelo facto de não haver estratégias,  mas agravadas pela falta de meios financeiros, devido à evidente incapacidade do Secretariado Nacional em suportar os salários e subsídios dos funcionários profissionais e dos demais colaboradores permanentes.

Terminado o mandato conferido pelo Bureau Político à Comissão Permanente, estando o Presidente do PAIGC fora do país há mais de um ano, excedendo os 3 meses previstos pelos Estatutos, verificando-se que o Secretariado Nacional está sem capacidade financeira (só dispõe dos recursos financeiros vindos do percentual existente de deputados pertencentes à nossa bancada parlamentar ou quando o Presidente se decide a custear algumas actividades que ele entende favorecer a sua projeccao nacional e internacional), surge a premente necessidade dos principais órgãos estatutários se reunirem no sentido de se encontrarem novas e urgentes soluções e de uma estratégia que possa contribuir para revitalizar a vida política do PAIGC, como igualmente, de poder-se bater no âmbito do novo panorama político nacional, que existe hoje de facto e de jure na Guiné-Bissau.

Os grandes erros estratégicos registados de Cacheu a esta parte e a desastrosa condução económica e financeira levada a cabo em total revelia com os nossos Estatutos são situações que devem merecer igualmente uma atenta análise do CNJF e dos nossos órgãos estatutários e de um claro e corajoso assumir de um posicionamento consequente e sempre, mas sempre, de acordo com os Estatutos do PAIGC.

No meu modesto entender e pela experiência que acumulei nestas largas décadas dedicadas ao PAIGC posso afirmar sem receio que em relação a situação interna que se vive hoje no seu seio, a ruptura interna deste grande partido está por fio. Aqui não se coloca um problema de ordem pessoal, mas sim institucional.

Esta situação, levou um grupo de quadros, altos dirigentes do PAIGC, donde se destacam figuras do Bureau Político e do Comité Central, a fazer circular uma petição (estatutariamente prevista) para reclamar a urgente necessidade dos órgãos estatutários se reunirem para de forma conjunta e responsavel encontrarmos as mais viáveis e sâs soluções que permitam ao PAIGC sair do seu actual atoleiro. 

Vou deixar bem claro, enquanto um dos principais assinantes deste petição estatutária, que nunca nos passou pela cabeça a inexistente figura do “impechement” nos Estatutos do PAIGC, figura esta utilizada de forma abusiva e incorrecta para denegrir a imagem militante e pública, acompanhadas com ameaças veladas proferidas ao mais alto nível em direcçao aos seus subscritores.

Em suma, existe já no seio dos órgãos estatutários do PAIGC um elevado número de militantes dirigentes que discordam com a forma como o Eng. Domingos Simões Pereira está a comandar o partido, somando derrotas e derrotas nas batalhas eleitorais e temem pelo colapso do nosso grande partido nas próximas eleições.

Alerto igualmente ao Conselho Nacional de Jurisdição e Fiscalização (CNJF) para a existência de gravíssimas violações aos Estatutos do PAIGC, nomeadamente, nos seus artigos concernentes ao Capitulo XIII (dos Recursos Financeiros e Patrimoniais), com particular incidência para o estatuído na Secção II (dos Recursos Patrimoniais) nos seus artigos 140º (Composição) e 141º (Administração), levados a cabo de forma abusiva e prepotente pelo Presidente do PAIGC, Eng. Domingos Simões Pereira.

Chamo a atenção do CNJF para solicitar ao Secretariado Nacional / Administração e Finanças os extractos bancários das contas do PAIGC nos bancos comerciais, onde se podem constatar as entradas e as saídas dos recursos financeiros do Partido. Outrossim, solicitar a lista dos bens materiais entrados no PAIGC, especificados no artigo 140º dos nossos Estatutos.

De igual modo e para facilitar o trabalho do CNJF solicitar informações ao Presidente do PAIGC sobe os recursos financeiros provindos dos apoios do Angola/MPLA, do Togo, Benin, Mali, Costa do Marfim (chegaram ao país em voos especiais), de uma organização marroquina (recebida e entregue em mãos directamente ao Presidente do PAIGC) e dos que recebeu via seu primo canalizados pelo ex-PM para o Presidente do PAIGC.

Solicitar às Direcções-Gerais das Alfândegas e o da Viação e Transportes a lista de todos os materiais do PAIGC (viaturas, principalmente) que entraram no país entre 2014 a 2021 e que nunca foram alvo de registos, como determinam os Estatutos nos serviçoes competentes do Secretariado Nacional.

A  terminar e por considerar ser útil e necessário para esclarecer alguns espíritos mal-intencionados, deixei de frequentar a Sede Nacional somente por razões de saúde que inclusive obrigou ao meu internamento, uma vez mais, no Hospital Principal de Dakar/Senegal por cerca de 19 dias e mais 30 dias em regime ambulatório, após o que me foi dada uma convalescença de seis meses para assim me poupar e proteger contra o surgimento de uma eventual trombo-flebite originado pela acção de um virus apelidado de isiripela, felizmente detectado e em vias de ser neutralizado com injecções de penicilina procaínica de 2,4 mgs aplicados em conformidade com uma programação de várias fases: diaria, semanal, quinzenal e mensal, num total de 6 meses após o regime ambulatório.

Em nenhum momento o partido se interessou pela  minha saúde, indo ao ponto de até me cortar, naquilo que considero como uma acção ilegal, os subsídios conferidos aos membros efectivos e eleitos do Secretariado Nacional, que considero como sendo uma decisão de pura retaliação pelas posições por mim assumidas e que aqui hoje reafirmo perante o CNJF do PAIGC, como primeiro passo para esgotar os procedimentos legais do país.

Outra falta de consideração e um acto de prepotência foi a decisão tomada de se nomear um “novo” Secretário para a Informação, Comunicação e Documentação, pomposamente anunciada de forma arbitrária e ilegal pelo próprio Presidente do PAIGC, quando ele devia saber que há critérios impostos pelos nossos Estatutos para o preenchimento desse cargo. Primeiro critério é ser-se membro do Bureau Político. Segundo critério informar-se o Presidente da proposta que deve à posteriori ser apresentada ao Comité Central para votação. Só e só o Comité Central ou o Congresso podem destituir o eleito Secretáario e nunca o Presidente...

Quero ainda comunicar ao Conselho Nacional de Jurisdição e Fiscalização de que não participarei nas reuniões dos órgãos estatutários não só por motivos de doença, como também para não ser sujeito aos esquemas de montagem tão exercitados como aplicados pelo actual PAIGC, mas estarei ao sempre e irremediavelmente ao dispor do CNJF para ajudá-lo a aplicar as medidas previstas pelos Estatutos do PAIGC. 

De contrário, utilizarei, esgotados os procedimentos internos, outros meios para repor a legalidade e o bom nome do PAIGC, partido do qual me orgulho de pertencer.

Atento e respeitosamente,

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