© ShutterStockNotícias ao Minuto 05/05/21
Um artigo de opinião do prof. Doutor Jorge Ferreira, médico especialista em Pneumologia e diretor do Serviço de Pneumologia do Hospital de São Sebastião, no dia em que se assinala o Dia Mundial da Asma.
"O Dia Mundial da Asma foi estabelecido em 1998 pela Global Initiative for Asthma (GINA) com o objetivo de melhorar a consciencialização, a investigação e os cuidados de saúde relacionados com a asma, em todo o mundo.
A asma é uma das doenças respiratórias mais frequentes e importantes, em todo o mundo, constituindo um sério problema de saúde global, que afeta todas as faixas etárias. A sua prevalência tem vindo a aumentar em muitos países, particularmente entre as crianças. Pode afetar entre 1 a 18% da população, em diferentes países. Desta forma, calcula-se que existam mais de 340 milhões de asmáticos em todo o mundo. Em Portugal, estima-se que atinja 6,8% da população, correspondendo a aproximadamente 700.000 doentes.
Embora em alguns países se esteja a verificar uma diminuição do número de internamentos e mortes por asma, esta doença continua a impor uma enorme pressão sobre os sistemas de saúde e a sociedade, estando associada a perda de produtividade nos locais de trabalho e escolas, com enorme impacto na qualidade de vida dos doentes e respetivas famílias.
Trata-se de uma doença heterogénea, em que se incluem vários fenótipos clínicos, que partilham manifestações clínicas semelhantes, mas provavelmente de etiologia diferente. É habitualmente definida como uma doença inflamatória crónica das vias respiratórias, onde participam diferentes células e mediadores de inflamação, condicionada em parte por fatores genéticos, associada a hiperreatividade brônquica e obstrução variável do fluxo de ar, que é total ou parcialmente reversível, seja por ação medicamentosa ou de forma espontânea. É caracterizada por uma história de sintomas respiratórios, como pieira, falta de ar, sensação de aperto torácico e tosse, que variam com o tempo e em intensidade.
Tratando-se de uma doença crónica, o objetivo da sua abordagem é alcançar e manter o controlo da patologia e a prevenção de riscos futuros, especialmente das suas exacerbações, que podem colocar em perigo a vida do doente e gerar um pesado encargo para a sociedade.
A primeira descrição escrita de um ataque de asma foi feita por um médico grego Aretaeus, da Capadócia, no segundo século da Era Comum. A palavra "asma" deriva da palavra grega "aazein" que significa "respiração ofegante", mas os antigos escritos egípcios, hebraicos e indianos também se referiram à doença.
Durante o século XX, os investigadores pensavam que a contração do músculo liso das vias aéreas e a sensibilidade excessiva das vias aéreas a estímulos externos (hiperreatividade) eram as principais características da asma. Na década de 1980, foi reconhecido que a inflamação das vias aéreas era uma característica fundamental da asma, associada a mudanças estruturais nas vias aéreas, que poderiam estar presentes desde o início do desenvolvimento da doença.
Os avanços no tratamento da asma têm sido notáveis, refletindo a grande preocupação de clínicos e investigadores em relação a esta doença. O tratamento de manutenção da asma tem como objetivo controlar os sintomas, manter um nível normal de atividades e reduzir o risco futuro de agudizações, o declínio da função respiratória e os efeitos secundários da medicação.
O tratamento farmacológico da asma é feito em degraus, de acordo com o grau de controlo dos sintomas, devendo iniciar-se num degrau mais baixo e escalar a terapêutica até obter o controlo da doença. Para esse efeito, dispomos de fármacos de administração diária, a longo prazo, com efeito anti-inflamatório ou broncodilatador de ação prolongada, como os corticosteroides inalados, broncodilatadores β2-agonistas de longa ação (LABA), antagonistas dos recetores dos leucotrienos (LTRA), broncodilatadores antimuscarinicos de longa ação (LAMA) e agentes biológicos (anticorpos monoclonais anti-IgE, anti-IL5, anti-IL5R, anti-IL4 e anti-IL13).
Sendo a asma uma doença inflamatória crónica, os corticosteroides inalados (CI) constituem a base do seu tratamento de controlo, que deve ser iniciado o mais precocemente possível com o objetivo de melhorar os sintomas e a qualidade de vida, diminuir as agudizações e a mortalidade e melhorar a função pulmonar.
É importante reforçar que, no momento atual, com as diferentes opções de tratamento disponíveis, é possível obter o controlo total da asma na maioria dos doentes asmáticos. No entanto, uma fração dos doentes com asma, designados como tendo asma grave, não responde habitualmente de forma completa à medicação desta doença, sendo candidatos a novas opções de tratamento biológico. Estes novos medicamentos, baseados numa medicina de precisão, têm vindo a revolucionar o tratamento desses doentes particularmente graves, possibilitando enormes benefícios em termos de controlo dos sintomas, exacerbações e qualidade de vida. Por esses motivos, é cada vez mais importante a orientação dos doentes para consultas de Pneumologia.
No atual contexto de pandemia COVID-19, levantam-se importantes dúvidas em relação aos eventuais riscos relacionados com esta nova doença em doentes asmáticos. Os doentes com asma não parecem apresentar um maior risco de adquirir COVID-19 e as diferentes revisões sistemáticas não têm demonstrado um risco aumentado de COVID-19 grave em pessoas com asma. No geral, os doentes asmáticos não apresentam um aumento do risco de morte relacionada com COVID-19. No entanto, o risco de morte por COVID-19 parece estar aumentado em pessoas que tiveram recentemente necessidade de fazer corticosteroides orais para o tratamento da sua asma. Neste contexto, é extremamente importante manter as estratégias e tratamentos que permitem um bom controlo dos sintomas, a redução do risco de exacerbações graves e a minimização da necessidade de corticosteroides orais.
Devemos encarar com otimismo o presente e futuro do tratamento da asma, convictos de que, com os cuidados adequados, é possível transformar a vida dos doentes, restituindo a qualidade de vida à maior parte dos pacientes asmáticos".