quinta-feira, 10 de outubro de 2019

África não pode fazer transformação sem sair da dependência das matérias-primas, diz economista

O economista guineense Carlos Lopes defendeu hoje, em Lisboa, que a dependência das matérias-primas impede a transformação de África, incluindo de países como Angola, Moçambique ou Cabo Verde, com economias fortemente dependentes de petróleo, gás e turismo.


"África não pode fazer uma transformação sem sair da dependência das matérias-primas e essa dependência, infelizmente, está a impedir também a industrialização" do continente, disse Carlos Lopes.

O representante da União Africana para as negociações com a União Europeia falava hoje, aos jornalistas, em Lisboa, no âmbito de uma conferência sobre os desafios da agenda para África, promovida pelo Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas.

Para o economista guineense, antigo secretário-executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África, 35 dos 55 países africanos têm economias muito dependentes das matérias-primas, incluindo todos os lusófonos.

"Em Angola, temos a dependência do petróleo, pouca diversificação e pouca transformação estrutural da economia, índices de fiscalidade muito baixos em relação ao tamanho da economia, o que faz com que os recursos públicos dependam diretamente do petróleo. Isso é mau e cria grandes volatilidades", apontou.

No caso de Moçambique, prosseguiu, "as grandes descobertas de gás produziram já uma `doença holandesa` em antecipação, ou seja, uma dependência exagerada das matérias-primas para tudo o que é a estrutura de decisão económica".

Neste contexto, Carlos Lopes analisa os ataques por grupos desconhecidos e que têm sido reivindicados pelo Estado Islâmico ocorridos na província moçambicana de Cabo Delgado, onde se localizam as jazidas de gás natural, como "manifestações da falta de coesão e inclusividade no sistema político".

"O terreno é fértil porque existe desemprego e falta de inclusão dos jovens no processo de decisão e porque há demasiada dependência das matérias-primas. Não é por acaso que tudo isso se está a passar na zona em que está o gás", assinalou.

Apontou ainda a dependência económica da castanha de caju na Guiné-Bissau - o que, segundo Carlos Lopes faz com que seja "a única fonte de receita própria do Governo" - e em Cabo Verde a forte ligação ao turismo.

"No caso de Cabo Verde, é o turismo que cria essa volatilidade e essa dependência do exterior. Cabo Verde tem de aproveitar as potencialidades turísticas que tem, mas tem de fazê-lo com consciência que não pode ter toda a economia amarrada aos humores da economia europeia", considerou.

Em São Tomé e Príncipe, Carlos Lopes identifica "a criação de uma dependência muito forte da ajuda ao desenvolvimento", considerando que se trata de "outra fonte de receita sobre a qual não se tem controlo".

"Todos precisam de transformação estrutural e todos devem fazê-la o mais rápido possível", disse.

Nesse sentido, Carlos Lopes apontou como os grandes desafios para o continente africano neste século a concretização de uma agenda que responda às "megatendências mundiais" - tecnológica, climática e demográfica.

Tal implicará, segundo o economista, uma capacidade de "reestruturar as formas de governação no continente para que haja uma maior participação, nomeadamente dos jovens, nos processos de decisão", disse.

O continente africano terá 2 mil milhões de pessoas em 2050 e em 2034 uma em cada duas crianças nascidas no mundo será africana.

Carlos Lopes defendeu também que são necessárias "escolhas económicas muito precisas" e apontou como grandes oportunidades a duplicação do Produto Interno Bruto do continente em apenas 15 anos, a explosão demográfica, a possibilidade de construir de raiz uma matriz energética limpa, o potencial hídrico do continente, os benefícios da mão-de-obra barata e a grande dimensão do mercado interno.

"As janelas de oportunidades são escassas e obrigam a um nível de sofisticação que alguns governos africanos já estão a demonstrar, mas muitos estão longe de conseguir", disse.

RTP.PT

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