[ENTREVISTA_dezembro_2021] O Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da República Popular da China na Guiné-Bissau, Guo Ce, afirmou que noventa cinco por cento das ajudas do governo chinês à Guiné-Bissau não são reembolsáveis, tendo recordado que o seu país concedeu de 2008 a 2014 quatro empréstimos sem juros ao governo guineense sem, no entanto, entrar em pormenores sobre o valor total da dívida de Bissau a Beijing.
“Esses empréstimos são muito especiais, porque não têm juros e fazem parte da ajuda chinesa não reembolsável. A Guiné-Bissau não precisa ainda de reembolsá-los até 2023. E se chegar a data do vencimento da dívida e o governo guineense tiver dificuldades de reembolsá-la, a China está disposta a alargar o prazo do reembolso ou poderá reduzí-la ou cancelá-la”, esclareceu o diplomata durante a entrevista conjunta concedida ao semanário O Democrata, à Rádio Difusão Nacional e à Rádio Voz de Quelelé para falar da importância da conferência dos ministros (FOCAC) entre a China e a África, bem como do estado da cooperação entre os dois países e o regresso dos estudantes guineenses à China.
Sobre o regresso dos bolseiros guineenses à China, Guo Ce explicou que atualmente a Embaixada está a recolher informações dos estudantes que saíram da China por causa da pandemia e garantiu que estão a trabalhar para o regresso dos bolseiros guineenses à China, com a maior brevidade possível, de forma coordenada e por lotes.
Assegurou que, no âmbito da conferência FOCAC, o seu país doará à Guiné-Bissau 300 mil doses de vacinas no início do ano 2022. Acrescentou que o seu país vai ajudar a Guiné-Bissau a implementar um laboratório de testes de coronavírus no Hospital Militar Principal em Bissau, bem como doar um grande leque de equipamentos de inspeção de segurança para os contentores nos portos da Guiné-Bissau.
OD/RDN/RQ: Realizou-se recentemente em Dakar a 8ª Conferência Ministerial do FOCAC-China, da qual saíram importantes decisões de apoio e aprofundamento da cooperação entre a China e a África. Que comentário quer fazer sobre a importância desta conferência na relação entre a China e a África?
Guo Ce (GC): A conferência analisou os frutos da implementação da cúpula de Pequim de 2018, assim como a situação do combate conjunto “Sino-Africano” contra a Covid-19. Aprovou também quatro documentos, incluindo a declaração de Dakar, bem como o futuro do desenvolvimento das relações China e África.
O Presidente Xi Jinping propôs um conjunto de medidas importantes incluindo a solidariedade na luta contra o coronavírus, o aprofundamento da cooperação pragmática, a promoção do desenvolvimento verde e a defesa da equidade e justiça. O presidente Xi Jinping propôs também novos programas que incluem: programa sanitário, redução da pobreza e desenvolvimento agrícola, promoção comercial, promoção do desenvolvimento, inovação digital, programa de paz e segurança, entre outros.
Eu já comuniquei os conteúdos principais desses novos programas ao governo da Guiné-Bissau e espero que o governo guineense possa analisar como é que podemos promover a nossa cooperação no âmbito destes novos programas, tendo em conta de que a prioridade máxima da autoridade reside no triunfo sobre a pandemia. A China fornecerá um apoio adicional de um bilião de doses de vacinas contra a Covid-19 à África.
A China vai implementar dez projetos médicos e sanitários com os países africanos e enviará 1500 médicos e especialistas em saúde pública para África. Nesta conferência, o Conselheiro do Estado e o ministro dos Negócios Estrangeiros da China reuniram com a delegação da Guiné-Bissau. No encontro, o chefe da diplomacia chinesa propôs um conjunto de apoios para a Guiné-Bissau.
A China ofereceu à Guiné-Bissau 300 mil doses de vacinas e vamos doar mais 300 mil, mas levando em conta que o espaço para armazenamento das vacinas no país é limitado, vamos enviar essas vacinas no início do próximo ano. Podemos doar ainda mais vacinas se a Guiné-Bissau precisar e vamos ajudar ainda a estabelecer um laboratório de testes de coronavírus no hospital militar principal em Bissau. E vamos doar também um grande leque de equipamentos de inspeção de segurança a contentores nos portos da Guiné-Bissau.
OD/RDN/RQ: Os guineenses aguardavam com muita expetativa uma intervenção robusta da China na cooperação nos setores da agricultura e da educação, mas parece que a pandemia da Covid-19 está a condicionar essa intervenção que se limita agora a ofertas de vacinas e géneros alimentícios. O Sr. Embaixador vê que a cooperação nos setores da agricultura e da educação está estagnada e o que se pode fazer para a retoma da mesma depois da pandemia?
GC: É verdade que a pandemia impôs certas limitações, mas a cooperação bilateral não está estagnada. A nível da agricultura, a China tem enviado uma série de grupos de técnicos agrícolas à Guiné-Bissau. Neste momento está em curso a implementação do 11º projeto da cooperação técnica agrícola entre os dois países.
