sábado, 20 de abril de 2013

Narco-terrorismo : Sinais que Bissau foi preferindo ignorar

                                   

Por: Nelson Herbert*
Em Julho de 2009, o narcotraficante Jesus Eduardo Valencia Arbelaez, conhecido pelo seu pioneirismo na exploração das rotas africanas para a introdução da cocaína nos mercados europeus e americano, era detido, em Bucareste, Roménia.
Numa operação que contou com a cooperação e o envolvimento de instituições policiais da Roménia, dos Estados Unidos, da Republica Dominicana, do Togo e Serra Leoa, Valencia-Arbelaez líder da “Organização”, cartel da cocaína com raízes na Colômbia e na Venezuela encontrava-se na capital romena para avaliar com a máfia local e as redes do tráfico de droga, a expansão das operações do narcotráfico na África Ocidental.
No âmbito da operação “Bucareste“ dois outros cabecilhas da “Organização “, Geraldo Quintana Perez e Harvey Steven Perez, influentes elementos de ligação com a parceria oeste africana do tráfico de cocaína, detidos na Serra Leoa por essa mesma altura, seriam transferidos para a custódia das autoridades americanas.
Uma lista, no entanto, engrossada meses depois, com as detenções de Javier Caro e Silva Jaramillo, respectivamente no Togo e na República Dominicana.
Extraditado para os Estados Unidos, Valencia-Arbelaez, sob a acusação de conspiração para a introdução de cocaína no mercado dos Estados Unidos, viria em Abril de 2010 a ser condenado por um tribunal do Distrito Sul de Nova Iorque, por sinal o mesmo do “ Caso Bubo Na Tchuto”, a uma pena de 17 anos e meio de prisão.
Diga-se, entretanto, um processo em que a cooperação deste barão da cocaína com as autoridades policiais nacionais, funcionaria como atenuante, justificando por conseguinte esta condescendência da justiça norte-americana, paradoxalmente conhecida por ter uma “mão pesada” perante casos criminais do género.
Basta aqui recordar que por um crime idêntico, a ser provado perante o tribunal, o antigo chefe da armada guineense, Bubo Na Tchuto recentemente detido nas águas internacionais, por agentes da Agencia dos Estados de Combate ao Narcotráfico, DEA, incorre da pena de prisão perpétua.
Criminalistas contactados a propósito, dão como provável, entalado entre as garras da justiça norte-americana, do jeito em que Bubo Na Tchuto, Mamadi Mane e os demais guineenses detidos, se encontram, que a estratégia da defesa desses arguidos guineenses possa ter que passar pela colaboração destes com os tribunais, através da entrega de bandeja do que ainda resta de protagonistas do trafico da cocaína na Guiné-Bissau.
Verdade ou não o certo é que com a detenção dos cabecilhas da “Organização” em Abril de 2010 e a consequente colaboração com as autoridades policiais, os Estados Unidos não só conseguem o desmantelamento daquele cartel narcotraficante como penetram os meandros do “Modus Operandi” das rotas do narcotráfico entre a América do Sul e a África Ocidental.
Daí a operação do fecho ao cerco a parceria sub-regional africana do narcotráfico, foi apenas um compasso de espera. Sinais que entretanto Bissau foi preferindo ignorar!
Lista negra de narcotraficantes
Seria pois no rescaldo da operação de desmantelamento da “Organização” e curiosamente coincidindo com a condenação de Valencia-Arbelaez por um tribunal distrital de Nova Iorque, em Abril de 2010, que os chefes de estado da armada e da força aérea guineenses, respectivamente Bubo Na Tchuto e Ibrahima Papa Câmara passam a figurar da lista de Washington, de barões da droga.
A tal lista negra de “má memoria” que o então presidente Malam Bacai Sanha, e o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, preferem em Outubro de 2010, não levar em conta na controversa decisão de recondução do contra almirante Bubo Na Tchuto na chefia do Estado-Maior da Armada bissau-guineense.
Recorde-se que já por essa altura, Washington vinha dando mostras de abertura na cooperação com as autoridades judiciais guineenses particularmente na investigação de casos pendentes da justiça nacional, nomeadamente os assassinatos em Marco de 2009, do então chefe de estado-maior das Forcas Armadas guineenses, Tagma Na Waye, um episódio, fazendo fé nas teses dos norte-americanos, com indícios de envolvimento de células narco-terrorista e do então chefe de estado guineense, Nino Vieira.
A par dos dois oficiais militares bissau-guineenses, Ousmane Conte, filho do ex-presidente conacri-guineense, Lassana Conte integra por essa mesma ocasião, o trio de cidadãos oeste -africanos da lista negra de Washington.
                                 

