O presidente da Associação dos Panificadores da Guiné-Bissau, Mamadu Camará, alertou na quinta-feira, 4 de maio de 2023, que o ministro do comércio e os importadores de farinha de trigo estão a empurrar a população para um suicídio coletivo pela fome.
“A maior parte das famílias guineenses tem o pão como parte da dieta alimentar ao jantar. Nas escolas, temos escassez de pães. As crianças estão aflitas. Temos informações de que há farinha no mercado, mas não está a ser comercializada. O governo e os exportadores não se dignaram vir ao público explicar à população o que se passa realmente”, indicou.
O sindicalista criticou o fato de a farinha ter sido bloqueada nos armazéns, obrigando os associados a adquiri-la no “mercado negro”.
“A Guiné-Bissau é um país democrático. Todos os seus filhos têm o direito a uma dieta alimentar saudável e equilibrada. Não se pode transformar o setor do comércio guineense num mercado negro para fustigar a população. Temos direito à vida”, criticou.
Mamadu Camará, presidente da Associação dos Panificadores da Guiné-Bissau, disse que é chegado o momento de os associados da organização encararem a escassez de pães no mercado nacional como um assunto sério.
“É preocupante. Todos os panificadores estão parados há três semanas. As suas famílias estão a passar muitas dificuldades, mas ninguém vem ao público explicar os motivos e como as autoridades pensam que o povo pode viver nessa situação de agitação e de penúria”, questionou.
O presidente da associação dos panificadores responsabilizou o ministro do comércio e os importadores do produto por tudo que está a acontecer e acusou as duas entidades de terem estocado a farinha nos armazéns para subir o preço e ganhar mais dinheiro.
Perante estes fatos, Mamadú Camará pediu a intervenção do primeiro-ministro, do vice-primeiro ministro e do Presidente da República na resolução dessa situação e salvar a população da penúria que a falta de pães poderá provocar, se medidas não forem tomadas.
“É urgente tomar medidas, porque a situação é crítica e grave. Não podemos aceitar que as nossas famílias passem fome. Vamos desencadear contatos junto das autoridades competentes para pedir explicações sobre a escassez de farinha”, adiantou.
DIRETOR GERAL DO COMÉRCIO E CONCORRÊNCIA NEGA QUE A FARINHA TENHA SIDO ESTOCADA
Em entrevista ao Jornal o Democrata, o diretor geral do comércio e concorrência, Lassana Fati, negou que a farinha tenha sido estocada nos armazéns para subir o preço do produto ou para outros fins comerciais.
“Não há em curso nenhuma engenharia para ganhar dinheiro. Há, sim, escassez. Inspecionamos os armazéns e não vimos nada. Portanto, essa informação não corresponde à verdade. Temos informações de que o único fornecedor quer importar farinha, mas nessas condições poderá haver aumento de preço, o que o governo está a precaver. A farinha é um produto sensível e qualquer subida de preço pode ter impactos noutros produtos”, disse, para de seguida anunciar que a comissão interministerial criada pelo governo está a trabalhar para que a situação não chegue a esse ponto.
Lassana Fati lembrou que o país tem apenas um único importador de farinha da marca Bolala, que neste momento está a ter dificuldades em importar a farinha em quantidade, devido à subida do preço no mercado internacional e da subida dos preços do transporte.
O diretor do comércio e concorrência afirmou ter sido confrontado com a situação da escassez de pães e que estão a acompanhar a situação com preocupação, mas por ser um produto estratégico e sensível que pode agitar o mercado e fazer subir todos os outros produtos derivados.
“O ministério do comércio está a analisar o assunto com muita cautela”, afirmou.
Lassana Fati revelou que o governo está neste momento em negociações com os importadores da farinha para encontrar a melhor forma de contornar a situação.
“Reconheço que há escassez da farinha. O ministério do comércio, através do serviço de inspeção, já mandou abrir todos os armazéns que comercializam esse produto em Bissau e constatamos que não têm farinha estocada e a quantidade que há nos armazéns é pouca”, sublinhou.
Segundo Lassana Fati, uma das soluções passa por, primeiro, identificar todos os outros importadores de farinha e estipular um preço ideal à próxima importação que não prejudique nem os importadores nem os consumidores, porque “estamos conscientes das agitações que a escassez do produto está a provocar nos bairros e no seio dos consumidores, sobretudo a nível de Bissau”.
ACOBES RESPONSABILIZA GOVERNO E O SETOR PRIVADO PELA FALTA DA FARINHA
Interpelado pelo nosso semanário, o secretário geral da Associação de Consumidores de Bens e Serviços (ACOBES), Bambo Sanhá, disse que a falta de farinha no mercado é da responsabilidade do ministério do comércio e do setor privado, porque “o governo é a entidade que emite as declarações para a importação dos produtos”.
“O importador trouxe a farinha e levou a proposta da estrutura do custo e o ministério alegou que a estrutura do preço proposta era elevada, porque podia levar ao aumento de preço de pães. Agora não há farinha e enquanto decorriam as negociações para a aprovação, em conjunto, da estrutura de preço, o importador já estava a vender o produto unilateralmente. Não tinha autorização”, denunciou.
“Denunciamos essa situação junto do ministério do comércio, mas nenhuma medida foi tomada”, afirmou.
Para ACOBES, este tipo de comportamento põe em causa a autoridade do Governo, motiva a especulação no mercado e cria crises, alertando que o país corre o risco de enfrentar um aumento do preço de pão, numa altura em que a população está sufocada com constantes subidas de preços de produtos de primeira necessidade.
“Sabemos que a farinha está a ser vendida às escondidas a 30 mil francos cfa, ao invés de 22 dois mil. Tudo isso pode trazer ainda mais fome e influenciará na renda familiar , porque “as nossas mulheres sustentam as suas famílias com os pequenos negócios e os produtos são na maioria derivados da farinha”, disse.
Afirmou que, para o bem do mercado nacional, seria bom que o ministério e seus parceiros assumissem as suas responsabilidades para que não haja mais roturas nem adulteração de preços.
Bambo Sanhá disse acreditar que se não existisse um único operador potencial para cada produto, não haveria essas ruturas e subidas de preços e defendeu a necessidade de serem criadas as condições para a produção interna de diferentes produtos, de forma a dar alternativa alimentar à população.
Sublinhou que o governo deveria ter subvencionado os produtos da primeira necessidade para que não houvesse uma crise de fome no país, mas “temos um governo que quer agradar ao Banco Mundial, colocando em causa os interesses da população”.
“O nosso governo deve pensar na modernização e diversificação da nossa agricultura”, sugeriu, para de seguida denunciar que estão a ser comercializadas coxas de frangos fora do prazo de validade no mercado improvisado na subida de cabana e revelou que 200 mil guineenses estão a enfrentar a crise de fome.
Por: Filomeno Sambú/Epifania Mendonça