A China tem 16 especialistas agrícolas que trabalham em Bafatá, leste do país. Neste momento estão a trabalhar na demostração do cultivo do arroz, a seleção, triagem e promoção da semente melhorada. Também o ensino da aplicação da técnica do cultivo do arroz e atualmente a zona de demostração do cultivo do arroz atinge dois mil hectares, bem como a produtividade aumentou de 1,2 toneladas por hectare para 4,5 toneladas por hectare. A embaixada da China vai entregar equipamentos agrícolas ao governo guineense e a cerimónia será realizada em Bafatá.
Em relação ao setor da Educação, é bom informar que este ano realizamos a seleção de estudantes guineenses para bolsas de estudo na China. Doamos ao ministério da Educação 15 computadores que serão usados para estabelecer uma nova sala de aulas para cursos online na Escola Nacional de Administração da Guiné-Bissau. A China também já doou dois milhões de dólares para aquisição de arroz que será distribuído a 700 escolas na Guiné-Bissau e vai beneficiar 150 mil alunos.
OD/RDN/RQ: Até hoje um grupo de estudantes guineenses continua a aguardar orientações para regressar à China para prosseguir os estudos. Para quando o regresso desses à China e a retoma das bolsas de estudo para novos candidatos?
GC: Muitas pessoas abordaram comigo esse assunto. Francamente, nós também esperamos que estes estudantes possam regressar à China para continuarem os seus estudos o mais rapidamente possível. A pandemia levou-nos a ponderar, de forma coordenada, a retoma de aulas na China e o regresso à China dos estudantes guineenses.
A Embaixada da China está a recolher informações dos estudantes guineenses que saíram da China por causa da pandemia. Vamos trabalhar o mais rápido possível para o regresso dos estudantes à China, de forma coordenada e por lotes. Se tivermos novas informações e avanços, certamente vamos comunicá-las, mas a grande verdade é que agora é difícil ir para a China, por causa da Covid-19.
Tenho os meus colegas que queriam passar férias na China, mas as condições ou medidas impostas pelas autoridades para autorizar entradas na China, neste momento são duras. Porque primeiramente a pessoa deve fazer quarentena por três semanas ou 21 dias na China num hotel e a fica proibida de sair do hotel. Na quarta semana vai para a sua casa e ali também é proibida de sair. O governo da China está a adotar neste momento uma política de encerramento de fronteiras, esforçando-se para diminuir os casos a zero.
OD/RDN/RQ: A China apoia muito a Guiné-Bissau em diferentes setores. Os apoios da China à Guiné-Bissau são a título gratuito ou parte dela é dívida? Se for dívida, qual é o valor da dívida entre os dois países?
GC: Eu posso dizer que 95 por cento da ajuda da China à Guiné-Bissau não é reembolsável. Quero lembrar ainda que de 2008 a 2014, a China concedeu quatro vezes empréstimos sem juros à Guiné Bissau. Esses empréstimos são muito especiais, porque não têm juros e fazem parte da ajuda chinesa não reembolsável.
A Guiné-Bissau não precisa ainda reembolsá-los até 2023. Se chegar a data do vencimento da dívida e se o governo guineense tiver dificuldades de reembolsar o empréstimo, a China estará disposta a conceder um alargamento do prazo do reembolso, reduzir a dívida ou cancelá-la.
Muitos países ocidentais não conseguem fazer isso, porém fazem críticas de que a China está a criar uma crise da dívida à África. Mas eles não podem dar exemplo de um caso concreto para ilustrar este argumento.
OD/RDN/RQ: O Embaixador falou da existência da dívida da parte da Guiné Bissau e com o período de vencimento em 2023. Podia explicar-nos de forma sintética, o valor exato da dívida e em que períodos, por exemplo…
GC: As informações que posso dar são que o prazo do vencimento desses empréstimos é de dez anos. A Guiné-Bissau não precisa ainda preocupar-se com o reembolso dessas dívidas que contraiu de 2008 e até 2014, que são empréstimos sem juros. De acordo com a regra da China, é possível cancelar essas dívidas. Sobre o valor em causa, eu não posso avançar aqui os números ou montantes exactos que a China emprestou à Guiné-Bissau, mas provavelmente podem perguntar às autoridades guineenses.
OD/RDN/RQ: Fala-se que se regista pouco crescimento a nível de trocas comerciais entre os dois países. Confirma essa informação ou tem outra versão?
GC: É verdade que se tem verificado um crescimento lento nestes últimos períodos por causa da pandemia. O valor de negócios entre os dois países ronda 50 milhões de dólares norte-americanos, mas esperava-se que pudesse haver mais produtos para exportar para a China. É verdade que a China possui o maior mercado de consumidores do mundo e é o único país no mundo que realiza a exposição de importação internacional anualmente.
