JORNAL ODEMOCRATA 18/04/2023 O professor universitário e analista político, Tamilton Teixeira, disse que as eleições na Guiné-Bissau são reflexos de “graves crises políticas” E que “infelizmente os políticos não compreendem isso”, acrescentando que o país não realiza eleições porque se chegou ao fim de uma legislatura ou de um mandato presidencial em condições naturais para renovar os poderes.
“Nós não vamos às eleições porque chegamos ao fim de uma legislatura ou de um mandato presidencial, em condições normais, para renovar os poderes. As nossas eleições têm que ser lidas desta forma, mas os políticos não se dignam refletir sobre isso. As eleições guineenses tem sido sinal de grave crise, porque todas as eleições que fizemos nos últimos tempos aconteceram na sequência de rupturas”, criticou o sociólogo, alertando que é preciso uma reflexão sobre a situação política guineense, porque “as eleições legislativas de junho não vão ser diferentes”.
O jovem sociólogo fez essas observações na entrevista exclusiva ao seminário O Democrata para falar da situação política na Guiné Bissau, particularmente do processo das eleições legislativas de 4 de junho do ano em curso, como também debruçar sobre a participação de mais de vinte partidos e duas coligações que disputam as legislativas, o que para algumas vozes críticas, representa um númeromuito elevado para um país como a Guiné-Bissau.
O Supremo Tribunal de Justiça(STJ) já recebeu a documentação para a formalização dos partidos que disputam as legislativas que são: o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que desta vez lidera a Coligação Eleitoral PAIGC-CE, e integra a UM, MDG, PSD e PCD. Também concorrem o Partido dos Trabalhadores Guineenses (PTG), Assembleia de Povo Unido – Partido Democrático da Guiné-Bissau (APU-PDGB), o Movimento para a Alternância Democrática (MADEM G-15), Partido da Renovação Social (PRS), PRID, FREPASNA, COLIDE-GB, RGB – Movimento Bafatá, PUSD, Partido Luz da Guiné-Bissau e Partido PAPES.
“ELEIÇÕES DE JUNHO NÃO SERÃO AS MAIS RENHIDAS, MAS SIM AS MAIS MILIONÁRIAS NA GUINÉ”
Tamilton Teixeira disse que faz tempo que a Guiné-Bissau vem carregando o símbolo de um país atípico, perdendo com aquilo que é o essencial, sobretudo as ideias que fundaram o Estado e os princípios que nortearam a ideologia da independência.
O analista afirmou que as eleições legislativas agendadas para junho não serão as mais renhidas, mas sim as mais milionárias, serão umas eleições em que jamais se gastou tanto dinheiro.
Lembrou que a Guiné-Bissau já teve eleições que “podemos considerar as mais renhidas pela sua própria dinâmica”, referindo-se às eleições de 1994, porque “eram eleições em que o partido que estava no poder, há muito tempo, concluiu que tinha conquistado o direito natural de governar, por ter sido partido libertador e de repente foi confrontado com as dinâmicas da abertura política, frisando que “naquele contexto não era fácil fazer com que o partido libertador abrisse as mãos de todos os privilégios”.
Advertiu que as eleições de 4 de junho não terão nada de especial, porque os concorrentes vão disputar basicamente uma única coisa, quem vai continuar a deter a máquina pública, as finanças públicas, os recursos naturais, ou melhor, a riqueza dos guineenses. Acrescentou que essas eleições não serão renhidas, porque não vão estar em disputa algumas narrativas políticas concernentes à forma como pensam sobre a política internacional, contudo afiançou que vão ser eleições pobres do ponto de vista do debate político e de propostas, bem como umas eleições milionárias e violentas, porque “a linguagem será muito baixa, em termos de qualidade pedagógica e política, não haverá nada”.
Assegurou que os partidos políticos transformaram-se em empresas fantasmas, criadas para ganhar certificados para atuar e para depois entrarem em esquemas para sobreviverem.
