domingo, 1 de outubro de 2017

COOPERATIVA ‘ILHA DE PAZ’ – ESPERANÇA DE JOVENS BOLAMENSES ESTÁ ‘COXO’ E SEM APOIO DO GOVERNO

[REPORTAGEM] A Cooperativa “Ilha de Paz” de Bolama que cativava grande parte dos jovens que recorriam as suas oficinas para se formarem em diferentes cursos técnico-profissionais está numa situação lastimável. Em consequência disso a maior parte dos professores abandonou projeto.

Depois do abandono, as oficinas que ainda funcionavam a meio gás acabaram por fechar as suas portas. Na opinião de algumas pessoas que trabalhavam na cooperativa e que foram interpeladas pela repórter de O Democrata, a iniciativa que era vista como um centro de esperanças para os jovens bolamenses está ‘coxa’, porque o Estado guineense não assumiu a sua responsabilidade. Abdicou-se da sua missão com a saída dos belgas que geriam as oficinas e investiam na compra de equipamentos.

A iniciativa da criação de cooperativa para apoiar na formação técnica e profissional da comunidade bolamenses foi de um padre de nacionalidade belga. O missionário católico pertencia a uma organização da Bélgica que apoiava os povos africanos, particularmente a juventude, através de centros de formação técnico-profissionais. Foi nesse quadro que a iniciativa foi alargada também para a Burkina Faso, Mali e a Guiné-Bissau.

Dentro da cooperativa havia diferentes oficinas na área de confecção materiais que eram vendidos localmente e no exterior. Instituições públicas e privadas encomendavam materiais confeccionados na cooperativa. Havia uma oficina de carpintaria que produzia mobiliários. Havia também uma oficina naval que fazia botes de pesca e uma oficina de serralharia mecânica.



Bolama, antiga capital da administração colonial, conta com mais de dez mil habitantes, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2009. A cidade de Bolama fica a 22 milhas da capital Bissau.

VICTOR CAMARÁ: ‘COOPERATIVA FAZIA CONSTRUÇÃO DE BOTES E CANOAS DE PESCA. PARAMOS POR FALTA DE MEIOS’

O responsável da antiga Cooperativa “Ilha de Paz” de Bolama, Victor Camará, explicou durante a entrevista exclusiva a O Democrata que a fundação da cooperativa foi uma iniciativa de uma organização belga, em 1986. Nos primeiros anos, a Cooperativa tinha um centro de formação em diferentes áreas, desde a carpintaria e produzia mobiliários. Tinha ainda uma oficina naval de pesca e uma de serralharia mecânica.

No âmbito dessa dinâmica inicial, os professores das diferentes oficinas recebiam formações de reciclagem que lhes permitiam ter mais capacidade e criatividade para a confecção de seus produtos. Lembrou que depois de 24 anos da gestão da cooperativa, os gestores resolveram entregar a cooperativa aos nacionais (filhos de Bolama). Passou logo a ter uma gerência autónoma.

“O edifício era da administração colonial e pertencia à empresa Gouveia, que exercia atividades comerciais de compra de ‘carus’, coconotes, mancara e outros produtos locais. Depois o edifício foi transformado em aquartelamento militar do exército português até aos anos setenta. Depois da independência, os dirigentes nacionais mantiveram-no como aquartelamento. Mais tarde foi abondado. Foi a partir desse momento que foi aproveitado para instalar a cooperativa com o aval das autoridades nacionais”, notou.

Conta, no entanto, que a iniciativa do missionário belga era ajudar a juventude local a ser independente bem como dotá-la de ferramentas, em matéria de cursos técnico-profissionais, que lhe permitisse ganhar a vida para a sua auto-suficiência alimentar.

Segundo Victor Camará, inicialmente os formadores recrutados para ministrar diferentes oficinas criadas na cooperativa eram os antigos carpinteiros do período colonial. Foram submetidos a formações de reciclagem para a construção de botes. Os responsáveis recorreram a especialistas estrangeiros.

Em relação ao setor das pescas, Victor Camará explica que ações da cooperativa não se limitavam apenas à cidade de Bolama. O projeto foi alargado as outras ilhas e, sobretudo para a ilha de Orango e Canhabaque.

Lembrou, neste sentido, que a oficina naval fabricava botes e canoas de pesca que eram vendidos aos jovens pescadores e isso rendia alguma coisa aos bolsos dos jovens bolamenses do ramo das pescas.

Para o efeito tinha sido montada uma Câmara Frigorífica para ajudar os pescadores a conservar o pescado. Assegurou que a iniciativa ajudava também aos pescadores de outras ilhas no armazenamento de gelo para a conservação do pescado.

“Construíamos canoas em madeira, mesas, cadeiras, entre outros. O tempo para a construção de uma canoa era de três meses, porque exigia muita técnica e profissionalismo. É importante ter materiais de qualidade, mas custava-nos muito caro. Era o caso de pregos a prova da água salgada. Cada quilograma custava cinco mil francos Cfa. Varões carbonizados e tábuas de cinco metros e quarenta centímetros de lado custavam aproximadamente vinte e cinco mil franco cfa . O pior é que havia materiais, como de serra-fitas e pregos cavarnizados que só podíamos encontrar no estrangeiro, no Senegal e na Gâmbia. Comprávamos tudo isso no SunnuKer, mas como o supermercado deixou depois de vender esses materiais resolvemos ir para exterior. Tudo isso motivou a venda de canoas a um preço estimado em mais de sete milhões de francos Cfa. Portanto, é para ter a ideia de como era difícil operar nesse setor. Vendemos canoas a esse preço  para tirarmos lucros, ou seja, o rendimento  de três meses que as pessoas levam na construção de canoas, mão-de-obra e compra de materiais”, informou.

