09/01/2021 / Jornal Odemocrata
[REPORTAGEM] O Bairro de Ajuda foi o grande vencedor da primeira edição do campeonato de bairro mais limpo da capital Bissau, uma iniciativa do “Homem Novo” financiada pela ONU habitat, em colaboração com o governo da Guiné-Bissau. Segundo os mentores, o objetivo era promover a limpeza nos bairros, arborização e manutenção dos bens comunitários. Bairro de Ajuda conseguiu vencer com 18 pontos, em sete jogos, tendo sofrido apenas uma derrota frente ao Bairro de Bandim. Apesar de ter a mesma pontuação com o Bairro de Bôr, que também teve apenas uma derrota, de acordo uma fonte, os jurados decidiram dar vantagem ao bairro de Ajuda por ter vencido Bôr no confronto direto e por ter mais pontuação nas tarefas de limpeza.
Na segunda posição figura Bôr. Também teve 18 pontos em sete embates e perdeu um confronto a favor de bairro de Ajuda. Pefine ficou na terceira posição, com três derrotas em sete jogos. Participaram na primeira edição do campeonato do bairro mais limpo de Bissau os seguintes bairros: Pefine, Antula, Bandim, Bôr, Bairro Militar, Bairro de Ajuda, Chão de Papel e Míssira.
O campeonato teve início no dia 10 de outubro e terminou no dia 22 de dezembro de 2020. O jornal O Democrata apurou de uma fonte da organização que todas as equipas participantes realizaram sete jogos, no sistema um contra todos. Segundo a comissão organizadora, o prémio previsto para o primeiro lugar é um milhão e meio de francos CFA, para o segundo um milhão e trezentos francos CFA e terceiro receberá um milhão de francos CFA.
Para realização do campeonato, a equipa da comissão mobilizou para cada grupo concorrentes 25 garfos, 25 pás, dois baiões de água, 25 pares de luvas, uma careta e 25 litros de lixivia.
Em reação à iniciativa, os grupos pediram a intervenção da Câmara Municipal para a retirada de lixos. Exortaram o governo a criar parcerias com organizações particulares que intervêm no domínio de saneamento básico para que possam trabalhar em conjunto com as associações dos bairros e, consequentemente,chegar onde o Estado ou ações do governo não conseguem chegar.
Em entrevista exclusiva ao semanário O Democrata, o coordenador da equipa do Bairro de Ajuda, Dautarim Gomes, assegurou que a prémio será gerido pela associação dos moradores e amigos do bairro, porque “entramos no campeonato como moradores voluntários, por isso seria necessário que aassociação gerisse esse fundo para que possamos ter um projeto que inclua todas as necessidades prioritárias do bairro”.
“Não foram apenas os moradores do bairro de Ajuda que trabalharam para esta vitória. Tivemos também apoios de outros bairros simpatizantes”, precisou e disse que chegaram a ter uma média de 400 voluntários em todos os sete jogos.
De acordo com Dautarim Gomes, a proeza deve-se também ao facto de terem realizado palestras com crianças, adultos e jovens sobre a necessidade do saneamento básico dos seus bairros e como lidar e separar os lixos. O que para o ativista “tem gerado mudanças de comportamento no seio da sua comunidade”.
“Ultimamente tem sido raras as pessoas deitarem lixos no chão, procuram sempre pô-los nos recipientes colocados nas ruas”, frisou.
Dautarim Gomes referiu que a retirada dos lixos foi um esforço próprio dos moradores, que alugaram viaturas para evacuá-los no vazadouro de Safim, porque a Câmara Municipal de Bissau já não estava a conseguir cobrir o volume do lixo que estava a ser retirado dos bairros, durante o período da vigência do campeonato. O que algumas vezes os tem deixado impotentes perante outros moradores que ainda tinham dificuldades de lidar e tratar o lixo, porque ”não têm lugares apropriados, tanto para amontoá-lo como para retirá-lo dos bairros”.
