sábado, 30 de dezembro de 2023
Transições para regimes civis marcam calendário eleitoral em África
© iStock
POR LUSA 30/12/23
Um conjunto de 17 países da África Subsariana tem eleições agendadas para 2024, onze dos quais para escolher o seu chefe de Estado e, entre estes, quase metade concluindo processos de transições iniciados por golpes de Estado recentes.
Na região do Sahel, Mali e Burkina Faso, assim como, na África Central, o Chade comprometeram-se a devolver em 2024 o poder a governos civis eleitos, mas esses compromissos podem mais uma vez ser adiados e a lista dos pleitos eleitorais organizada todos os anos pelo Electoral Institute for Sustainable Democracy in Africa (EISA, com sede em Joanesburgo) voltar a pecar por excesso novamente no ano que entra.
No Mali, por exemplo, o Governo militar liderado pelo coronel Assimi Goïta anunciou em setembro o "ligeiro" adiamento das eleições presidenciais marcadas para fevereiro, porque não conseguiu ainda concluir o recenseamento eleitoral e adotar uma nova Constituição.
Não só não foi anunciada uma nova data para a conclusão do processo no Mali, como a pressão das sanções impostas ao país pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) começa a apresentar fissuras, como demonstram declarações recentes do Presidente do Benim, Patrice Talon, que pretende "restabelecer rapidamente as relações" entre o seu país e os vizinhos que sofreram golpes de Estado.
Dos 15 países membros da CEDEAO, quatro são atualmente governados por militares, que chegaram ao poder através de golpes de Estado nos últimos anos: Mali (2021), Guiné-Conacri (2021), Burkina Faso (2022) e Níger (2023).
As sanções impostas pela comunidade regional aos regimes golpistas tiveram consequências económicas graves também nos países vizinhos, que começam a querer libertar-se desse espartilho, oferecendo margem política a regimes militares, protagonistas de profundas mudanças geopolíticas na região, nomeadamente de alinhamentos internacionais que determinaram a expulsão da presença militar e política de França -- antiga potência colonial --, mas também europeia e das Nações Unidas, abrindo as portas à entrada da Rússia no Sahel.
No Chade, outro país com forte influência de Paris, o general Mahamat Déby Itno, filho do ditador Idriss Déby, a quem sucedeu no poder após a sua morte em abril de 2021, aprovou recentemente em referendo uma nova Constituição, mas tem outros problemas -- e portanto outros argumentos -- que podem levar a um adiamento das eleições, previstas para outubro de 2024.
Mahamat chegou a dizer que não concorreria às presidenciais, mas pode vir a esquecer-se da promessa, até porque a nova Constituição lhe abre o caminho, ao baixar para os 35 anos -- contra 45 anos até agora - a idade mínima obrigatória dos candidatos ao cargo.
Entre a África lusófona, Moçambique tem eleições presidenciais e legislativas previstas para 09 de outubro de 2024. O partido no poder, a Frelimo, ainda não começou a discutir quem apresentará como candidato à sucessão do Presidente Filipe Nyusi, que conclui o seu segundo mandato, afirmando apenas que essa figura terá que "estar à altura dos problemas" que o país enfrenta.
Cabo Verde tem eleições locais previstas para 2024, mas não tem ainda data marcada para a sua realização, que pode ocorrer entre setembro e novembro.
Na Guiné-Bissau, o Presidente Umaro Sissoco Embaló assumiu funções no dia 27 de fevereiro de 2020, completando cinco anos no poder em 27 de fevereiro de 2025, pelo que não está inteiramente excluída a hipótese do país ir a eleições ainda em 2024, de acordo com juristas guineenses.
No Senegal, país com fronteira com a Guiné-Bissau, as presidenciais agendadas para fevereiro de 2024, que resultarão na substituição do Presidente Macky Sal, ameaçam perturbar a estabilidade do país, onde o poder tudo tem feito para impedir a candidatura da principal figura da oposição, Ousmane Sonko, líder do Patriotas do Senegal para o Trabalho, a Ética e a Fraternidade (Pastef).