                                           Ousmane Conte, filho do ex-presidente conacri-guineense, Lassana Conte
Com conhecidas ligações ao narcotráfico na sub-região, facto que chegou inclusive e publicamente em tempos a admitir, sob Ousmane Conte recaem fortes suspeitas, de ter contribuído financeiramente para a campanha presidencial que em 2005 reconduziria, após seis anos de exílio em Portugal, Nino Vieira ao poder na Guiné-Bissau.
Aliás acredita-se que tenha sido através da intermediação desta controversa figura conacri-guineense, que surgiram os primeiros contactos entre a organização de Valencia-Arbelaez e o grupo que viria a se constituir na parceria bissau-guineense do trafico da cocaína naquela sub-região africana.
“Organização” de tentáculos multidireccionais
Com raízes na Colômbia e na Venezuela e ramificações operativas na Bolívia, Espanha, Holanda, Chipre, Estados Unidos, além da Serra Leoa, Mauritânia, Mali e a Guiné-Conacri, este último país, que se acredita ter servido de porta de entrada da
“ Organização” na Guiné-Bissau, Valencia-Arbelaez foi pois o líder de uma sofisticada organização de tráfico internacional de cocaína, que elegeu os corredores aéreos entre a América do Sul e a África Ocidental, fora do alcance dos radares, no negócio da cocaína, que teria por mercado a Europa, os Estados Unidos e o Canadá.
Infiltrada, desde Setembro de 2007, por agentes da Agência dos Estados Unidos de Combate à Droga, DEA, remonta a esse período os primeiros contactos da organização com potenciais fornecedores de aviões cargueiros destinados ao transporte da droga para a África Ocidental.
               