Victor Camará, um dos antigos carpinteiros com mais de trinta anos de experiência, contou à repórter que podiam fazer vários estilos de canoas de pesca e de transporte de pessoas com diferentes tamanhos, mas a falta de poder de compra das pessoas que solicitavam o seu serviço a limitou a sua capacidade de produção.

“Nós exigíamos às pessoas que era obrigatório fazer a manutenção de canoas de seis em seis meses e a maioria cumpria. Mas outras não. Preferiam pagar um preço barato para a manutenção. Muitos recorriam às canoas construídas pelos `Nhomincas senegaleses que têm pouca qualidade em relação às canoas que construíamos aqui”, referiu o professor de carpintaria, para de seguida recordar que um dos exemplos de canoas frágeis construídas pelos Nhomincas é a canoa Quínara II que naufragou por causa de furos, em Dezembro de 2012, ceifando a vida de dezenas de pessoas.

“A primeira canoa que construímos foi em 2003 e a última foi em 2012, mas o fraco poder de compra limitou todo o mundo. E às vezes trabalhávamos apenas quando recebíamos solicitações”, disse.

Neste momento quase todos os serviços de diferentes oficinas da cooperativa estão todos encerrados por falta de meios. A única oficina que funciona é a de carpintaria, mas também com muita deficiência. Já não tem a capacidade técnica e financeira de fazer grandes trabalhos, por isso a maioria dos funcionários acabou por deixar a cooperativa para ganhar a vida noutros setores de maior rendimento económico.

“Para se conseguir a madeira aqui neste momento tem que se deslocar para a capital Bissau, porque a maioria das serrações ficam nas regiões de Oio, Bafatá e Gabú. Cada vez torna-se muito mais difícil, porque agora não temos a capacidade de fazer grandes encomendas como fazíamos antigamente”, reconhece.

Assegurou ainda que têm máquinas para fazer diversos trabalhos, mas lamenta que a única dificuldade tem a ver com a falta de materiais bem como de compradores que poderiam solicitar grandes serviços. Todavia diz que estavam com a esperança quando as autoridades nacionais anunciaram recentemente que as madeiras confiscadas seriam vendidas no mercado nacional. Esperançados na medida em que poderiam comprar madeira para fazer pequenos trabalhos que lhes permitissem ganhar alguma coisa.

“Agora os populares recorrem a Bissau para comprar os seus mobiliários, porque já não conseguimos produzir para vender. Nos últimos tempos não aceitamos solicitações, dado que temos dificuldades de encontrar a matéria-prima e materiais suficientes para fazer trabalhos de qualidade”, notou.

Revelou, contudo, que depois de recorrerem ao delegado da floresta local  conseguiram fazer pequenos trabalhos  com os troncos de madeira de árvores caídas.

“Tínhamos um compromisso para a construção de carteiras para a escola Católica desde o passado mês de Março, mas não conseguimos por causa de falta de madeiras. Este apoio de floresta permitiu-nos fazer alguns trabalhos. Se não trabalhamos não conseguimos rendimento. As pessoas ficam meses e meses sem salário ou subsídio e a luta pela sobrevivência é diária”, lamentou.

Relativamente à situação de sobrevivência na ilha, Victor Camará disse que o isolamento da ilha que carece de tudo e mais alguma coisa, não permite a nenhum chefe de família estar à vontade e muito menos ganhar a coragem de enviar o seu filho para a capital Bissau, a fim de prosseguir os estudos nas universidades, o que exige muitos meios, em particular os meios financeiros para pagar as despesas de transporte, alimentação e livros.

“Se não tiver alguém em Bissau, como um familiar muito próximo, é difícil mandar um filho estudar na capital. Mesmo se insistirmos, mais tarde o menino acaba por voltar à ilha sem concluir o ensino superior, por causa das dificuldades. Os pais são desempregados que apenas se preocupam em conseguir o almoço de cada dia,”, observou o velho carpinteiro.

“Viver em Bolama é muito difícil, mas como já temos raízes aqui não é fácil abandonar tudo, mulher, filhos, casa e amigos. O meu filho pediu-me que quer fazer enfermagem, mas como não tenho meios para sustentar o curso em Bissau, obriguei-o a tirar o curso do professor, na escola Amílcar Cabral de Bolama”, detalhou.

Neste particular explicou que, desde a partida dos belgas que geriam a cooperativa, passou a trabalhar por conta própria, e que jamais recebeu apoio tanto das autoridades guineenses nem de instituições públicas ou privadas.

“Ganhamos o que produzimos e a grande a verdade é que já não temos a capacidade financeira para a aquisição de materiais em grande quantidade. Tínhamos muitos alunos e agora restaram apenas seis que estão a aprender na seção de carpintaria. A maioria fugiu para a capital à procura de melhores condições de vida”, contou emocionalmente. 

Por: Epifania Mendonça
Foto: E. M
agosto de 2017
OdemocrataGB

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