Não é de surpreender ver mais de 20 partidos e coligações, porque” o ambiente pré-eleitoral diz-nos que não mudará nada e que acontecerá a mesma coisa como no passado”.
“Há um prenúncio de que o debate, durante a campanha eleitoral, não será sobre os 46 por cento da população analfabeta, sobre 900 mulheres que morrem por ano no parto e muito menos sobre a posição que a Guiné-Bissau ocupa na lista dos países com maiores problemas de insegurança alimentar. Nem serão sobre a corrida às novas tecnologias na educação e a mortalidade infantil, contra a violação dos direitos humanos entre outros”, notou.
“Alguns partidos em África, nomeadamente na Guiné-Bissau, têm a lógica de fazer voto através de uma dinâmica essencialmente guineense, fazendo acordos nas tabancas que não têm nada a ver com as suas ideologias político-partidárias.
Seria através de programas eleitorais que poderiamos saber se o partido é de esquerda ou direita, tendo em conta o pendor dos programas, como também as causas que levaram a criação desse partido político”, referiu.
“PTG NÃO É UMA NOVIDADE ASSIM COMO PARA MIM O MADEM-G 15 NÃO FOI NOVIDADE”
“Estão a fazer grandes alianças ou coligações para quê? É uma coligação porque pensamos à esquerda e juntamo-nos ou porque juntamos os defensores da ideologia da direita, não é nada disso. São coligações com vista ao controlo do Estado. Pode perguntar aos partidos que coligaram sobre as matérias nas quais convergem, certamente não terão resposta”, disse, acrescentando que os partidos fazem acordos sazonais, acordos muito curtos, com o único propósito de ganhar as eleições e dividir pastas de governação.
Assegurou que estes acordos não têm nenhuma sustentabilidade ideológica, porque são acordos de controlo de recursos do país. Lembrou, neste particular, que se assinou um acordo em Dakar entre o atual primeiro-ministro e o Presidente da República que, segundo a sua explanação, era um acordo feito apenas pensando nas eleições.
Afirmou que as eleições legislativas agendadas para o mês de junho vão ser pobres do ponto de vista político, como também vão contribuir para o empobrecimento da política guineense, porque” cada vez mais o cargo político está a perder o seu significado, porque hoje há muitas pessoas que deixam muito a desejar ao ocuparem cargos importantes, isto banaliza e empobrece o cargo político e leva algumas pessoas sérias a afastarem-se da política, porque gente que não entende nada da política é que está a administrar o país”.
Questionado sobre a participação do Partido de Trabalhadores Guineenses (PTG) nestas eleições, um partido que tem como líder um veterano da política guineense, respondeu que existe uma coisa que chamou de “genealogia da família política guineense”, como surgiu a família política guineense.
Para Tamilton Teixeira, “se retirarmos as siglas ou estreitarmos a outra parte dos partidos, vamos concluir que estamos a falar das mesmas coisas, portanto não há nenhuma diferença”.
“Na Guiné as siglas são novas e as pessoas são antiquadas. O que é que o PTG nos traz de novo? Botche Candé já disse várias vezes que apenas não trabalhou com o Presidente Luís Cabral, portanto o que ele vai trazer de novo? Nós sempre conhecemos as circunstâncias em que ele trabalhou no governo e nos partidos pelos quais passou. O PTG não é novidade para mim, assim como o MADEM – G15 não foinovidade nenhuma, e o PRID também. As pessoas que estiveram no PRID saíram do PAIGC, voltaram a sair do PRID e foram para a APU-PDGB e hoje estão no PAIGC novamente”, notou.
O analista lembrou que tem um estudo no qual explica que toda essa gente se plantou ou se fez de políticos e empresários à volta de General – Presidente, João Bernardo “Nino” Vieira.
“Todos de alguma forma são descendentes politicamente de Nino Vieira, por isso coloco o Presidente Nino como a raiz da frase e depois vamos ver como é que todos vão descer. São pessoas que se animam do mesmo espírito, portanto é muita pena que a juventude guineense não tenha essa consciência, que não haverá nenhuma novidade”, disse.
