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Obama Kamala Martin Luther King |
Por Cnnportugal.iol.pt
O evento de entronização de Kamala Harris provou que os maiores soberanos entre os democratas continuam a ser os Obamas. E provou outro facto: o Partido Democrata não sabe como lidar com a guerra de Israel em Gaza: ser manifestante pró-Palestina na convenção nacional democrata foi ser um manifestante silenciado, tapado e até apagado ao nível da iluminação. Pelo meio, o partido uniu-se mesmo em busca do objetivo essencial: ter uma presidente que sabe o que é "ganhar a vida a trabalhar num bar"
Dificilmente a convenção nacional podia ter corrido melhor ao Partido Democrata. Um a um, entre candidatos, congressistas, governadores, antigos presidentes e celebridades, os democratas mostraram-se totalmente unidos em torno de Kamala Harris, que aparece à frente de Donald Trump em grande parte das sondagens.
Seria difícil imaginar há cerca de um mês que a convenção iria ser tão positiva, quando Joe Biden ainda estava na corrida para um segundo mandato e em forma descendente face a Trump, vindo de sobreviver de uma tentativa de assassínio.
A grande reunião do partido começou logo com uma surpresa. Kamala Harris apareceu em palco no United Center, em Chicago, para grande entusiasmo dos delegados presentes. A primeira aparição da candidata presidencial foi muito curta, cerca de dois minutos, mas suficiente para entusiasmar a primeira noite do evento.
De marginalizada a ovacionada
Também no primeiro dia, o discurso de Alexandria Ocasio-Cortez, membro da Câmara dos Representantes pelo 14.º Distrito de Nova Iorque, foi muito bem recebido pela multidão. Outrora quase uma pária no Partido Democrata, a quem foram dados apenas 90 segundos para falar na Convenção de 2020, AOC, como é conhecida, é agora, de forma incontestável, uma das figuras para o futuro a longo prazo do partido.
Sob os gritos dos delegados, que cantavam “AOC, AOC”, a congressista fez um discurso apontado para os mais desfavorecidos e colocou Kamala Harris como grande defensora da classe trabalhadora. Pelo meio, uma menção ao conflito na Faixa de Gaza, para o qual pediu um cessar-fogo imediato, e recomendações a Donald Trump.
“Sabemos que Trump venderia este país por um dólar se isso significasse encher os seus próprios bolsos e engraxar as palmas das mãos dos seus amigos de Wall Street. A verdade, Don, é que não podes amar este país se só lutares pelos ricos e pelas grandes empresas.”
AOC também atacou os republicanos e conservadores que dizem à democrata para voltar à sua antiga profissão, a de empregada num bar. “Os republicanos atacaram-me dizendo que eu devia voltar a servir às mesas num bar. Mas deixem-me dizer-vos: fá-lo-ia com todo o gosto, qualquer dia da semana, porque não há nada de errado em trabalhar para viver. Imaginem como será termos líderes na Casa Branca que compreendem isso. Líderes como Kamala e Tim [Walz]."
Biden não está chateado - mas há quem esteja chateado com ele por causa de Israel
Está afastado da corrida à Casa Branca mas ainda é o presidente e uma figura importante dentro do Partido Democrata. Joe Biden discursou durante 53 minutos com um vigor pouco habitual para os seus parâmetros do último ano, marcado por inúmeras gafes e um debate muito pouco conseguido contra Donald Trump.
Um ponto mais importante da sua declaração, que foi desde as críticas a Trump e a Vance aos rasgados elogios a Kamala Harris, foi talvez o momento em que falou abertamente sobre a sua renúncia à recandidatura a presidente.
“Toda esta conversa sobre como estou chateado com todas as pessoas que disseram que eu devia desistir não é verdade”, disse. “Amo mais o meu país e temos de preservar a nossa democracia.”
O discurso de Biden foi também marcado por uma tentativa de protesto por parte de manifestantes pró-palestinianos, que levantaram uma faixa com as palavras “Stop Arming Israel” (“Parem de fornecer armamento a Israel”). A faixa foi tapada pelos apoiantes de Biden, que, com os seus cartazes em que se lia “WE ❤️ JOE” ("Amamos o Joe"), impossibilitaram que o "Stop Arming Israel" fosse visto pelas câmaras. A organização do evento, conta a CNN Internacional, reduziu a intensidade das luzes no espaço onde apareceu a faixa até ao momento em que os manifestantes foram retirados da sala.
