quinta-feira, 23 de julho de 2020

Guiné-Bissau. “O meu Presidente foi o único a propor a pena de morte para narcotraficantes”

Embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, acompanhado pela secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação e pela representante da Comissão Europeia em Portugal
JOSÉ FERNANDES  

22.07.2020 às 21h56 HÉLDER GOMES  Expresso.pt

Segundo o embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, isto mostra “o quanto” Umaro Sissoco Embaló “repudia este negócio obscuro que foi trazido” para o país. O diplomata desvalorizou a preocupação dos EUA com o afastamento de anteriores responsáveis guineenses pelo combate ao tráfico de droga. “Depois de todos estes anos de caos”, o atual Governo está “a refundar a república”, garantiu

O embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa, Hélder Vaz Lopes, lembrou esta quarta-feira que o Presidente do país, Umaro Sissoco Embaló, sugeriu a aplicação da pena de morte aos traficantes de droga. Em declarações no Aeroporto Humberto Delgado, de onde entre quinta-feira e domingo partem quatro voos com 45 toneladas de ajuda no combate à covid-19, o diplomata desvalorizou a preocupação demonstrada na véspera pelos EUA com o afastamento de responsáveis guineenses pelo combate ao narcotráfico.

“Foi-lhes apresentado que o Governo anterior é que combatia o tráfico de droga”, justificou. “O meu Presidente foi o único candidato na campanha eleitoral que disse que, se dependesse da vontade dele, proporia a pena de morte para os narcotraficantes. E, de facto, um combate sério ao narcotráfico será travado. Sabemos quando surgiu o narcotráfico na Guiné-Bissau, com quem, em que circunstâncias e para financiar que campanha eleitoral, em 2005”, acrescentou, referindo-se ao primeiro mandato de Aristides Gomes como primeiro-ministro.

Confrontado com o problema que constituiria – junto da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), por exemplo – a Guiné-Bissau instaurar a pena de morte, o embaixador respondeu: “Os EUA têm pena de morte…” Nova tentativa do jornalista: “Mas não pertencem à CPLP.” E, por fim, uma explicação mais detalhada: “Claro. Mas o meu Presidente disse, durante a campanha eleitoral, que se dependesse dele, proporia a pena de morte para os narcotraficantes. Naturalmente estamos a falar de uma campanha eleitoral mas isso é para traduzir o quanto uma pessoa repudia este negócio obscuro que foi trazido à Guiné-Bissau.”

Os EUA mostraram-se esta terça-feira preocupados com o afastamento de responsáveis da Guiné-Bissau pelo combate ao tráfico de droga, que estavam a ter “resultados extraordinários”. Heather Merritt, adjunta do secretário de Estado para o Gabinete para os Narcóticos Internacionais, acrescentou: “A Guiné-Bissau é um dos pontos a que os EUA estão atentos, foi um problema durante muitos anos como palco do narcotráfico” e “estamos preocupados com o tipo de Governo que está a ter e com o esforço que ele está a fazer ou não para prevenir o tráfico de droga.”

Em causa, detalhou a responsável americana, está a demissão da ministra da Justiça, Rute Monteiro, e da diretora da Polícia Judiciária, Filomena Lopes, substituídas por membros do atual Governo, liderado por Nuno Gomes Nabiam. A ex-ministra da Justiça está atualmente em Portugal depois de se queixar de perseguição pelas autoridades no país.

“OS SENHORES TÊM SIDO MUITO ENGANADOS”
Perante isto, o embaixador da Guiné-Bissau em Lisboa acusa os jornalistas de estarem “a ser manipulados. “Queria convidá-los para um encontro na minha embaixada, quando quiserem, para abordarmos de uma forma profunda todo o processo político da Guiné-Bissau nos últimos cinco, seis anos”, disse. “Para que tudo aquilo que é fruto das empresas do lóbi político, e que se traduz naquilo que os senhores recebem dos órgãos de comunicação e dão aos consumidores nas televisões e nos jornais, possa refletir a realidade”, detalhou.

“Infelizmente, os senhores têm sido muito enganados porque naturalmente acreditamos que os jornalistas em Portugal têm boas intenções e querem traduzir a verdade. Através da manipulação que empresas vocacionadas para transmitir opinião conseguem fazer passar, só uma parte passa e os senhores passam aquilo que não é verdade”, lamentou. E relatou um par de episódios: “O primeiro-ministro anterior, o Aristides Gomes, tem um processo do Ministério Público da Guiné-Bissau que o acusa do desvio de 700 e tal quilos de cocaína, depositados nos cofres da Secretaria de Estado do Tesouro Público e não na Judiciária. Eu, como embaixador em Lisboa, fui ‘convidado’ a ceder um visto a um indivíduo que é um narcotraficante colombiano. Quem é que me deu instruções para lhe dar o visto aqui em Lisboa para ir para a Guiné? Foi o Governo do Aristides Gomes. Eu não sabia quem era o senhor.”

Em fevereiro, a Comissão Nacional de Eleições declarou Umaro Sissoco Embaló o vencedor da segunda volta das eleições presidenciais. O candidato dado como derrotado, Domingos Simões Pereira, líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), não reconheceu os resultados, alegando que houve fraude, e apresentou um recurso de contencioso eleitoral no Supremo Tribunal de Justiça, que ainda não tomou qualquer decisão.

Umaro Sissoco Embaló autoproclamou-se Presidente da Guiné-Bissau e acabou por ser reconhecido como vencedor das eleições pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, que tem mediado a crise política no país, e pelos restantes parceiros internacionais. Após tomar posse, o chefe de Estado demitiu o Governo liderado por Aristides Gomes, saído das legislativas de 2019 ganhas pelo PAIGC, e nomeou um outro liderado por Nuno Gomes Nabiam. O primeiro-ministro nomeado assumiu o poder com o apoio das Forças Armadas, que ocuparam as instituições de Estado.

“É DESTA GUINÉ QUE QUEREMOS QUE O MUNDO FALE”
“Pela primeira vez desde 2015 conseguimos fazer com que o Parlamento funcione porque houve uma obstrução sistemática ao funcionamento de um órgão de soberania, o que constitui crime”, sublinhou o embaixador em Lisboa. “Costumamos dizer que hoje estamos a lutar contra o bando de Odessa, um grupo de pessoas que foram instruídas e preparadas, ainda no tempo da Cortina de Ferro – do lado de lá, na ex-União Soviética – para serem os nossos líderes e que tentam a toda a força conduzir-nos para onde querem. E nós queremos esta relação com Portugal e com o Ocidente porque pensamos da mesma forma”, assegurou.

Hélder Vaz Lopes disse também que “depois de todos estes anos de caos”, o atual Governo está “a refundar a república” e tem “objetivos que passam por Portugal”. “É desta Guiné que queremos que o mundo fale, esta Guiné-Bissau que foi objeto de sacrifício de muita gente, da geração do meu pai e de outros que criaram os instrumentos que nos conduziram à independência com a perspetiva de uma sociedade de justiça, de igualdade e não de uma sociedade onde o guineense fosse o lobo do seu irmão e o devorasse. É disso que queremos falar. Não nos queremos entreter com gente que perde eleições, telefona a reconhecer que perdeu eleições, depois já não perdeu eleições e quer implantar o caos no país”, rematou.


O embaixador recordou igualmente um encontro entre Nuno Gomes Nabiam e o seu homólogo português, durante o qual o primeiro-ministro guineense propôs a António Costa “a justiça e a cooperação judiciária” como “áreas privilegiadas de cooperação”. “Porque temos a vontade genuína de combater isto tudo”, explicou.

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