© iStock
Notícias ao Minuto 26/01/21 Por LILIANA LOPES MONTEIRO
"Muitas pessoas com cancro do pulmão não têm sintomas até a doença se encontrar em fases avançadas", explica a médica Encarnação Teixeira, especialista da CUF Oncologia, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.
Janeiro é para a maioria dos indivíduos um mês de recomeços, de novos objetivos e de estabelecer metas para o futuro. E entre as resoluções de ano novo mais 'populares' destaca-se sem dúvida alguma parar de fumar.
De facto o tabagismo é a principal causa de cancro do pulmão.
Conforme explica Encarnação Teixeira: "cerca de 85% dos casos de cancro do pulmão surgem em fumadores. Quanto maior for o número de cigarros e o tempo que fumou maior será o risco de cancro do pulmão. Os fumadores passivos (os que estão expostos ao tabaco dos fumadores) também têm risco acrescido (20 -30%). O risco de cancro nos fumadores é cerca de 20 vezes superior ao dos não fumadores".
Ainda assim, o tabaco não é o único fator que estimula o desenvolvimento do tumor mortífero, nomeadamente a poluição atmosférica, a exposição a amianto, radão, carvão, escapes e substâncias químicas - são elementos que também potenciam o aparecimento deste cancro.
Além de que: "fatores individuais como a doença pulmonar obstrutiva crónica, fibrose pulmonar, antecedentes de tuberculose pulmonar, tratamentos de radioterapia torácica anterior e a predisposição genética, podem contribuir para o maior risco de cancro do pulmão", revela a oncologista.
Em Portugal os dados de 2018 referem 5.284 novos casos (9.1%) sendo o terceiro tumor mais comum no homem e o quarto na mulher. Adicionalmente, é a primeira causa de morte por doença maligna responsável por 4.671 mortes (17.7%).
Este e outros temas relacionados com o cancro do pulmão são explicados em detalhe por Encarnação Teixeira, especialista da CUF Oncologia, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.
O que é o cancro do pulmão?
Um tumor maligno ou cancro surge quando as células se dividem de uma forma descontrolada invadindo os tecidos e orgãos próximos ou proliferando para outras zonas do corpo produzindo metástases. No cancro do pulmão, a célula que perdeu a normalidade e passou a multiplicar-se intensa e desordenadamente tem origem no pulmão. Alguns tumores crescem e espalham-se rapidamente, enquanto outros crescem mais lentamente.
Quais são os sintomas deste tipo de tumor?
Muitas pessoas com cancro do pulmão não têm sintomas até a doença se encontrar em fases avançadas.
Os sintomas dependem da localização do tumor e do estádio em que se encontra. A tosse é um dos sintomas mais frequentes, muitas vezes desvalorizada sobretudo nos fumadores, mas que deve alertar se é persistente, ou haja aparecimento de dificuldade respiratória, sangue na expetoração, dor torácica persistente e infeções respiratórias de repetição.
Existem outros sintomas considerados não específicos porque podem estar relacionados com outras patologias que incluem a perda de peso não esperada, falta de apetite, cansaço, dores ósseas, dores de cabeça,
Em alguns casos, podem surgir sintomas no funcionamento de outros órgãos causados por substâncias segregadas pelo tumor a que se chama síndrome paraneoplásica.
A deteção em fases precoces com maior probabilidade de cura acontece geralmente de uma forma casual (consulta por outras queixas). As pessoas consideradas de risco (mais de 50 anos, fumador ou ex-fumador há menos de 15 anos) devem fazer uma consulta de diagnóstico precoce para realização de TAC de baixa dose.
Existem outras causas para o aparecimento desta patologia além do hábito de fumar? Existem fatores de risco que contribuem para o seu aparecimento?
Cerca de 85% dos casos de cancro do pulmão surgem em fumadores. Quanto maior for o número de cigarros e o tempo que fumou maior será o risco de cancro do pulmão. Os fumadores passivos (os que estão expostos ao tabaco dos fumadores) também têm risco acrescido (20 -30%). O risco de cancro nos fumadores é cerca de 20 vezes superior ao dos não fumadores. No entanto, nem todas as pessoas que têm cancro do pulmão são fumadoras. Podem ser ex-fumadores ou até que nunca fumaram.
|
Dra. Encarnação Teixeira © DR |
Entre os vários fatores de risco, encontra-se a exposição a radão - gás radioativo incolor e sem cheiro que existe no solo e se infiltra no interior das habitações.A exposição ao amianto é uma das causas profissionais mais conhecidas de cancro do pulmão e pleura. É um mineral fibroso utilizado em variadas indústrias como a construção civil, naval, automóvel, têxtil, aeroespacial. Usado no passado em revestimentos térmicos e acústicas, paredes e tetos falsos, embraiagens e travões de veículos, telhados, isolamentos, etc, foi proibido na União Europeia por ser fortemente cancerígeno ao libertar, quando degradado, fibras de amianto para o meio ambiente.
A exposição profissional a produtos do carvão, escapes, substâncias químicas como o arsénio, berílio, cromatos de níquel, entre outros também são considerados de risco.
