Os conflitos entre Estados são “cada vez menos humanos e cada vez mais tecnológicos". Quer um exemplo? Veja-se "a facilidade" com que os blindados russos, que custam milhões de euros, estão a ser destruídos pelos drones, uma tecnologia "baratíssima" em comparação com os custos da artilharia tradicional. E nesta história sobre o combate pelo ar é também preciso lembrar a guerra do Ultramar
Duas semanas depois do início da invasão relâmpago de Vladimir Putin, o exército russo continua sem fazer progressos significativos no terreno. Ao fim de 14 dias, o poderio militar da Rússia não se materializou e em nenhuma vertente esse facto tem sido mais notório do que no combate aéreo. Vladimir Putin iniciou a invasão da Ucrânia com quase dez vezes mais aviões e helicópteros que a Ucrânia: a Rússia contava com 1.328 aeronaves de várias classes, entre caças, bombardeiros e de transporte e mais de 478 helicópteros.
Para o antigo ministro da Defesa português Azeredo Lopes, “as coisas não estão a correr bem à Rússia”, que se depara com uma capacidade defensiva dos ucranianos “cada vez mais robustecida a cada dia que passa”. A estratégia da Rússia, salienta Azeredo Lopes, passa pelo envio de mísseis e rockets para a Ucrânia, que, embora não esteja “totalmente desprovida de meios aéreos”, teria “muita dificuldade em combater diretamente as aeronaves russas”. O lado ucraniano contava com 146 aeronaves e apenas 42 helicópteros no início das hostilidades.
No entanto, acrescenta Azeredo Lopes, as forças ucranianas contam com “mísseis terra e mar que podem ser eficientes para causar perdas terríveis para a atuação russa”. Os russos estão a ser, por isso, mais cautelosos no ataque aéreo, como explica o antigo ministro: “É uma espécie de bluff ou de jogo do rato e do gato. A Rússia está a evitar, por enquanto, usar intensivamente as suas aeronaves e prefere atuar com meios destrutivos, como a sua artilharia, para ver se consegue destruir o mais possível as capacidades de defesa da Ucrânia, para que as suas próprias aeronaves não fiquem sujeitas ao risco de serem derrubadas com facilidade pelos meios ucranianos.”
É neste contexto que Azeredo Lopes acredita que os conflitos entre Estados são “cada vez menos humanos e cada vez mais tecnológicos", dando como exemplo a facilidade com que os blindados russos, que custam milhões de euros, são destruídos pelos drones, uma tecnologia que considera "baratíssima" em comparação com os custos da artilharia tradicional.
“Do ponto de vista estratégico, a Ucrânia deu uma lição à Rússia”, argumenta o antigo ministro, salientando a “inteligência” das forças ucranianas, que têm conseguido resistir às ofensivas dos russos nas principais cidades, como Kiev, Kharkiv e Mariupol.
A complexidade operacional - e o caso português
O general Leonel de Carvalho explica à CNN Portugal a complexidade em causa das operações militares modernas, que exigem um elevado nível de coordenação entre os vários ramos do exército - da infantaria à força aérea e, em alguns casos, até da marinha. Numa ação militar "de larga envergadura" como a desenvolvida pelo exército russo na Ucrânia, há sempre um comandante no terreno que chefia e coordena todos estes ramos do exército, com o propósito de "atingir um determinado objetivo militar".
"As operações aéreas têm de ter sempre uma coordenação com as forças terrestres, porque, além de o objetivo ser comum, tem também que ver com uma questão de segurança", refere o general, que acrescenta que, numa operação que movimenta elevados números de militares, apoiados por blindados e aviões, um ataque a um alvo militar por parte da força aérea "pode facilmente atingir as nossas forças, como aliás já tem acontecido em muitas situações".
Para evitar estas situações, o exército tem de dar prioridade ao planeamento e evitar "falta de ligações e transmissões em determinado momento da operação" por parte dos elementos no terreno. No entanto, o general não garante que a aparente ausência de controlo dos céus por parte da aviação russa se deva a esse motivo, uma vez que desconhecemos as ordens e os objetivos propostos. "Podem ter recebido ordens para terem cuidado e não provocarem muitos danos na população."
Um dos motivos que podem estar por detrás da falta de domínio dos céus da Ucrânia, argumenta Leonel de Carvalho, pode ser a utilização eficaz do uso de armas antiaéreas terra-ar, que obrigam a força aérea a alterar as suas estratégias, até porque o custo do número de baixas e de perda material de uma aeronave destruída pode ser muito elevado.
Neste aspeto, destaca-se a utilização do sistema de mísseis terra-ar soviético S-300 e o sistema norte-americano portátil Stinger, que dispara um míssil terra-ar guiado por infravermelhos. Este último foi utilizado com grande efeito contra a força aérea soviética durante a Guerra do Afeganistão. Atualmente, o Ministério da Defesa da Ucrânia alega já ter conseguido destruir 48 aviões e 80 helicópteros, um número elevado. De acordo com a BBC, que cita a Royal United Services Institute, existe apenas confirmação visual do abate de 20 aeronaves russas.
"Têm de ter cuidados. Existe no terreno a capacidade de abate de aviões, que têm de voar com muito mais cautelas e, com isso, com muito mais dificuldade em conseguir atingir os seus objetivos. Isso dificulta muito a missão de cobertura à infantaria, por exemplo", refere o general, que relembra que o exército português foi confrontado com uma situação semelhante durante a guerra do Ultramar, mais concretamente na Guiné, com a utilização dos mísseis Strela por parte do PAIGC.
