Dos dias 20 a 23 de janeiro de 2024, dias dos heróis nacionais e dos combatentes da liberdade das Pátrias guineense e cabo-verdiana, a História e a Memória coletiva dos Povos da REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU, exigem a assunção destes momentos como ápices para uma obrigatória e profunda reflexão sobre a nossa vereda no meio século de 1973 a 2023.Dada a Nobreza dos Povos, da sua História e Luta, das causas, motivações, sacrifícios e desertos e oceanos que tiveram que atravessar, e a grandeza dos desígnios e do imensurável tributo dos resultados alcançados, inaceitável e escusado se tornam, choramingos ou lamentações, tampouco lograr-se em teias de arrependimento ou de tentações de ódio e do trilho, enganosamente fácil, da vingança.
Para chegarmos à fase da epopeia da luta político-militar que conduziu , vitoriosamente, ao insigne ato da proclamação unilateral da independência política da República da Guiné-Bissau e dos seus Povos no sagrado dia 24 de setembro de 1973, face aos invasores, colonialistas portugueses, os Povos deste território tiveram que viver, suportar, lutar e vencer várias e distintas etapas da sua História. Desde os desafios de luta pela sobrevivência diante dos adversos fenômenos da natureza e do meio ambiente, as guerras entre africanos, as incursões de povos e de indivíduos estranhos, as ocupações e colonizações europeias, a escravização e comercialização dos seus filhos, os massacres e assassinatos indiscriminados, a fome, a ignorância, o obscurantismo, até a violência religiosa de toda a ordem possível e imaginária.
Estamos a vivenciar, mais um dia, o dia em que foi barbaramente assassinado, o mais proeminente e saudoso filho deste país e dos seus resistentes e combativos Povos, aquele a quem se reconhece como sendo, "o segundo maior líder mundial de sempre", de acordo com pesquisas da BBC, de 07/03/2020, feitas junto de historiadores e investigadores de vários quadrantes. De seu nome, AMÍLCAR LOPES CABRAL, um Homem singular, um Guineense ímpar, um património nacional e mundial que está acima de todos os partidos e de todos os políticos, num ano em que se estivesse vivo completaria 100 anos, a 12 de setembro. Também, estamos todos convidados a sobreviver às datas como, 23 de janeiro, dia dos Combatentes da Liberdade das Pátrias guineense e cabo-verdiana; 24 de setembro, dia da independência nacional, completando 50 anos da proclamação da nossa autodeterminação e independência política.
Se aos primórdios do início da fase da nossa luta político-militar vitoriosa, a Guiné de então ainda chamada portuguesa, de todos os seus filhos "autóctones", de mais de 500 mil, só cerca de 1 500 saberiam ler e escrever alguma coisinha em português, quer dizer, os letrados. Dentre estes mais de 500 mil, já os considerados "indígenas", pelo regime colonial fascista de Portugal, que constituíam cerca de 90 por cento da população "nativa", era-lhes vedado o acesso à escola. Foi, pois, nestas condições, que os Povos deste país, com o seu suor e sangue, conquistaram a sua independência política, guiados pelo seu melhor filho, Amílcar Cabral.
A este feito glorioso, único, juntam-se alguns resultados bastante positivos granjeados, particularmente na massificação do ensino e na formação de quadros, na melhoria de algumas infraestruturas ( mais sonantes, as rodoviárias), na melhoria das condições de saúde das populações, na abertura ao conhecimento e ao mundo, na tentativa ainda ofuscada de instauração de um sistema político democrático, entre outros.
Entretanto, regista-se, com elevada tristeza, a nossa incapacidade de sacudir o pesado fardo da violência recorrente, adveniente do doloroso percurso da nossa história, sobretudo, dos últimos 500 anos.
Estima-se que de 1973 a 2023, tenham perecido cerca de 50 mil cidadãos guineenses, por motivos de desentendimento político e militar. A partir do víl assassinato de Amílcar Cabral, só no regime político que vigorou entre 1973 a 1980, morreram cerca de 30 mil guineenses, em execuções sumárias coletivas e individuais, e em assassinatos e mortes lentas provocadas. De 1980 a 2023, terão falecidos cerca de 20 mil guineenses, em guerra civil, golpes de estado, tentativas e inventonas, e em atos de assassinato e de vingança. Isto, para além dos estrangeiros que morreram no nosso território pelos mesmos motivos.
O apelo à nossa consciência, determinantemente da do grupo de cidadãos que exercem atividades políticas, é o de refletirmos profundamente sobre a nossa realidade social, económica e política, tendo como insumos os dados da nossa história, as precárias condições de vida dos Povos da nossa Terra, a situação educacional e sanitária das populações do nosso país comparando-as com as de outros países e povos, o baixo nível de produção e de produtividade, as nossas infraestruturas energéticas, de transportes (rodoviárias e fluviais), da destruidora exploração de alguns dos nossos recursos e a prospetiva de exploração de minérios, a nossa debilidade no contexto sub-regional e regional e no concerto dos estados a todos os níveis.
É importante reter, que não será possível exercitar reflexões sem liberdade de expressão e de pensamento. Não será possível a paz e a estabilidade, tão fundamentais, sem diálogo, sem aceitarmos a diferença de pontos de vista e de opiniões, sem pautarmo-nos pela frontalidade, pela verdade, com tolerância, sem combate aos vícios e males que nos assolam (a corrupção, o autoritarismo, as manias de "matchundadi", o oportunismo, o nepotismo, o clientelismo, as intrigas, o “sim senhor chefe”, o grupinho, entre outros).
GLÓRIA ETERNA A TODOS OS NOSSOS HERÓIS E MÁRTIRES
GLÓRIA, E, ETERNAS SAUDADES, AMÍLCAR LOPES CABRAL.
Bissau, 20 de janeiro de 2024.
POR. Ariceni Abdulai Jibrilo Baldé
(Djibril Baldé)