Por Fernando Casimiro O Tenente-Coronel Comando, Marcelino da Mata, recentemente falecido em Portugal, não deve ser crucificado como único símbolo dos crimes de guerra perpetrados durante a guerra colonial, na versão da história da Administração colonial portuguesa, ou, da luta Armada de Libertação Nacional, na versão do PAIGC, enquanto Estrutura política e militarizada focada na Independência da Guiné-Bissau e Cabo-Verde.
Marcelino da Mata nunca deixou de ser Guineense, Filho da Guiné-Bissau, independentemente de ter nascido na Guiné-portuguesa.
A Nacionalidade, não se sobrepõe à Naturalidade e, no caso concreto, à Identidade-Base, de referência do Cidadão que, independentemente da Nacionalidade, original ou adquirida, juridicamente falando, jamais omite/ignora a Naturalidade do Indivíduo.
"Julgar" e "condenar" Marcelino da Mata, ou ignorar a figura que foi, enquanto Guineense com Nacionalidade portuguesa, por direito, é simplesmente, da parte Guineense e da parte portuguesa, "nomear" um servidor Guineense do Estado colonial português, como um "bode expiatório" dos Crimes de guerra, de parte a parte.
Não estou aqui a defender Marcelino da Mata por via das barbaridades cometidas durante a guerra colonial, como estratégia do governo colonial português na Guiné e não como estratégia pessoal do Comando Marcelino da Mata.
Ele serviu o Estado que havia na altura e que governava a Guiné-portuguesa, e era tão português como Amilcar Cabral e todos quantos serviram o Estado colonial português, ainda que esses tenham enveredado por outros caminhos, visando a Independência Nacional.
Não se deixa de ser Guineense por não se aderir a um partido/movimento, de Libertação Nacional.
Crimes de guerra apontados a Marcelino da Mata também deveriam ter sido apontados ao Estado português e ao General António de Spínola, enquanto Governador da Guiné-portuguesa...!
Crimes de guerra apontados a Marcelino da Mata também deveriam ter sido apontados a Amilcar Cabral e ao PAIGC, pelo radicalismo do Espírito da Guerra!
Crimes de guerra apontados a Marcelino da Mata, também deveriam ser apontados ao Estado da Guiné-Bissau, e ao Presidente Luís Cabral, pelo incumprimento do Acordo de Argel, entre autoridades do PAIGC/Partido-Estado da Guiné-Bissau e as autoridades de Portugal visando a transferência de poderes e a salvaguarda da vida de todos os Guineenses que tinham servido a Administração colonial portuguesa, na Guiné-portuguesa!
Todos sabemos que infelizmente, quem não conseguiu escapar, por ter servido a Administração colonial portuguesa na Guiné-portuguesa, foi abandonado à sua sorte.
Perseguidos, detidos e fuzilados, por via de julgamentos sumários, os poucos que conseguiram fugir, nunca mais regressaram ao País que também nunca deixou de lhes pertencer.
Foi o caso de Marcelino da Mata.
Mata matou, como outros mataram. Porquê ser ele o único "nomeado" num universo de matadores, sanguinários, e mandantes, entre Guineenses e Portugueses, quando (na hora da morte de um Comandante que depois da Guerra nunca mais se envolveu em guerras contra a sua Guiné), a História da Guerra Colonial ou da Luta Armada de Libertação Nacional deveria ser um MARCO de RECONCILIAÇÃO e PROMOÇÃO quer da UNIDADE NACIONAL, entre os Guineenses, quer de uma Nova Abordagem da História Colonial portuguesa na Guiné, associada e alargada à Identidade Cultural, Histórica e Social do que nos é comum, ou passou a ser comum, enquanto Lusófonos?!
Quantos Guineenses continuam a ser portadores de Nacionalidade portuguesa no exercício de cargos políticos e outros, na Guiné-Bissau e que cometeram ou continuam a cometer crimes de sangue, em nome de uma suposta salvaguarda da democracia e do Estado de Direito?
Isto, não é uma questão comparativa com o "assunto" Marcelino da Mata. É somente uma forma de reavivar a memória dos Guineenses que continuam a chamar de heróis, personalidades Guineenses que cometeram directa ou indirectamente, no exercício do poder político ou militar, crimes contra os seus irmãos Guineenses.
Porquê negar a Guinendadi a Marcelino da Mata, alegando ser português, quando todos éramos tão portugueses e Guineenses, em função da conjuntura, quanto ele?
O PAIGC fez a sua política de propaganda durante a luta Armada de Libertação Nacional e com naturalidade, definiu alvos Guineenses ao serviço das tropas coloniais portuguesas, que desejaria ver aniquiladas.
Servir o Estado português ou o PAIGC, na minha modesta opinião, era, à época, uma questão de opção face à instrumentalização e manipulação "em defesa da Patria", por parte do regime colonial português, ou, pela "Liberdade e Independência", por parte do PAIGC.
Volvidos quase 48 anos desde a proclamação da nossa Independência, enquanto Guineenses, não devemos cingir a nossa História aos relatos "históricos" do PAIGC!
Os meu leitores sabem que sou um "Cabralista", mas acima de tudo, um estudioso do legado de Amilcar Cabral.
Enquanto estudioso do seu legado, também reconheço pela sua imperfeição, enquanto ser humano, ter cometido erros na comunicação de incentivos à morte, num contexto de guerra, que se cultivou, infelizmente, para um contexto de pós-guerra aos dias de hoje na Guiné-Bissau.
O PAIGC matou muitos Guineenses desde a luta de libertação nacional, até aos dias de hoje. Mas muitos heróis Guineenses são criminosos de guerra, no contexto da luta Armada de Libertação Nacional, bem como criminosos por acção contra a Vida Humana, em nome da salvaguarda dos Direitos Fundamentais do Cidadão Guineense!
A Guiné-Bissau não é um País de "Santos", porém, independentemente do julgamento e designação de qualquer um de nós, seus filhos, com quantas outras nacionalidades opcionais, e adquiridas por direito, NINGUÉM TEM O DIREITO DE NEGAR A PERTENÇA GUINEENSE do OUTRO!
O Tenente-Coronel Comando Marcelino da Mata era e será sempre GUINEENSE, como todos os demais Guineenses!
A sua NATURALIDADE e a sua PERTENÇA CULTURAL IDENTITÁRIA, enquanto GUINEENSE, NÃO SE ENCONTRAM NO ESPAÇO GEOGRÁFICO e CULTURAL DE PORTUGAL!
MARCELINO DA MATA não era um "luso-português", expressão lamentável que li algures, mas sim, um Guineense com Nacionalidade portuguesa!
É curioso que em Portugal muitos ex-militares portugueses que estiveram em acção nas ex-colónias portuguesas em África, queixam-se de traumas psicológicos dos efeitos da Guerra.
Alguém perguntou alguma vez ao Comandante Marcelino da Mata e a tantos militares Guineenses ao serviço de Portugal face à conjuntura da Colonização, se tinham igualmente traumas pelos efeitos da Guerra que os pôs frente a frente contra seus irmãos, do lado do PAIGC?
É de facto necessário promover debates sobre a Colonização para ultrapassar recalcamentos, educar e informar mentes ignorantes e, ou, dementes...
Positiva e construtivamente.
Didinho 23.02.2021