Na recta final do mandato como chefe do Governo, Aristides Gomes em entrevista exclusiva à e-Global afirmou que a realização das eleições legislativas foi a principal missão na sua legislatura. “Pela primeira vez fizemos eleições na base de um recenseamento biométrico, um recenseamento muito fiável, num clima de tensão extrema e depois de uma crise política que durou vários anos. Uma crise política que provocou uma cisão no maior partido, PAIGC, mas também provocou uma ruptura entre o Presidente da República, que tinha sido eleito com as cores do PAIGC”, bem como “num contexto de ruptura de uma coligação que estava no governo. Portanto, uma ruptura entre PAIGC e o PRS”. A esta delicada situação junta-se um ambiente em que na Guiné-Bissau “as forças da defesa e segurança que se inscrevem numa tradição de Golpes de Estado”.
“Havia muitos ingredientes para uma explosão política com consequências graves. Era este o contexto em que se pretendia organizar as eleições legislativas. Não se conseguia fazer as pessoas entenderem-se, os partidos entenderem-se”, e por isso foi necessário o recurso e mediação da Comunidade Internacional “de modo que restabelecer o diálogo era uma tarefa bastante árdua”. No entanto “os partidos acabaram por dar provas de uma certa contenção e realismo”.
“Tendo em conta este contexto, nós tivemos que negociar tudo. Negociar até o que em princípio devia ser uma coisa evidente”, tais como procedimentos básicos no processo de recenseamento que geravam “muitas desconfianças”. “Fomos avançando num clima de desconfiança extrema, de modo que tínhamos negociações todos os dias com todos os partidos”, conta Aristides Gomes.
“Mas enfim, lá conseguimos fazer o recenseamento e passar às eleições. Podemos dizer que o balanço do Governo começa por ser um balanço em que nós tivemos a possibilidade de marcar uma tradição, a tradição de negociar com toda gente, de fazer baixar os ânimos, de mostrar que temos potencialidades e que temos quadros que podem ter uma certa objectividade na resolução dos problemas”, defende o chefe do Governo.
Ruptura com o mono partidarismo e a bipolarização
Sobre os resultados das eleições legislativas, Aristides Gomes considera que a Guiné Bissau está “numa situação de transformações políticas” e “há um processo de ruptura não só com o mono partidarismo” mas também “uma ruptura com a bipolarização”.
“Surgem mais dois partidos na cena que constituem mais ou menos uma espécie de uma implosão no PAIGC e no PRS. Portanto, houve uma implosão do eleitorado do PAIGC, mas também houve uma implosão do eleitorado do PRS”, que Aristides Gomes considera ser um “processo normal”.
Segundo a análise do primeiro-ministro, a implosão do PAIGC começou nos anos 90. “O PAIGC perdeu o eleitorado de origem Balanta e houve um grande choque que levou a implosão do eleitorado Mandinga. Mas, por outro lado, o PAIGC continua a afirmar-se como um partido da universalidade étnica da Guiné-Bissau” sendo aquele “que ainda reagrupa o maior número de pessoas provenientes de diferentes etnias”. Por este motivo “o PAIGC ganhou em todas as cidades, porque o fenómeno urbano é precisamente o fenómeno da maior integração, o fenómeno de uma universalidade em termos de composição das populações. Portanto, em todas as cidades, em Bissau que é o centro mais urbanizado, o PAIGC consegue mais de 95% do sufrágio. Isso é encorajador, quer dizer que é um partido que ainda tem futuro. É um partido que se inscreve na evolução normal na nossa sociedade”.
Aristides Gomes afirma também que o seu governo “não teve muito tempo” de existência para poder apresentar um balanço, para além do recenseamento e das eleições, mesmo assim destaca a acção do seu governo no funcionamento do Estado com a melhoria das “condições de trabalho e de existência dos funcionários de Estado” assim como o estabelecimento de um salário mínimo para a função pública que resultou num aumento de mais de 80%, passando de 29.000 Cfa a 50.000 Cfa.
Aristides Gomes afirma também que o seu governo criou condições para romper “com a miséria que existia na produção eléctrica” e abriu “a perspectiva para que haja mais confiança interna e externa no investimento na Guiné-Bissau”.