“PAIGC AO LONGO DA SUA HISTÓRIA PROMOVEUA MEDIOCRIDADE E HOJE É VÍTIMA DESSA MEDIOCRIDADE”
Sobre a participação do PAIGC nestas eleições, através de uma coligação eleitoral pela primeira vez na sua história, o que para alguns críticos demonstra a fragilidade do partido, Tamilton Teixeira disse que não considera a iniciativa dos libertadores como uma fragilidade porque “na Guiné não se sabe de facto quem é que tem o poder real, sobretudo nos últimos tempos”.
“As coligações com vista às eleições são próprias da política e acontecem com a maior naturalidade, seja através de grandes partidos ou os de menor porte. Os contextos é que definem se as coligações são viáveis ou nem por isso. Eu sei que é digno de se perguntar o fato de está a ser a primeira vez que isso está a acontecer, mas acho que não é espontâneo porque remonta daquilo que eles chamam espaço de concertação, porque sempre atuaram em concertação, razão pela qual acharam que devem partir para as eleições em bloco”, contou.
Assegurou, neste particular, que o PAIGC começou a fragilizar-se por um erro político que o próprio partido tem que ter a coragem de corrigir.
“Quem levou o PAIGC a esta situação que eu não acho que seja negativo, mas colocando a questão noutro prisma e de que talvez poderia não ser necessário. Poderia não ser necessário, se o PAIGC passasse a apreender que não pode ser um partido que promove a mediocridade. Se tem uma coisa que o PAIGC fez ao longo da sua história, foi promover a mediocridade e hoje está a ser vítima dessa mediocridade”, criticou, lembrando que em 2014, questionou em que base o PAIGC achava que o José Mário Vaz (JOMAV) podia ser Presidente da República.
Interrogado se não teme que o país venha a registar uma situação de falta de coabitação entre o Presidente da República e a pessoa que vier a ser indicada pelo partido vencedor das eleições legislativas, à semelhança daquilo que aconteceu entre o antigo Presidente José Mário Vaz e o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, disse que “na verdade, a Constituição da Guiné-Bissau, embora tenha algumas lacunas como qualquer outra constituição, deixa claro algumas matérias”.
“Na Guiné-Bissau, da forma como se vive a política, ainda não encontramos uma figura, um presidente que vai querer apenas ser o Presidente da República. Os Presidentes que tivemos sempre demonstraram que controlam tudo. Esta vontade de ser quem controla tudo para poder controlar mais alguma coisa é que tem criado problemas entre o Presidente e o primeiro-ministro”, sublinhou, frisando que nessas condições qualquer pessoa que se guie pelo bom senso não vai gostar de ser primeiro-ministro de Umaro Sissoco Embaló.
Relativamente ao tema de debate nas ruas sobre se um analfabeto pode ser deputado da nação, disse que a pergunta deve ser colocada de outra forma: Porque é que os analfabetos conseguiram ser deputados na Guiné-Bissau em todas as legislaturas, porque aconteceu?
“O que tem acontecido? É que o sistema está montado para isto ou para premiar o despreparado e o incompetente. A nossa taxa de analfabetismo é de 46 por cento. É grave. Costumo insistir na outra estatística dos alfabetizados que não entendem o que leem, os deputados que não sabem interpretar, criar e fazer uma proposta lei”, disse, criticando que a política guineense é muito pobre e que permite que tudo aconteça.
Afiançou que o problema na Guiné-Bissau não são essas pessoas analfabetas, mas sim, pessoas que todo o mundo julga que são mais preparadas, mas que trabalharam no desmonte do Estado.
“O Estado foi desmontado de tal maneira que estas pessoas que consideramos não preparadas perceberam agora e perguntaram afinal das contas isto é assim, então vamos também participar”, referiu.
Por: Aguinaldo Ampa/Assana Sambú