Por CNN, 05/06/23A Ucrânia tem cultivado uma rede de agentes e simpatizantes no interior da Rússia que trabalham para levar a cabo atos de sabotagem contra alvos russos e começou a fornecer-lhes drones para a realização de ataques, disseram à CNN várias fontes familiarizadas com os serviços secretos norte-americanos sobre o assunto.
As autoridades norte-americanas acreditam que estes agentes pró-ucranianos no interior da Rússia levaram a cabo um ataque com drones que visou o Kremlin no início de maio, lançando drones a partir do interior da Rússia em vez de os transportar da Ucrânia para Moscovo.
Não é claro se outros ataques com drones levados a cabo nos últimos dias - incluindo um que visou um bairro residencial perto de Moscovo e outro que atingiu refinarias de petróleo no sul do país - foram também lançados a partir do interior da Rússia ou conduzidos por esta rede de agentes pró-ucranianos.
As autoridades norte-americanas acreditam que a Ucrânia desenvolveu células de sabotagem no interior da Rússia, constituídas por uma mistura de simpatizantes pró-ucranianos e operacionais bem treinados neste tipo de guerra. Crê-se que a Ucrânia lhes forneceu drones de fabrico ucraniano e dois funcionários norte-americanos disseram à CNN que não há provas de que qualquer dos ataques com drones tenha sido efetuado com drones fornecidos pelos EUA.
Os responsáveis não puderam dizer de forma conclusiva como é que a Ucrânia conseguiu colocar os drones atrás das linhas inimigas, mas duas das fontes disseram à CNN que a Ucrânia estabeleceu rotas de contrabando que poderiam ser utilizadas para enviar drones ou componentes de drones para a Rússia, onde poderiam depois ser montados.
"O dinheiro faz maravilhas"
Um funcionário dos serviços secretos europeus observou que a fronteira russo-ucraniana é vasta e muito difícil de controlar, o que a torna propícia ao contrabando - algo que, segundo ele, os ucranianos têm feito durante a maior parte da década em que estiveram em guerra com as forças pró-russas.
"Também há que ter em conta que esta é uma zona periférica da Rússia", acrescentou. "A sobrevivência é um problema de todos, por isso o dinheiro faz maravilhas."
Drone explode perto da cúpula do Kremlin em Moscovo, nesta imagem retirada de um vídeo obtido pela Reuters a 3 de maio de 2023. Ostorozhno Novosti/Reuters
Fontes disseram à CNN que não se sabe exatamente quem controla estes bens, embora as autoridades norte-americanas acreditem que estejam envolvidos elementos da comunidade de serviços secretos da Ucrânia. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky estabeleceu parâmetros gerais para o que os seus serviços de informação e segurança estão autorizados a fazer, disseram duas das fontes, mas nem todas as operações requerem a sua aprovação.
Solicitado a comentar, um porta-voz do chefe do Serviço de Segurança ucraniano sugeriu à CNN que as explosões misteriosas e os ataques de drones dentro da Rússia iriam continuar.
"Só comentaremos o 'algodão' depois da nossa vitória", disse. Citando o chefe do Serviço de Segurança, Vasyl Malyuk, o porta-voz acrescentou que, independentemente disso, "o 'algodão' tem estado a arder, está a arder e vai continuar a arder".
"Algodão" é uma gíria que os ucranianos utilizam para se referirem a explosões, normalmente na Rússia ou em territórios ocupados pela Rússia na Ucrânia. As suas origens remontam às primeiras semanas da guerra e resultam do facto de a palavra russa para "explosão" ser muito semelhante à palavra ucraniana para "algodão".
O culminar de meses de esforços
Ao longo do último ano, tem havido um ritmo constante de incêndios e explosões misteriosas no interior da Rússia, tendo como alvo depósitos de petróleo e de combustível, caminhos-de-ferro, gabinetes de alistamento militar, armazéns e oleodutos. Mas, nas últimas semanas, as autoridades têm vindo a registar um aumento destes ataques em solo russo, a começar pelo ataque ao edifício do Kremlin. Parece ser "o culminar de meses de esforços" por parte dos ucranianos para criar as infraestruturas necessárias a este tipo de sabotagem, disse uma das fontes familiarizadas com as informações.
"Há meses que há uma pressão bastante consistente por parte de alguns na Ucrânia para serem mais agressivos", disse a fonte, falando sob anonimato devido à sensibilidade dos serviços secretos dos EUA. "E tem havido certamente alguma vontade a níveis superiores. O desafio tem sido sempre a sua capacidade de o fazer."
