19 de agosto de 2018

Nigéria: Dinheiro de ditador distribuído pelos mais pobres

Milhões desviados por ex-ditador nigeriano Sani Abacha para o estrangeiro estão a ser transferidos de volta. Serão agora distribuídos pela população mais pobre. Mas há quem acuse o Governo de aproveitamento.


Ramatu Usman vive em Gwagwa, uma pequena localidade nos arredores da capital da Nigéria, Abuja, e, até há poucas semanas, não sabia como seria o dia de amanhã. Mas as coisas mudaram: Ramatu conseguiu comprar duas cabras, no mês passado, e uma delas até "já teve um cabritinho", conta orgulhosa.

A nigeriana vende leite de cabra no mercado e, com os lucros, compra comida para os três filhos. Além disso, começou um negócio de venda de sabão e especiarias na rua - é melhor do que nada, refere.

General Sani Abacha foi Presidente da Nigéria
entre 1993 e 1998
Ramatu é uma das centenas de milhares de pessoas que estão a receber cinco mil nairas do Estado nigeriano, o equivalente a 12 euros - esta é uma pequeníssima fração dos mais de dois mil milhões de euros que o antigo ditador Sani Abacha terá desviado para o estrangeiro até morrer, em 1998 - sobretudo para contas na Suíça. Recentemente, o país começou a devolver parte desse dinheiro, o equivalente a 270 milhões de euros, que serão agora distribuídos pela população mais pobre na Nigéria, com a supervisão do Banco Mundial.

Uma "chuva" de dinheiro?

O dinheiro ajudará a criar empregos, afirma Maryam Uwais, que coordena a distribuição do chamado "saque de Abacha" em representação da Presidência nigeriana.

"Trata-se de lutar contra pobreza", diz. "Muitas pessoas precisam apenas de um pouco de capital para poderem começar um pequeno negócio, para darem comida melhor aos filhos, para poderem comprar medicamentos."


Para uns, distribuir o dinheiro desviado é uma forma de a Nigéria se reconciliar com o passado ao mesmo tempo que faz algo digno das histórias do Robin dos Bosques, que combatia a injustiça e tirava o dinheiro aos mais ricos para o dar aos mais pobres. Mas para outros, como o ativista nigeriano Mohammed Jamo, distribuir o "saque de Abacha" não passa de um gesto simbólico, para tentar mascarar outros problemas no país.

"Em vez disso, o Governo deveria investir na rede de distribuição elétrica, que está debilitada, e nas infraestruturas. Porque esse dinheiro não ajuda os muitos jovens que estão no desemprego, sem perspetivas", comenta.

Mais de 80 milhões de nigerianos (quase metade da população) vivem com menos de dois dólares por dia. E, segundo o ativista, o Estado, rico em petróleo, tem feito pouco para os ajudar.

"Na Nigéria, só há um hospital público, que está sempre cheio", lamenta Auwal Musa, da organização Transparência Internacional na Nigéria. "Por que não usar esse dinheiro para construir seis novos hospitais? Ou um sistema de abastecimento de água razoável nos bairros mais pobres? Em vez disso, comete-se o mesmo erro que na altura do grande boom do petróleo, nos anos 70, em que se distribuiu simplesmente o dinheiro, em vez de se investir. Praticamente, o dinheiro evaporou, trouxe mais corrupção, mas nenhum emprego."

Eleições de 2019 na Nigéria

A Nigéria vai eleger um novo Presidente no início do próximo ano. Muhammadu Buhari pretende recandidatar-se ao cargo.

Auwal Musa, da Transparência Internacional na Nigéria, teme que os 270 milhões de euros do "saque de Abacha" possam ser utilizados como "prenda" eleitoral: "O que o Governo está a tentar é o seguinte: no início da campanha, distribui dinheiro rápido pelos pobres. Mas isso não é sustentável", comenta.

Musa lembra que vários Governos nigerianos já tentaram desempenhar o papel de Robin dos Bosques, mas nunca o fizeram de forma convincente. Além disso, no passado, já houve outras parcelas do "saque de Abacha", que foram devolvidas à Nigéria pela Suíça. Mas, até hoje, ninguém sabe exatamente para onde foi o dinheiro.

DW

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