Mais pacífica deverá ser a reeleição de Paul Kagame no Ruanda em julho do próximo ano. O líder da Frente Patriótica do Ruanda, atualmente com 66 anos, está à frente do país dos Grandes Lagos desde o genocídio em 1994, mas foi reconduzido no poder com mais de 90% dos votos em eleições sucessivas em 2003, 2010 e 2017. Concorre agora a um quarto mandato.
Salva Kiir Mayardit, Presidente do Sudão do Sul desde o nascimento do país em 2011 concorre à sua reeleição em eleições onde não deverá enfrentar concorrência.
Mais interessante poderá ser o comportamento do histórico ANC (Congresso Nacional Africano, na sigla em inglês) na África do Sul, que enfrenta legislativas em maio, ainda que ninguém aposte no regresso da oposição branca da Aliança Democrática ao poder.
Foto do Dia!
Primeiro Ministro Rui Duarte de Barros, preside cerimónia do fecho de Mar e repouso biológico
África do Sul acusa Israel de genocídio no Tribunal de Haia
© Lusa
POR LUSA
A África do Sul acusou formalmente Israel de crimes de genocídio no enclave palestiniano de Gaza junto do Tribunal Internacional de Justiça (ICJ, na sigla em inglês), o principal órgão judicial da ONU, em Haia.
Em comunicado, o Governo de Pretória adiantou que um pedido nesse sentido instaurando um processo contra Israel foi apresentado hoje no ICJ relativamente a alegadas violações por parte de Israel das suas obrigações ao abrigo da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (a "Convenção do Genocídio") em relação aos palestinianos na Faixa de Gaza.
"O Executivo ordenou que o Tribunal Internacional de Justiça em Haia fosse abordado para obter uma ordem ordenando a Israel, que também é um Estado membro, que se abstenha de quaisquer atos que possam constituir genocídio ou crimes relacionados sob a Convenção", salientou o Ministério dos Negócios Estrangeiros da África do Sul (DIRCO) no comunicado a que a Lusa teve acesso.
"Um pedido a este respeito foi apresentado ao Tribunal em 29 de dezembro de 2023, no qual o Tribunal é solicitado a declarar com urgência que Israel está a violar as suas obrigações nos termos da Convenção do Genocídio, deve cessar imediatamente todos os atos e medidas em violação dessas obrigações e tomar uma série de ações relacionadas", adiantou.
Pretória sublinhou que a África do Sul "está obrigada pelo tratado a prevenir a ocorrência de genocídio" na qualidade de signatária da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio.
O Governo do Presidente Cyril Ramaphosa, que é também presidente do partido Congresso Nacional Africano (ANC), no poder desde 1994 e antigo aliado da Autoridade Palestiniana e do movimento armado Hamas, frisou que Pretória "está seriamente preocupada com a situação dos civis apanhados nos atuais ataques israelitas à Faixa de Gaza devido ao uso indiscriminado da força e à remoção forçada de habitantes".
"Além disso, existem informações constantes sobre a prática de crimes internacionais, tais como crimes contra a humanidade e crimes de guerra, bem como de que atos que atingem o limiar do genocídio ou crimes conexos, tal como definidos na Convenção para a Prevenção e Punição do Genocídio de 1948, foram e podem ainda estar a ser cometidos no contexto dos massacres em curso em Gaza", segundo o comunicado do governo sul-africano.
Na nota, a África do Sul sublinha também que "declarou repetidamente que condena toda a violência e ataques contra todos os civis, incluindo israelitas".
Em comunicado, a que a Lusa teve acesso, o Tribunal judicial da ONU em Haia explicou que "o requerente [República da África do Sul] afirma ainda que "Israel, desde 7 de outubro de 2023 em particular, não conseguiu prevenir o genocídio e não conseguiu processar o incitamento direto e público ao genocídio" e que "Israel se envolveu, está envolvido e corre o risco de se envolver ainda mais em atos genocidas" contra o povo palestiniano em Gaza.