Romper com a ideia da Guiné-Bissau ser um Narcoestado
Para Aristides Gomes a apreensão de cerca dos 789 quilogramas de cocaína na véspera das eleições legislativas “mostra precisamente que a Guiné-Bissau está a romper com a ideia em como poderia ser um narcoestado”. Segundo o primeiro-ministro a qualificação da Guiné-Bissau como um “narcoestado” é “uma designação incorrecta”. A Guiné-Bissau “nunca chegou a ser atingida a esse nível. O narcoestado é um Estado que produz a cocaína e outras drogas. Nós sabemos quais são os Estados de onde se produz. Eu penso que essa designação é uma designação infeliz, de certos países que não estão muito atentos. Os verdadeiros observadores, aqueles que trabalham de facto nesta matéria reconheceram sempre que a Guiné-Bissau finalmente não era um dos principais países de passagem da droga”.
Risco de repetição da crise política
Aristides Gomes reconhece que “há uma repetição” do ambiente que levou à crise politica com o PAIGC, liderado por Domingos Simões Pereira, como o partido mais votado nas eleições legislativas e estando na Presidência José Mário Vaz, as duas personagens políticas que estiveram no centro da crise que iniciou em 2015.
“Acho que há uma repetição de facto”, considera Aristides Gomes, mas “este é o segundo acto”. No segundo acto, as “duas personalidades tiveram um determinado tempo e experiência para apreciarem melhor aquilo que se passou e por conseguinte podem ter uma reacção diferente no resto da peça. O público, quer dizer a nossa sociedade, e a própria Comunidade Internacional também têm maiores capacidades para ficarem vigilantes, porque já viram o primeiro acto. O segundo acto pode ser visto com olhos diferentes e com uma vigilância diferente. Portanto, eu penso que o segundo acto pode ser melhor”.
No entanto, Aristides Gomes reconhece que há “sempre um risco” para uma repetição da crise. “O risco zero não existe sobretudo num contexto em que a Guiné-Bissau tem problemas estruturais que levam à crise. A crise não se resume aos actores que estão em presença, mas há um contexto do próprio cenário. Nós precisamos de reformar as nossas instituições. Precisamos de fazer alguma coisa para que a nossa Constituição seja muito melhor gerida. Nós precisamos de fazer reformas nos sectores da Defesa e Segurança. Nós precisamos de melhores condições para o investimento. Enfim, há todo um conjunto de coisas que favorecem a explosão de crise. Assim, não é só a questão de duas personalidades”.
Sobre o risco de o Presidente da Republica não convidar Domingos Simões Pereira, líder do partido mais votado, a formar Governo, Aristides Gomes considera que “há sempre essa possibilidade. Mas é uma possibilidade que vai criar mais problemas do que resolver problemas”.
“Eu não penso que o Presidente da República, depois daquilo que se passou, tenha, enfim, essa motivação. Não penso. Como eu disse, o acto dois da mesma peça vai realizar-se num contexto diferente com uma experiência diferente dos actores, mas também com uma nova visão daqueles que vão observar esse acto”, considera o primeiro-ministro Aristides Gomes.
Aristides Gomes candidato à Presidência da República?
Vários rumores que circulam em Bissau apontam que o actual primeiro-ministro será candidato à Presidência da República, um assunto que Aristides Gomes tentou contornar. “Não tenho pressa nesse aspecto. Aprendi a não forçar as situações, porque não depende só de mim, depende das forças que estão em presença”.
Porém não excluiu poder ser candidato em primárias no PAIGC para a eleição do candidato do partido à eleição presidencial. Mas, “depende da maneira como as primárias forem feitas e em que bases. Se é para debater as ideias eu estaria disposto, porque eu estou nessa tradição, sempre fiz política para defender as ideias. Comecei a fazer a política numa época em que se debatiam ideias. Tudo partia de ideias. Mas hoje não é assim. Por isso que eu digo que depende da situação. Se o processo não assumir a característica da ideia aí não teria muito interesse para mim e continuaria a fazer a minha vida profissional”, diz Aristides Gomes reconhecendo que poderá ser um “potencial” candidato nas primárias no PAIGC.
Para Aristides Gomes a política “perdeu muita nobreza nos últimos anos” na Guiné-Bissau, e há formas de “fazer a política que já não suscita” no chefe do Governo “grande entusiasmo”. “Para mim, são menos nobres. Eu sempre trabalhei politicamente no âmbito de uma visão universal de querer transformar o meu país. Mas, nos últimos anos faz-se política mais para resolver os problemas pessoais”, acusa Aristides Gomes.
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