Fila frente à Biblioteca Nacional de Cuba, onde foi posta uma foto de Fidel Castro, igual à que estava dentro do memorial a José Martí | REUTERS |
"Ele é o pai de todos os cubanos. O meu papá era o meu papá, mas não me deu aquilo que Fidel me deu. Ele deu-me tudo, a liberdade, a dignidade", disse à AFP a reformada Lourdes Rivera, de 66 anos, sentada no passeio com um ramo de gladíolos. "Estou muito triste. Vim prestar homenagem ao nosso pai, amigo, comandante" afirmou à Reuters Belkis Meireles, engenheiro civil de 65 anos. "Ele foi um homem que nos libertou e enviou médicos e professores para todo o mundo", acrescentou.
A abertura estava marcada para as 9.00 (14.00 em Lisboa), mas cinco horas antes já havia pessoas na fila. À mesma hora, ouviram-se 21 salvas de canhão em Havana e Santiago de Cuba. Hoje, o cenário deve repetir-se. Às 19.00 (meia-noite em Lisboa), está prevista uma cerimónia massiva de adeus, com vários líderes internacionais - entre eles o venezuelano Nicolás Maduro, o boliviano Evo Morales, o rei emérito de Espanha Juan Carlos, ou o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras. O governo português estará representado pelo ministro adjunto, Eduardo Cabrita, e o Partido Comunista Português por Albano Nunes, responsável pelas Relações Internacionais do partido.
Contudo, haverá também ausências de peso, como a dos presidentes russo, Vladimir Putin, e norte-americano, Barack Obama, ou o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, criticado pela homenagem que fez a Fidel - que considerou um "líder notável", lembrando que esteve em 2000 no funeral do pai, Pierre Trudeau, ajudando mesmo a carregar o caixão do ex-primeiro-ministro.
Mas a despedida de Fidel, que liderou os destinos da ilha durante quase meio século, não termina aí. As cinzas vão percorrer a ilha, num caminho contrário à marcha da Caravana da Liberdade (após a vitória da revolução, em 1959), até Santiago de Cuba, onde será o funeral privado, no cemitério de Santa Efigénia, onde está o mausoléu de José Martí (o pai da independência) .
Cremado, não embalsamado
Ao contrário de outros líderes comunistas, como Lenine, Mao Tsé-tung ou Ho Chi Minh, que quando morreram foram embalsamados para o seu corpo continuar exposto e perpetuar o culto da personalidade, Fidel Castro optou por ser cremado. A decisão do ex-líder cubano foi revelada por Raúl Castro logo quando fez o anúncio oficial da morte do irmão.
Em vida, Fidel sempre foi contra o culto da personalidade - uma das primeiras leis aprovadas pela revolução proibiu, lembrou num discurso em 1966, "pôr o nome de um dirigente vivo numa rua, cidade ou aldeia, fábrica ou quinta", " fazer estátuas dos dirigentes vivos" e "fotografias oficiais nos gabinetes administrativos". Para o histórico dirigente da Revolução, "os que lideram são homens, não deuses". Mas, desde o seu 90.º aniversário, a 13 de agosto, que havia cartazes com o rosto de Fidel em todo o lado e, agora que está morto, essa lei já não se aplica. Resta saber quanto tempo durará até a homenagem incluir ruas ou praças com o seu nome.
O novo vizinho do norte
Enquanto decorrem as homenagens na ilha, no coração do exílio cubano, frente ao Monumento aos Mortos da Praia Girón em Little Havana, Miami, prepara-se uma manifestação para amanhã, às 17.00 locais (22.00 em Lisboa). Com o objetivo de pedir "liberdade e democracia para Cuba", este será "um ato conciso e poderoso" que quer levar uma mensagem de unidade e "um apelo à ação da resistência cubana", segundo o manifesto lido pelos organizadores.
Ao mesmo tempo, o presidente eleito, Donald Trump, que após a morte de Fidel o apelidou de "brutal ditador", voltou a escrever sobre a ilha no seu Twitter: "Se Cuba não estiver disposta a fazer um acordo melhor para o povo cubano, para os cubanos-americanos e para os Estados Unidos, no seu conjunto, porei fim ao acordo." Já no domingo, o futuro chefe de gabinete de Trump, Reince Priebus, disse que a Administração aguardará "alguns movimentos" do governo cubano. "Precisamos de um acordo melhor", indicou numa entrevista à Fox News.
Já a Casa Branca disse que a morte de Fidel dificilmente travará os esforços norte-americanos para normalizar as relações com Cuba. O porta-voz, Josh Earnest, lembrou que isso seria "um forte golpe" para os cidadãos cubanos, falando nos aspetos económicos que já estão em marcha - como por exemplo os voos comerciais regulares para Havana, que começaram ontem.
DN.PT