Drones: os justiceiros baratos que estão a ajudar a Ucrânia
Os drones fazer e muito a diferença no combate aéreo - embora, para já, não consigam vencer guerras. No caso do conflito que acontece em território ucraniano, estes veículos aéreos de combate não tripulados têm ajudado a conter o avanço russo, como aconteceu, por exemplo, com a destruição de parte da coluna militar russa.
O uso de drones por parte da Ucrânia tem sido uma estratégia, algo que não se tem verificado por parte da Rússia. Mas de que forma é que a Ucrânia fica a ganhar com estes veículo aéreo não tripulado? De várias. Uma delas é o facto de os drones, através de tecnologias de reconhecimento, permitirem “atacar pelo ar estes grandes conjuntos de veículos que se estendem por largos quilómetros e que são bastante imóveis”, começa por explicar Bruno Oliveira Martins, investigador no Instituto de Pesquisa de Paz de Oslo, na Noruega - e que se tem dedicado à investigação sobre a interseção entre desenvolvimentos tecnológicos e práticas de segurança. A outra vantagem diz respeito ao facto de a tecnologia antidrone ser menos eficaz e sofisticada do que a tecnologia usada nos drones, “o que permite que possamos assistir ao uso sem grande resposta da Rússia”.
“Em situações de combate, destruir um drone é bastante difícil. Aquilo que vemos é que a maior parte dos drones turcos que a Ucrânia usa não são intercetados por parte dos russos. A tecnologia antidrone, que permite identificar, localizar e interceptar drones, apresenta bastante limitações”, avança o investigador.
Segundo Bruno Oliveira Martins, há dois tipos de drones com funções distintas que podem ser usados em ambientes de guerra. Há os drones não armados, que têm como função “criar uma imagem do que está a acontecer para lá da linha de visão”, e, diz à CNN Portugal, “são raros os países hoje em dia que não têm drones que não consigam fazer essas funções, Portugal incluído”. Estes drones assumem as funções de inteligência, vigilância, aquisição de alvo e reconhecimento.
Um segundo tipo de drone usado em guerra é o drone armado, “que tem determinado armamento, que podem mísseis, por exemplo”. “Não é uma diferença muito grande entre um drone e uma plataforma que lance mísseis num camião ou barco”, diz o investigador, embora saliente que acaba por ser um complemento de ataque. No leque de drones armados, Bruno Oliveira Martins menciona ainda aqueles que “são menos sofisticados”, como o caso de “drones comerciais”, que “podem ser armadilhados com granadas e com outro tipo de explosivos mais improvisados”.
Para o investigador, os drones são um elemento-chave atual. “Muitas pessoas falam como arma do futuro, mas são uma das principais armas do presente.” E dá exemplos de como foram aliados em combates recentes: “Se olharmos para os últimos conflitos internacionais, os drones foram fundamentais - são utilizados no Mali, no norte de África, na Síria e agora na Ucrânia”.
Na guerra que acontece há duas semanas na Ucrânia há dois drones que se assumem como estrelas aéreas na força militar ucraniana. Um deles chama-se Bayraktar TB2 e vem da Turquia. Segundo a imprensa internacional, os ucranianos têm cerca de 20 drones destes à sua disposição.
Este drone atua a média altitude, consegue carregar quatro munições inteligentes guiadas por laser e, além do ataque, é capaz de realizar missões de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR).
Segundo a Time, os drones turcos são pequenos e leves e têm uma envergadura de 12 metros, o que permite que permaneçam no céu até 30 horas. Para Bruno Oliveira Martins, estes drones turcos “estão a ter bastante importância neste conflito”.
Um outro drone usado pelos ucranianos é de fabrico caseiro. Chama-se Punisher (que significa justiceiro em português) e foi criado pela empresa ucraniana UA-Dynamics, pensada e fundada por veteranos de guerra que lutaram contra os russos em 2014, aquando da anexação da Crimeia.
Ao The Times, Eugene Bulatsev, engenheiro ucraniano que desenhou este drone elétrico, revela que este aparelho tecnológico está a “mudar as regras do jogo” e já protagonizou 60 missões “bem-sucedidas” desde o início da invasão russa.
O Punisher é “a maneira mais barata e mais fácil” de atacar a uma longa distância, diz o seu criador. Consegue transportar até três quilos de explosivos, pode voar durante horas a 1300 pés (cerca de 400 metros), tem um alcance de ataque de 45 quilómetros e precisa apenas de sete minutos de aquecimento para atacar.
Para atuar, este drone armado destaca-se por ser indetetável por radares e por ter um outro aliado ucraniano: o Spectre, um drone de vigilância que ajuda nos comandos de ataque: faz o trabalho de reconhecimento e ajuda a identificar alvos estacionários, tais como tanques ou até a coluna militar que os russos levaram até à Ucrânia.
Quando questionados sobre os riscos que os drones podem ter, o investigador português reconhece que não estão imunes a “danos colaterais”, mas defende que, “como plataforma para lançar mísseis, apresentam maiores níveis de rigor” do que outras armas usadas em guerra, como as bombas de vácuo ou de estilhaço, usadas pelos russos e que são proibidas.
“Não há nada nos drones que viole as Convenções de Genebra por si mesmo, claro que a utilização que é feita levanta problemas no Tribunal Internacional”, algo que poderá acontecer, por exemplo, “quando sai para assassinatos coletivos em áreas que não são consideradas de conflito ativo”, o que não é o caso do que acontece na Ucrânia - pois o mundo já “reconheceu” que há um conflito.
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