Trabalhei como conselheiro comercial na embaixada da China no Quénia e lembro que os produtos agrícolas quenianos (chá preto, café, mel e outros) são todos exportados para a China através desta exposição. Seria um orgulho se os senhores jornalistas pudessem ajudar a apelar os políticos, os produtores e os empresários que trabalhassem arduamente para que os produtos agrícolas guineenses possam ser exportados para a China no âmbito desta exposição.
Posso garantir que se a Embaixada receber as solicitações do governo e se as empresas demostrarem vontade nesse sentido, nós vamos fazer o maior esforço para concretização do desejo do governo e fazer as empresas chinesas participarem nessa exposição internacional de produtos agrícolas, na China.
OD/RDN/RQ: Comparado com o número de empresas chinesas em outros países, o número de empresas chinesas na Guiné-Bissau é relativamente baixo. Alguns analistas pedem mais intervenção dos governos para impulsionar o investimento do setor privado chinês na Guiné-Bissau. Senhor embaixador, em que produto da Guiné-Bissau as empresas chinesas estarão interessadas em operar?
GC: Pelo que sei não há muitas empresas chinesas na Guiné-Bissau. As poucas e grandes empresas chinesas que operam neste país responsabilizam-se pelo apoio da China à Guiné-Bissau ou intervêm neste país nas áreas dos produtos do mar. Não sei dizer o número exato de empresas chinesas que operam nesta terra, mas posso afirmar aqui que existem duzentos cidadãos chineses que trabalham e vivem na Guiné-Bissau.
Quero acreditar que se o país conhecer a estabilidade política, o ambiente de negócio vai melhorar cada vez mais e certamente que a conjuntura do investimento na Guiné-Bissau vai ser cada vez melhor. Acho que o governo também deve adotar algumas medidas para atrair investimento estrangeiro. É possível que seja estabelecido um parque de processamento de produtos agrícolas com o intuito de fazer processamento mais profundo de produtos e depois serem exportados para a China.
No interior da África, concretamente em Uganda, existe um parque de processamento de produtos agrícolas, onde os chineses estabeleceram uma fábrica de processamento de manga. Produz manga seca para depois ser exportada para a China. Acho que é bastante exequível para a Guiné-Bissau desenvolver o processamento dos produtos agrícolas.
Creio que a Guiné-Bissau pode estabelecer um parque de processamento dos produtos do mar para desenvolver a economia azul. Espero ainda ver produtos de loteria da Guiné-Bissau nos mercados da China e isto é possível…
OD/RDN/RQ: A China é considerada um dos maiores parceiros da Guiné-Bissau em termos de investimento no setor das infraestruturas. Pode explicar o valor do investimento da China no país, sobretudo a partir da retoma da cooperação em 1999/2000 a essa data?
GC: Os nossos apoios aos países estrangeiros são rigorosamente ofertas e não são investimentos. Nós estabelecemos projetos nos países amigos de forma gratuita e não consideramos isto um investimento para depois exigir alguma coisa. O que posso dizer aqui é que o valor de apoios que a Guiné-Bissau recebeu da China é maior do que de muitos outros países africanos.
OD/RD: Os Estados Unidos da América promoveram recentemente uma cimeira para a democracia. Que comentário oferece-lhe fazer sobre este assunto?
GC: Sei que nestes últimos dias realizou-se a chamada cimeira para a democracia. E parece que não teve grandes repercussões no mundo. O governo da Guiné-Bissau não foi convidado, mas isso não é uma questão muito grave ou séria. Porque os governos da China, Rússia, Turquia e vários outros países também não foram convidados.
O que nós gostaríamos de dizer é o valor comum de toda a humanidade e é dado de forma diferente em diferentes países. Tal como diferentes países têm diferentes dinâmicas de fauna e flora no seu próprio país. O sistema da democracia deve adaptar-se à história, à tradição e às realidades atuais de um determinado país.
Não existe o chamado “modelo” de democracia para todo o mundo. Alguns países são confiantes demais e consideram os seus sistemas de democracia um exemplo para todo o mundo. Inclusive conduzem a remodelação democrática nos outros países por via armada. Coisas assim aconteceram no Iraque, Líbia, Síria e Afeganistão.
Nenhum destes casos resultou em sucesso e deixaram ruínas e trouxeram refugiados. No Afeganistão em particular, os Estados Unidos saíram depois de terem induzido tanta miséria nesse país num período de mais ou menos vinte anos.
A realização da cimeira de democracia neste contexto não ajuda na promoção do sistema de democracia dos Estados Unidos, mas sim faz-nos acreditar que os Estados Unidos mantêm-se ainda com a sua mentalidade de guerra fria e tenta fragmentar o mundo em dois lados, usando os seus próprios pontos de vista para decidir quais são os países democráticos e os não democráticos. Para mim, este ato por si só não é democrático!
Para nós, alguns países que participaram nessa cimeira disseram a verdade. Por exemplo, o presidente da Argentina disse: o pré-requisito da democracia é não ingerência e a democracia não assume as formas de sanção nem de forças armadas!
Na minha opinião a democracia é um sistema em que a gente possa viver uma vida cada vez melhor.
Por: Assana Sambú/Filomeno Sambú
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