A poluição atmosférica e existência de fatores individuais como a doença pulmonar obstrutiva crónica, fibrose pulmonar, antecedentes de tuberculose pulmonar, tratamentos de radioterapia torácica anterior e a predisposição genética, podem contribuir para o maior risco de cancro do pulmão.
Geralmente surge em que idade?
O aumento progressivo do número de casos de doenças oncológicas deve-se maioritariamente ao envelhecimento da população. O cancro do pulmão é diagnosticado, geralmente, em pessoas com idade superior a 65 anos (mediana de idade de cerca de 70 anos), embora possa ocorrer em idades mais jovens.
Afeta tanto os homens como as mulheres?
Existe um paralelismo muito estreito entre as curvas que traduzem as variações, ao longo das décadas, do consumo de tabaco e da incidência do cancro do pulmão.
A prevalência dos hábitos tabágicos atingiu o seu pico cerca de duas décadas mais tarde na mulher do que no homem, o que poderá explicar a tardia relevância epidemiológica do cancro do pulmão na mulher.
Alguns estudos sugerem risco potencialmente mais alto associado ao tabaco, em mulheres comparado com os homens por razões biológicas relacionadas com diferenças no metabolismo da nicotina, variações nas enzimas P450 envolvidas na bio-ativação e detoxificação dos componentes tóxicos do fumo do tabaco e efeitos hormonais. Habitualmente as mulheres têm melhor resposta aos tratamentos, com probabilidade de maior sobrevivência e melhor prognóstico. O cancro do pulmão em não fumadores é mais frequente nas mulheres.
Qual é a incidência deste tipo de cancro a nível mundial?
De acordo com os dados estatísticos de 2018 da Agência Internacional para a Investigação do Cancro ( IARC) da Organização Mundial de Saúde ( OMS),a nível mundial o cancro do pulmão foi o tumor com maior incidência e mortalidade. São referidos 2.1 milhões de novos casos de cancro do pulmão (11.6% do total de casos) seguido do cancro da mama (11.6%), próstata (7.1%) e colorectal (6.1%), sendo responsável por 1.8 milhões de mortes (18.4%do total). A incidência é variável, mas em alguns países da Europa, Ásia e América do Norte, a incidência no homem é de cerca de 40 casos por 100.000 e na mulher de 22 casos por 100.000.
E em Portugal?
Em Portugal os dados de 2018 referem 5. 284 novos casos (9.1%) sendo o 3º tumor mais frequente no homem e o 4º na mulher. É a 1ª causa de morte por doença maligna responsável por 4.671 mortes (17.7%).
Acha que é um cancro com tendência a aumentar?
A incidência por cancro do pulmão está intimamente ligada aos padrões do consumo do tabaco. As medidas incorporadas na Convenção Quadro para o Controlo do Tabaco da OMS reduziram o tabagismo ativo e impediram a exposição involuntária ao fumo do tabaco em muitos países. No homem, a diminuição da prevalência do tabagismo originou um declínio das taxas de incidência observadas pela primeira vez no Reino Unido e Estados Unidos, mas o aumento da incidência do cancro do pulmão na mulher é preocupante.
A diminuição do número de novos casos e da mortalidade por cancro do pulmão é devida não só ao impacto da cessação tabágica, mas também aos avanços no diagnóstico precoce e tratamento.
É geralmente fatal?
O cancro do pulmão é o tumor com maior mortalidade originando mais mortes por ano que os tumores do cólon, próstata e mama combinados.
A elevada mortalidade é devida, em parte, ao diagnóstico tardio por ausência de sintomas em fases iniciais da doença. A deteção precoce é fundamental uma vez que pode proporcionar uma terapêutica eficaz potencialmente curativa.
A existência de sinais ou sintomas considerados suspeitos deve ser investigada logo que possível. Quanto mais precoce for o diagnóstico, maior sucesso terá o tratamento e maior será a taxa de cura.
Como é feito o diagnóstico?
Na suspeita de cancro do pulmão, devem ser realizados alguns exames para determinar o tipo de tumor (histologia) e a sua extensão (estadiamento) que são fundamentais para definir a estratégia terapêutica. Mesmo nesta fase de pandemia, não adie a procura de parecer clínico perante suspeita. As unidades de saúde têm aplicados procedimentos e circuitos adequados para garantir a segurança de todos e minimizar o risco de contágio.
Uma anormalidade na radiografia simples do tórax indicará a necessidade de realizar uma tomografia computadorizada do tórax e uma biópsia. De acordo com a localização do tumor, a biopsia pode ser obtida através de uma broncoscopia, que é um exame endoscópico que permite visualizar o interior dos brônquios, ou por biopsia transtorácica orientada por TAC. Em alguns casos, por estes métodos não se consegue definir o diagnóstico da lesão pulmonar e conforme as situações, a biopsia é realizada nos gânglios, metástases, pleura, etc… Por vezes a alternativa é a biopsia cirúrgica. No tecido tumoral, para além da avaliação do tipo de células tumorais, também são pesquisados biomarcadores que contribuem para definir a opção terapêutica.