“Mesmo que quiséssemos exigir às pessoas que não deitassem lixos nos espaços públicos ou fora dos recipientes não poderíamos, porque às vezes não têm como lidar com lixos, a Camará não retira os lixos dos bairros por falta de meios suficientes para cobrir todas as exigências”, disse.
Neste sentido, pediu a intervenção do governo para criar ascondições para retirar os lixos dos bairros e garantir que as comunidades e/ou bairros sejam limpos e, consequentemente, o país também. Contou, na entrevista, que o grupo conseguiu retirar lixos que estavam amontoados há quinze anos em diferentes artérias daquele bairro.
Preocupado com a situação, Dautarim pediu mais envolvimento dos bairros na mudança de comportamento e de mentalidade, para que possam garantir uma vida comunitária sã através de suas ações.
De acordo com o ativista, na sequência desse campeonato, a sua equipa plantou, no bairro de Ajuda, mais de cem árvores de dez espécies diferentes, sob orientação das pessoas ligadas a área.
Revelou que durante o campeonato tiveram uma despesa que ronda os cinco milhões, tudo resultado da contribuição dos moradores e amigos de bairro ajuda.
ADMIR CARVALHO: “PREMIAÇÃO SERÁ ENTREGUE MEDIANTE UM PROJETO SUPERVISIONADO”
Entrevistado pela repórter de O Democrata, o coordenador da equipa do Bairro de Bôr (segundo classificado), Admir Gomes de Carvalho, revelou que, inicialmente, tinham concorrido 25 bairros da capital Bissau, mas apenas 08 conseguiram passar nos critérios estabelecidos pelos organizadores.
“Tiveram apenas uma derrota na quinta jornada frente ao bairro de Ajuda, e terminamos o campeonato com 18 pontos”, disse.
Admir frisou que o valor monetário em premiação não compensará as despesas feitas durante as disputas, tendo avançado que o grupo gastou quase oitocentos mil (800.000) francos CFA, um montante que os permitiu que construíssem casas de banhos públicos, enfeites e pinturas nas ruas, refeições para voluntários, aquisição de água, aluguer de carros para retirada dos lixos. Tiveram em conta os parcos meios da Câmara Municipal para conseguir retirar lixos todos dias dos bairros.
“Antes de partimos para o campeonato, envolvemos todas as organizações, bancadas e casas e explicamos o nosso objetivo.Isso deu-nos uma grande vantagem em relação aos outros bairros concorrentes. O facto de sermos um bairro novo ajudou também em termos organização interna”, indicou.
Explicou que durante os jogos o seu bairro, sendo um dos bairros mais novos da capital, não enfrentou grandes problemas em termos da organização, por isso conseguiu mobilizar quase todo o bairro e alguns bairros arredores, que os apoiaram.
“Participavam mais de duzentos moradores voluntários e dividíamos as tarefas, porque um jogo durava 10 horas”, assinalou. Admir Gomes de Carvalho revelou neste particular que, graças à união de todos os moradores e dos bairros simpatizantes, o bairro construiu, de raiz, mais de dez casas de banho, entre públicas e privadas (de notar que algumas habitaçõesnão tinham casas de banho). Tudo isso, segundo Admir, é o esforço dos moradores que também contribuíram financeiramente para colocar a sua equipa na posição que ficou.
Contou que o jogo não se limitava apenas à limpeza dos bairros e que havia mais tarefas, com mais pontuações exigidas pela comissão, nomeadamente: a limpeza, a arborização, a reciclagem de lixo, as pinturas de murais com mensagens sobre saneamento básico e de luta contra a Covid-19, a construção de casas de banhos públicas, a separação de lixos, a colocação de postes de lavagem das mãos, a organização dos mercados e o envolvimento dos moradores.
Para Admir, a comunidade de Bôr participou no jogo de forma positiva, porque participou em massa, nas limpezas e porque também se verificou-se uma mudança de mentalidade e comportamento sobre lixos que dantes eram jogados nas estradas e em lugares públicos.
E disse que graças à sensibilização desencadeada, os moradores passaram a tratar devidamente o lixo e a colocá-lo nos recipientes colocados nas artérias e na berma da estrada.
