"Julgo que o Presidente da República, tendo marcado agora eleições presidenciais para novembro, deverá manter-se em funções e não há nenhuma razão para que seja substituído pelo Presidente da Assembleia Nacional Popular", afirmou Bacelar Gouveia, um dos juristas que ajudou na elaboração do texto constitucional guineense, datado de 1984, ainda em vigor, mas com algumas alterações.
Em entrevista à Lusa, Bacelar Gouveia considerou que a substituição do chefe de Estado pelo presidente do parlamento só seria possível "se houvesse a vagatura do lugar, por morte, renúncia, um impedimento permanente do Presidente ou se tivesse sido destituído por um processo de 'impeachment'", mas nada disto aconteceu, não vendo por isso por que se levanta tal possibilidade.
Para o constitucionalista, crítico seria o facto de o Presidente da Guiné-Bissau querer ficar no lugar "para sempre" e não decretar novas eleições.
Porém, isso não aconteceu, porque o chefe de Estado guineense, José Mário Vaz, que termina o seu mandato de cinco anos no domingo já convocou eleições presidenciais para novembro.
"É verdade que ele já esgotou o seu mandato e está em prolongamento de funções, mas isso é necessário para que o cargo continue a ser ocupado, porque o princípio do direito público é de que não haverá vazios de poder", considerou o constitucionalista.
Assim, quando alguém atinge o limite de permanência num cargo e, por qualquer razão, não tem sucessor, continua em funções até ser substituído, nos termos estabelecidos pela Constituição e pela Lei, referiu.
Agora, outra questão é se o Presidente poderá, a partir de segunda-feira, ter os mesmos poderes que teve nos cinco anos de mandato.
Na opinião do constitucionalista, que diz ter do Presidente guineense um pedido para estudar precisamente esses poderes após fim de mandato presidencial, o mais razoável é que haja atos que são limitados, embora a Constituição do país não seja clara sobre isso.
"A Constituição tem as suas exceções e a da Guiné Bissau também tem, talvez tenha mais do que as outras. Por isso, a ilação a tirar disto tudo é a necessidade urgente de se fazer uma nova Constituição. Mas penso que, uma vez que [o Presidente] está em prolongamento de funções, a legitimidade para exercer os atos que lhe competem não deve ser exatamente igual àquela que teria no mandato de cinco anos, que já se esgotou", defendeu o constitucionalista português.
Portanto, deve praticar os atos que se considerem "necessários, urgentes e adequados, sem que isso possa comprometer o novo presidente".
Entre estes atos está o da nomeação do primeiro-ministro para a formação do governo após as eleições de 10 de março, indicou.
Segundo Jorge Bacelar Gouveia, o chefe de Estado não deve praticar atos de uma "importância tal que só devem competir a um novo presidente designado com total legitimidade no novo quadro eleitoral presidencial que está previsto para novembro".
A este propósito, estabelece o paralelismo com o que acontece com o governo.
"Quando pede a demissão e fica a governar até que haja outro governo, há o princípio geral de que não há uma plenitude de poderes, mas sim poderes de mera gestão", considerou.
O mesmo se passa relativamente ao presidente interino. "Há regras na Constituição portuguesa e na guineense que limitam os poderes face aos de um Presidente efetivo", observou Bacelar Gouveia.
Contudo, no caso da Guiné-Bissau, atualmente "não há presidente interino, é o mesmo presidente que está a exercer as mesmas funções ainda que para lá do último dia do mandato".
O constitucionalista notou que este país africano nunca enfrentou tal situação, porque "nenhum presidente até agora chegou ao final de mandato",
Por isso, a resposta é mais difícil, pelo que vai ter também de a estudar "a pedido" de José Mário Vaz.
DN.PT
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