O aborto como tema central
A marcar o primeiro dia esteve também a questão do aborto, tema central desde a reversão do Roe vs. Wade em 2022.
Hadley Duvall subiu ao palco para contar a sua história; com apenas 12 anos, foi violada pelo padrasto e engravidou. Acabou por abortar e, aos presentes no United Center, disse “não imaginar não ter escolha”.
“Mas hoje essa é a realidade para muitas mulheres e raparigas em todo o país por causa das proibições de Donald Trump.”
A história de Duvall foi apresentada em 2023 num anúncio do governador do Kentucky, Andy Beshear, um democrata que ganhou a reeleição num dos estados mais fortemente republicanos do país, em grande parte enfatizando o seu apoio ao direito ao aborto.
“Donald Trump gaba-se de ter arrancado um direito constitucional a Hadley e a todas as outras mulheres e raparigas do nosso país”, afirmou Beshear, também na primeira noite da Convenção. “É por isso que temos de acabar com qualquer hipótese de ele voltar a ser presidente.”
Uma segunda noite... com rap
Um dos principais momentos do segundo dia foi uma surpresa musical. Quando os delegados da Geórgia foram chamados para apresentar o seu sentido de votação para a candidatura do partido, eis que aparece Lil Jon, rapper natural de Atlanta, a cantar “Turn Down for What”, tema que o junta a DJ Snake, bem como Get Low, canção lançada em 2002 e que levou o rapper à fama internacional.
Só não é presidente porque não pode
O prato principal da segunda noite foi, sem dúvida, a presença de Michelle e Barack Obama. Pelas duas intervenções ficou claro que se trata dos melhores oradores do Partido Democrata, capazes de mobilizar as massas - arriscamos mesmo dizer que, se não houvesse limite de mandatos, Barack Obama ainda seria presidente dos EUA, tal a sua popularidade junto de todas as classes da sociedade americana.
No apoio a Kamala Harris, o antigo chefe de Estado reinventou o seu lema da campanha de 2008, o célebre “Yes, we can”, quando alguém na multidão gritou “Yes, she can”, lema prontamente repetido por Obama.
A intervenção do ex-presidente ficou também marcada por uma referência à obsessão de Trump “pelo tamanho das multidões”. Pelo gesto com as mãos, ficou claro que Obama também se pretendia referir a um assunto muito comentado nas redes sociais: o tamanho do pénis de Donald Trump.
Esta questão é tema desde que Marco Rubio, senador republicano pela Florida, fez uma referência ao tamanho das mãos de Trump. “Ele está sempre a chamar-me Pequeno Marco. E admito que ele é mais alto do que eu. Tem cerca de 1,90m,e é por isso que não percebo porque é que as mãos dele são do tamanho de alguém que tem 1,60m. E sabem o que se diz dos homens com mãos pequenas? Não se pode confiar neles”, disse Rubio em fevereiro de 2016.
O fervor em torno da questão intensificou-se quando Stormy Daniels, atriz pornográfica com quem Trump teve relações sexuais e a quem, posteriormente, pagou pelo silêncio, lançou o seu livro “Full Disclosure”, em 2018. Nesse livro de memórias, Daniels refere que Trump tem um pénis “como a personagem em forma de cogumelo no Mario Kart (Toad)”.
“Ele sabe que tem um pénis invulgar. Tem um chapéu de cogumelo enorme. É como um cogumelo", escreveu Daniels.
Um pai para os EUA
O discurso de Tim Walz também caiu bem junto da opinião pública. Afinal de contas, o candidato a vice-presidente é um cidadão modelo: pai de uma família tradicional, natural do Midwest, treinador de futebol americano, professor, caçador e veterano da Guarda Nacional.
Para a posteridade fica o momento em que o seu filho, Gus, de 17 anos, se levantou e chorou quando Tim Walz dedicou palavras à sua família. “That’s my dad!” (É o meu pai!), exclamou Gus, que depois subiu ao palco acompanhado da irmã, Hope, e da mãe, Gwen.