“Temos uma equipa que está a enfeitar as ruas com lixoreciclado”, realçou e afirmou que Bôr participou no campeonato com o tema: “Nó transforma lixo no luxo”, tendo convidado os moradores a darem seguimento dos trabalhos de limpeza e manutenção dos bens públicos, de forma a ter uma comunidade limpa, sã e unida.
Disse também que receberam formação sobre a forma de separação de lixos e arborização, que foi partilhada com outros moradores.
Relativamente à operação de limpeza, o ativista disse queenfrentam grandes dificuldades em termos de retirada de lixos, porque a Câmara Municipal de Bissau retirou lixou, no período do campeonato, apenas uma vez.
Quanto à gestão do prémio, Admir Gomes de Carvalho revelou que não terão todo o dinheiro do prêmio nas mãos, porque um dos critérios estabelecidos pelos organizadores é que o dinheiro só será entregue mediante um projeto entregar, só então será disponibilizado. A aplicação do montante será supervisionada pelos organizadores para concretização do projeto.
“O Bairro de Bôr já tem um projeto que prioriza a água e a luz, a construção de um espaço de lazer e a criação do clube que passará a representar a comunidade no campeonato nacional”, enfatizou.
Para o Coordenador do Bairro de Pefine, Hocine Mango Fernandes, a iniciativa da organização de um campeonato de limpeza tem “grande importância” e o seu impacto “é muito notável” no seio das comunidades participantes.
Explicou que seu bairro cumpriu os critérios exigidos e conseguiu estar entre as oito equipas admitidas para disputar o primeiro campeonato de limpeza realizado em Bissau e disse que à semelhança de outros bairros também receberam os materiais por parte da comissão organizadora.
Hocine Mango Fernandes considerou positivo o envolvimento da comunidade do bairro de Pefine. Segundo Fernandes, já era hábito organizar trabalhos voluntários nos bairros, o que facilitou em termos de mobilização e participação de moradores.
“A nossa maior dificuldade é como evacuar o lixo, porque a Câmara, como sabemos, é a entidade responsável para tal, mas infelizmente por falta de meios não consegue executar essa tarefa, o que acaba por atrapalhar todos os esforços da comunidade”, lamentou.
Referiu que a sua equipa apostou nos primeiros jogos mais em desentupir as valas de drenagem das águas residuais, pluviais ou em resultado do uso doméstico, mas tiveram de mudar de estratégias, atacando todas as áreas selecionadas pela comissão, o que levou Pefine a ter mais vantagens em comparação às restantes equipas.
“Disputamos o terceiro lugar com Bandim e Bairro Militar, mas acabaram por vencer em confrontos direto”, disse.
Explicou que por questões financeiras, não conseguiram executar alguns planos que tinham para o bairro durante o campeonato, porque precisavam de mais materiais, produtos de limpeza, e não conseguiram garantir as refeições para os participantes durante os trabalhos. Contudo, destacou que houve mudança positiva de comportamento e mentalidade no seu bairro, graças ao campeonato, prometendo que continuarão os trabalhos de limpezae manutenção dos bens comunitários.
Neste sentido, convidou outros bairros que não tiveram a oportunidade de participar na primeira a esforçarem-se para tê-la como modelo, mesmo sem campeonato, que limpem as suas comunidades.
“HOMEM NOVO QUER DAR EXEMPLO DE BOA CIDADANIA AOS MORADORES” – DIZ ROSETE FADUL
Em entrevista ao jornal O Democrata, Rosete Fadul, presidente da Assembleia Geral da Organização Guiné-Bissau Verde Homem Novo (GBVHN), disse que a iniciativa de realizar um campeonato de limpeza foi sempre uma preocupação da sua organização, enquanto ONG que atua mais no saneamento básico na Guiné-Bissau.
“O Lixo é um grande problema no nosso país que afeta todos, direta ou indiretamente, pois ainda que a nossa casa esteja limpa, se o nosso bairro não estiver limpo, isso tem repercussões na Saúde Pública e no bom ambiente social. O lixo é um dos focos do nosso trabalho, estamos constantemente a pensar em formas de solucionar este problema”, explicou.