                                         Avião-executivo Gulstream retido em Julho de 2008 no aeroporto de Bissau
Por essa altura, começaram a ser visíveis os primeiros indícios  da conivência  entre os intermediários da organização do narcotraficante colombiano, cuja presença e amiúde vezes referenciada na sub-região, a sectores militares e do poder, particularmente  na Guiné-Conacri e  Guiné-Bissau.
Deste narcotraficante e ainda conhecido a particularidade de andar munido de um mapa da África Ocidental, que exibia sempre e quando fossem necessárias orientações precisas aos pilotos das aeronaves, sobre o ponto exacto do destino da carga, algures na sub-região africana.
Arbelaez vangloriava-se por outro lado do privilégio que as suas aeronaves, gozavam nos aeródromos militares da Guiné-Conacri. Durante o julgamento do caso em Nova Iorque, das gravações áudio e vídeo conseguidas por agentes encobertos da DEA ficou-se, igualmente, a saber dos contornos de um plano de aquisição de um aeroporto privado naquele pais africano pela “Organização”.
Um negócio que a ser consumado, facilitaria o fluxo da cocaína directamente da selva sul-americana para a África Ocidental.
Comité do Senado americano dá luz verde à operação
Em Maio de 2012, um mês depois do golpe militar que se seguiu a controversa gerada pelas eleições presidências na Guiné-Bissau e pela presença de forças angolanas da Missang no pais, o Comité do Senado para o Controlo Internacional de Narcóticos, reúne-se em Washington com a “ Ameaça do Narcotráfico na África Ocidental” na agenda.
Chamados a testemunhar, as distintas agências dos Estados Unidos de combate a narcóticos, munidas de informações privilegiadas, traçam um quadro negro da
(in) viabilidade de alguns estados africanos da região, de instituições infiltradas pelas redes da cocaína, estas com vínculos ao extremismo islâmico.
A África Ocidental muito mais que um simples corredor da droga proveniente da América do Sul com destino a Europa e aos Estados Unidos tinha-se transformado num palco de alianças espúrias entre o narcotráfico e o extremismo islâmico,com os grupos islâmicos radicais  a chamarem a si a responsabilidade de protecção das rotas da cocaína.
“Estamos profundamente preocupados com a situação devido ao pernicioso efeito do tráfico da droga na região e suas conexões as actividades criminais e terroristas no mundo “ alertou na altura William Wechesler, assistente do secretário da defesa norte-americano para o combate aos narcotráficos e as ameaças globais.
Para Washington, o tráfico de droga na África Ocidental assumia-se, cada vez mais “como o sintoma visível de uma doença bem mais grave e desestabilizadora que, lentamente mas de forma progressiva, ia afectando o tecido o tecido social , a estabilidade e as próprias instituições dos estados na região e por tabela, os interesses americanos”.
E a experiência da Guiné-Bissau vem a baila. A infiltração das redes do narcotráfico em varias esferas de governação e das instituições castrenses, com reflexos na paralisação das instituições do Estado naquele país lusófono e evocado como um caso ilustrativo da real dimensão da problemática do narcotráfico na sub-região africana.
Referindo-se aos contornos “endémicos” do tráfico da cocaína na Guiné-Bissau, Johnnie Carson, assistente do secretário de Estado norte-americano chega na altura a indiciar a elite política e militar do país, na sua maioria, de conivência com as redes do narcotráfico.
Durante as audiências a presença de intermediários das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, FARC naquela sub-região africana, isto com base em informações colhidas por agentes policiais norte-americanos infiltrados nas redes da droga, e referida pela primeira vez.
Em causa o interesse da guerrilha colombiana na aquisição dos sofisticados mísseis portáteis terra-ar, por sinal referenciados no arsenal militar das Forças Armadas guineense
Sobre os mísseis portáteis terra-ar sublinhe-se o facto de recentemente o general John Kelly comandante do Comando Militar-Sul norte-americano, ter assegurado perante o Comité do Senado das Forças Armadas estarem as FARC munidas de sistemas portáteis de mísseis terra-ar supostamente adquiridas graças a conexão entre oficiais militares oeste africano e o narcotráfico.
Alegações que Bogotá, através do seu ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzon; e do chefe de Estado-Maior das Forças Armadas colombianas, o general Alejandro Navas, prontificou a desdramatizar.
Pinzon admitiu entretanto a captura em tempos e durante uma incursão militar das forças governamentais daquele país sul-americano contra bases da guerrilha na selva amazónica colombiana, de dois sistemas antiaéreos portáteis, do tipo Strella.
Inoperacional e em avançado estado de degradação Bogotá chegou inclusive a aventar a necessidade de um aprofundamento das investigações para apurar a potencial proveniência de tais armamentos.
Enquanto isso, a possibilidade dos mísseis em questão, caírem nas mãos dos rebeldes e serem utilizados contra helicópteros e aviões caças americanos em apoio as Forças Armadas colombianas envolvidas na ofensiva contra posições rebeldes na Colômbia, adensavam as apreensões de Washington.
A margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Outubro de 2012 e na fase derradeira das investigações do caso António Indjai/Bubo Na Tchuto e numa altura em que os protagonismos do eixo da cocaína na Guiné-Bissau, estariam já identificados, emissários do departamento de estado norte-americano, reúnem-se em Nova Iorque com o presidente interino Serifo Nhamadjo.
A Nhamadjo foi transmitida as preocupações de Washington face ao crescendo do narcotráfico na Guiné-Bissau e a descarada envolvência de sectores das instituições castrenses e governamentais guineenses no tráfico.
De Bissau os norte-americanos pretendiam o aval da presidência de transição para a utilização dos sofisticados “Drones” , na monitorização e combate das rotas do narcotráfico na sub-região .
Diga-se uma espécie de “alibi” de que aparentemente o presidente interino poderá se valer, para tentar sacudir os indícios de uma alegada conivência na conspiração narco-terrorista de Indjai, Na Tchuto e comanditas. Haver vamos!

*Especial Semanário Angolense

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