Um perito inspeciona a fachada danificada de um edifício de apartamentos após um ataque de drones em Moscovo, a 30 de maio de 2023. Kirill Kudryavtsev/AFP/Getty ImagesO chefe dos serviços secretos militares da Ucrânia, Kyrylo Budanov, propôs sistematicamente alguns dos planos mais ousados para operações contra a Rússia e valoriza atos simbólicos, disseram à CNN responsáveis norte-americanos.
De acordo com o Washington Post, documentos confidenciais do Pentágono divulgados online no início deste ano revelaram que a CIA pediu a Budanov que "adiasse" os ataques contra a Rússia no aniversário da invasão da Ucrânia. Budanov concordou com o pedido da CIA, segundo os documentos confidenciais. Mas os drones foram vistos perto de Moscovo a 28 de fevereiro, poucos dias depois do aniversário de um ano da guerra.
Outro relatório dos serviços secretos dos EUA, obtido pela CNN, que tem como fonte os serviços secretos de sinais [intercetação e interpretação de sinais de rádio, sinais de radar e telemetria], diz que Zelensky, no final de fevereiro, "sugeriu atacar os locais de implantação russos na região russa de Rostov" utilizando drones, uma vez que a Ucrânia não possui armas de longo alcance capazes de chegar tão longe.
Não é claro se esse plano avançou, mas instalações petrolíferas en Rostov incendiaram-se depois de terem sido atingidas por drones suspeitos várias vezes ao longo do último ano - ataques que a Rússia está agora a investigar e que atribuiu a "ações criminosas das formações armadas da Ucrânia".
"Tudo o que vou comentar é que temos matado russos", disse Budanov ao Yahoo News no mês passado, quando questionado sobre o ataque com carro-bomba que matou a filha de uma importante figura política russa nos subúrbios de Moscovo no ano passado. A comunidade dos serviços secretos dos EUA avaliou que essa operação foi autorizada por elementos do governo ucraniano.
"E continuaremos a matar russos em qualquer parte do mundo até à vitória completa da Ucrânia", acrescentou Budanov.
Uma estratégia militar inteligente
Publicamente, os altos responsáveis norte-americanos condenaram os ataques dentro da Rússia, alertando para a possibilidade de uma escalada da guerra. Mas, em declarações à CNN, responsáveis norte-americanos e ocidentais afirmaram acreditar que os ataques transfronteiriços são uma estratégia militar inteligente que pode desviar os recursos russos para a proteção do seu próprio território, numa altura em que a Ucrânia se prepara para uma grande contraofensiva.
Na terça-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido disse aos jornalistas que a Ucrânia tem "o direito de projetar a força para além das suas fronteiras para minar a capacidade da Rússia de projetar a força na própria Ucrânia". "Alvos militares legítimos para além das suas próprias fronteiras são reconhecidos internacionalmente como fazendo parte da autodefesa de uma nação. Devemos reconhecer isso."
O vice-almirante francês Nicolas Vaujour, chefe de operações do Estado-Maior Conjunto, disse à CNN na sexta-feira que os ataques dentro da Rússia são apenas "parte da guerra" e oferecem uma oportunidade para enviar uma mensagem à população russa.
"Há uma guerra e isso pode preocupar-vos [o público russo] no futuro", disse Vaujour sobre os ataques. "Por isso, é uma boa forma de os ucranianos enviarem uma mensagem não só a Vladimir Putin, mas também à população russa", acrescentou.
Relativamente aos atentados, disse que não era "proibido" à Ucrânia pensar nisso.
Responsáveis ucranianos, além disso, disseram em privado que planeiam continuar os ataques dentro da Rússia porque é uma boa tática de distração que está a forçar a Rússia a preocupar-se com a sua própria segurança interna, de acordo com uma fonte americana que falou com oficiais ucranianos nos últimos dias.
Numa atualização dos serviços secretos, o Ministério da Defesa do Reino Unido afirmou que os ataques de grupos pró-ucranianos e os ataques de drones na região fronteiriça de Belgorod forçaram a Rússia a utilizar "toda a gama de poder de fogo militar no seu próprio território".
"Os comandantes russos enfrentam agora um dilema agudo", indica o documento, "entre reforçar as defesas nas regiões fronteiriças da Rússia ou reforçar as suas linhas na Ucrânia ocupada".