Segundo a ativista, foi na base dessa preocupação que surgiu a ideia de um Campeonato de Limpeza entre bairros para dar início à mudança de comportamento social de forma divertida e com união entre todos, porque “de nada adianta alguém limpar, se 5 minutos depois alguém irá sujar e desta forma haverá uma continuidade no novo comportamento positivo dentro da comunidade”.
Rosete Fadul referiu que a ONG da qual é dirigente pretende, com a iniciativa, promover bons exemplos comunitários (higiene, limpeza, união, preocupação para com o bem comum, etc.),mudar o comportamento errado das comunidades em relação ao lixo, reeducando-as sobre o lixo, formas de diminuir a sua produção e reciclá-lo, criando assim, exemplos de boa cidadania para os próprios moradores e outros bairros.
Quanto aos critérios, disse que a organização focou-se mais nosbairros que têm mercados, que já realizavam atividades, sobretudo de limpeza e cujas associações tinham representatividade não apenas homens, mas também de mulheres, jovens, idosos e deficientes.
Questionado sobre o processo de avaliação, Rosete Fadul sublinhou que a análise da performance dos bairros foi feita a cada competição. Membros da Comissão Organizadora percorriam todos os bairros em competição, avaliando e pontuando os trabalhos feitos, segundo os critérios de avaliação predefinidos.
“Todas as fichas de avaliação correspondentes a cada competição estão disponíveis online no perfil do Facebook da “Guiné-Bissau Vhn” e na página da “Onu-Habitat Guiné-Bissau”, indicou.
A ativista revelou na mesma entrevista que a iniciativa do Campeonato de Limpeza é um projeto ONG Guiné-Bissau Verde Homem Novo, idealizado pelo seu líder, Juviano Landim e esteve “guardado na gaveta” por muito tempo, por falta de meios para concretizá-lo.
“Recebemos uma proposta de financiamento da União Europeia através da Onu Habitat, no âmbito do “Outubro Urbano”, que pediu-nos autorização para participar no Campeonato e envolver Embaixadores Urbanos, organizações juvenis como a CNJ, RENAJ e a Academia Ubunto e também o Ministério da Administração Territorial, que tutela a Câmara Municipal de Bissau, tendo sido também convidada”, notou.
Segundo a responsável da ONG “Homem Novo”, no lançamento oficial da primeira edição do Campeonato de Limpeza, que decorreu no dia 05 de Outubro, no Palácio do Governo, foi entregue 1 kit de Materiais de Limpeza a cada Bairro, como incentivo para iniciarem o trabalho.
“O kit era composto por: pás, enxadas, garfos, vassouras, luvas, máscaras, lixívias, baldes com torneira e carrinho de mão”, precisou Rosete Fadul que acrescentou que as pontuações foram atribuídas a cada equipa consoante os critérios de avaliação predefinidos, nomeadamente: a capacidade de envolvimento de toda a comunidade; a manutenção das estradas; a presença do lixo e recipientes de lixo nas ruas; a separação de lixo nas casas; as condições de acesso a pedestres; as condições de casas de banho públicas; pontos públicos de lavagem de mãos; uso de máscaras; arborização; escoamento de água; pintura e embelezamento do bairro.
Revelou que a premiação será feita apenas no início do próximo ano, 2021, mediante apresentação do Plano de Atividades para uso do montante recebido, no âmbito da continuidade da limpeza do bairro e combate à Covid-19.
Sobre os impactos do campeonato nos bairros, realçou que tiveram uma ótima prestação durante esta primeira edição, “alguns conseguiram superar as nossas expectativas, outros não”.
“Mostraram-nos que a união faz a força e que existe o potencial necessário à criação de dinâmicas úteis para retornarmos ao modo de vida limpo e saudável que outrora tivemos”, sublinhou.
Por: Epifânia Mendonça
Foto: Marcelo Na Ritche
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