Na avaliação da extensão do tumor é geralmente efetuada uma tomografia de emissão de positrões (PET) e uma ressonância magnética crânio-encefálica.
Quais são os tipos de tratamentos aos quais os doentes são submetidos?
O tratamento do cancro do pulmão depende de vários fatores, mas a decisão baseia-se fundamentalmente no tipo de células que compõem o tumor, no estádio em que se encontra o tumor ao diagnóstico, isto é, a extensão da doença, da capacidade de o doente suportar a terapêutica proposta e do resultado dos biomarcadores.
As opções podem incluir a cirurgia, radioterapia, quimioterapia, terapêutica alvo, imunoterapia ou apenas terapêutica de suporte. Em grande parte dos casos, os tratamentos são constituídos por várias opções combinadas para obter melhor resultado. A colaboração em ensaio clínico é muitas vezes a oportunidade de acesso a terapêutica inovadora.
A cirurgia para remover o tumor é a opção preferencial nas fases precoces da doença (estádio I e II) e com maior probabilidade de cura. É necessário ter os testes da função pulmonar e cardíaca compatíveis com este procedimento.
Os tumores localmente avançados (estádio III) podem se muito volumosos ou terem envolvimento dos gânglios do mediastino ou das estruturas/orgãos próximos ( traqueia, coração, esófago), mas ainda estão localizados ao tórax. Alguns são submetidos a cirurgia, geralmente com tratamento neoadjuvante para redução do tumor. Noutros casos a melhor opção é a combinação de quimioterapia e radioterapia e posterior consolidação com imunoterapia.
Na doença metastática (estádio IV), o tumor já se disseminou para outros órgãos, e as terapêuticas sistémicas como a quimioterapia, terapêutica alvo e imunoterapia têm como objetivo o controlo do crescimento tumoral, prolongando a vida, melhorando os sintomas e a qualidade de vida.
Para além, das imagens 'chocantes' impressas nos maços de tabaco para dissuadir as pessoas de fumar - que outras medidas poderiam contribuir?
Sempre que possível, os fumadores devem ser orientados e motivados para consultas de cessação tabágica, multidisciplinares e acessíveis.
A cessação tabágica também pode ser promovida através de estratégias de informação e educação. Organizar campanhas apelativas, sobretudo dirigidas às mulheres, promovendo estilos de vida saudáveis, com alerta para os malefícios do tabaco.
É importante incentivar os jovens a juntarem-se à luta e criar uma geração sem tabaco. Perceber que é fundamental não começar a fumar. Apelar aos pais, cuidadores e professores que eduquem as crianças sobre os perigos dos produtos do tabaco.
Taxar progressivamente todos os produtos do tabaco com parte do imposto orientado para a prevenção.
Proteger os cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco.
O que diria a alguém que quer deixar de fumar, mas que não sabe por onde começar?
Procurar ajuda através de consulta de cessação tabágica. Embora a vontade e motivação sejam fundamentais para deixar de fumar, a equipa de profissionais de saúde dará o suporte e acompanhamento necessários para o sucesso. Na consulta serão definidos vários aspetos de acordo com o perfil e necessidade de cada pessoa, nomeadamente: os medicamentos a utilizar para a cessação tabágica; o tratamento da ansiedade; o apoio nutricional e psicológico. Haverá também um acompanhamento telefónico frequente nas diversas etapas.
Nesta batalha, para além do apoio da equipa, a ajuda de familiares e amigos é um contributo importante para atingir o objetivo, que é deixar de fumar.
Lembrar que deixar de fumar representa o passo mais importante para melhorar a duração e a qualidade da sua vida. Pouco tempo depois, é possível sentir a melhoria da capacidade pulmonar, redução da tosse, melhor olfato e paladar, diminuição do cansaço, redução gradual do risco de enfarte do miocárdio. A cada ano sem fumar os riscos de doenças crónicas graves diminui, assim como o risco de acidente vascular cerebral, problemas cardíacos e hepáticos e de cancro de boca, pulmão, laringe e faringe
Lembrar que o modo mais eficaz para prevenir o aparecimento do cancro do pulmão é não iniciar o consumo do tabaco, e no caso de ser fumador, parar.
Qual é o prognóstico para o futuro, há esperança de se vir a encontrar uma cura?
O cancro do pulmão é uma doença grave e o prognóstico desfavorável relaciona-se fundamentalmente com o diagnóstico em fases avançadas com menor possibilidade de cura.
Nos últimos 20 anos, o tratamento do cancro do pulmão sofreu avanços consideráveis com o aparecimento das terapêuticas alvo dirigidas a alterações moleculares e que marcaram a importância do tratamento personalizado e mais recentemente a imunoterapia. O objetivo é transformar o cancro do pulmão avançado em doença crónica com tratamentos que proporcionem boa qualidade de vida.
Sabemos que existe variabilidade nas taxas de sobrevivência e que esta é influenciada por vários fatores. A investigação continua e os pequenos avanços diários fazem-nos acreditar que a cura será uma realidade não muito distante.