Gigantes americanas de tecnologia evitam pagar impostos no estrangeiro, mas países africanos estudam formas de evitar a evasão sem retaliações. Perdas provocadas por três empresas chegam a 2,3 mil milhões de euros.
Apesar da crise global, gigantes americanas como a Amazon e a Microsoft estão a fazer grandes vendas, inclusive nos países em desenvolvimento. As gigantes da tecnologia sediadas no estrangeiro quase não pagam impostos nos países que utilizam os seus serviços digitais.
Um relatório da organização não-governamental britânica ActionAid International sobre a evasão fiscal por parte de empresas de tecnologia americanas calcula um enorme prejuízo. De acordo com o relatório, 20 países, incluindo 12 estados da África subsaariana, estariam a perder até 2,3 mil milhões de euros em receitas fiscais do Facebook, Microsoft e Alphabet, empresa-mãe do Google.
David Archer, porta-voz da ActionAid, cita também regras fiscais internacionais desatualizadas como motivos, o que permite às grandes empresas transferirem os lucros para paraísos fiscais. Archer destaca a falta de um tratado global que exija que todos os países sejam transparentes em matéria de impostos.
Perdas podem chegar a 2,8 mil milhões de dólares em impostos de três empresas
Obstáculo inesperado
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) tem estado a trabalhar num plano fiscal internacional, mas as negociações estão a estagnar. Archer considera a OCDE é o maior obstáculo. "É um clube de nações ricas que não se preocupam tanto com as necessidades dos países em desenvolvimento", diz Archer, acrescentando que "as propostas e os processos na organização são atrasados".
Mustapha Ndajiwo, fundador do Centro Africano de Impostos e Governação (ACTG) na Nigéria, não acha que certas abordagens da OCDE sejam inadequadas, mas diz também que os "países africanos tomaram as suas próprias medidas para reduzir as fugas fiscais". Por exemplo, eles tributam transações e transferências eletrónicas.
A Nigéria está a tentar combater a evasão fiscal por parte das empresas tecnológicas em duas frentes. Primeiro, conforme Ndajiwo, um imposto indireto sobre o valor acrescentado dos serviços digitais consta na Lei das Finanças desde 2019.
Quando um nigeriano paga pela sua encomenda na Amazon, o IVA vai para os bolsos do governo, diz Ndajiwo. Conforme a segunda abordagem, as empresas estrangeiras não sediadas na Nigéria teriam de pagar impostos sobre os lucros que obtiveram com os serviços digitais no país.
Ndajiwo descreve esta tributação dos lucros como "o principal problema". Segundo o fundador da ACTG, este regulamento bastante complexo, que foi introduzido há um ano, não é fácil de implementar. E isto, diz ele, ainda não resolveu o problema da transferência de lucros para paraísos fiscais.
Mesmo com o simples pagamento de impostos indiretos para serviços digitais ainda resta um problema: "As empresas podem passar imediatamente os impostos para o consumidor", diz Ndajiwo. Isso aconteceu no Reino Unido em 2020, quando foi introduzido um imposto digital. E poderia acontecer também no Quénia, diz o perito.
Quénia e Nigéria buscam saídas
Imposto no "momento errado
O Quénia decretou um imposto de 1,5% sobre todos os serviços digitais a partir de 2021, independentemente do local onde uma empresa esteja sediada.
Isto destina-se a cobrir players globais, tais como a Uber, empresa de táxi, e a Netflix. De acordo com relatórios dos meios de comunicação locais, o Quénia espera recolher cerca de 5 mil milhões de xelins quenianos (o equivalente a 37,8 milhões de euros) já na primeira metade de 2021.
"Este imposto vem no momento errado", diz Nimmo Elmi numa entrevista à DW. Tal como a sua colega Ndajiwo, ela trabalha na ACTG - mas com um enfoque no Quénia. "Muitas empresas já estão a sofrer muito com a recessão causada pela Covid-19 e espera-se agora que paguem impostos adicionais". Elmi apela a uma distinção na tributação entre empresas estrangeiras e quenianas.
Está a ser oferecida ajuda na introdução de um imposto digital pelo Fórum Africano de Administração Fiscal (ATAF) com sede na África do Sul, que já conta com 38 membros de todas as regiões africanas, aos quais presta assistência técnica em questões fiscais. A ATAF também trabalha sobre isso com a União Africana.
"A partir de discussões com os nossos membros, sabemos que outros países africanos estão a considerar introduzir um imposto sobre serviços digitais", diz o diretor-executivo da ATAF, Logan Wort.
Para além do Quénia, o Zimbabué já introduziu uma taxa deste tipo. "No entanto, alguns membros têm preocupações sobre uma possível retaliação dos EUA", diz Logan em entrevista à DW. "Isso poderia levar à imposição de tarifas sobre as exportações desses países para os EUA".
Dificuldade de taxação está a gerar mobilização mundial
Europa também busca soluções
A preocupação é inteiramente justificada. Em 2019, os EUA anunciaram tarifas punitivas contra a França, quando o país europeu pretendia introduzir um imposto digital. No entanto, a nova administração dos EUA sob a direção de Joe Biden concordou recentemente que as empresas tecnológicas deveriam pagar uma maior parte das suas receitas nos países onde operam.
Os EUA também sinalizaram que também discutem um imposto mínimo sobre as empresa. A França já reagiu positivamente à decisão, segundo o ministro das Finanças Bruno Le Maire - que espera um acordo internacional antes do final do primeiro semestre de 2021.
Em África, o ceticismo ainda prevalece. "Enquanto os nossos países estiverem à espera de uma solução global, baseada no consenso, devem agir como um bloco e resistir a possíveis tarifas de retaliação dos EUA", acredita Logan Wort:
Já o perito nigeriano Mustapha Ndajiwo também defende que os países trabalhem melhor em conjunto.
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