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Por LUSA 18/09/22
A jornalista britânica Catherine Belton antecipa que a insustentabilidade económica da invasão da Ucrânia pela Rússia vai levar a que haja mudanças no Kremlin, pela ação de elementos mais "progressistas" dentro da elite.
Em entrevista à agência Lusa, a propósito da publicação em Portugal do livro "Os Homens de Putin: Como o KGB se apoderou da Rússia e depois atacou o Ocidente", Belton reconheceu ter sido apanhada de surpresa pela invasão da Ucrânia, tal como a maioria dos peritos na Rússia, mas acredita que se veem cada vez mais sinais de uma saturação por parte das elites na Rússia.
"Penso que muitos nas elites, aqueles que fizeram as suas fortunas na era de Ieltsin, ficaram chocados e surpreendidos. A comunidade dos serviços secretos internacionais também, mas depois toda a gente se habituou. O mesmo com a população. Ligam a TV e fingem que não se passa nada. As sanções têm um impacto, mas a Rússia sobrevive. Substituem-se bens de consumo por outros provenientes da China, da Turquia, as coisas parecem iguais, mas não são e vai ficar muito, muito pior", afirmou a agora jornalista do Washington Post.
A antiga jornalista da Reuters e ex-correspondente do Financial Times em Moscovo acredita que a Rússia vai enfrentar um "aperto maciço devido à enorme quebra nas receitas de energia".
"Penso que vai haver muitas dificuldades pela frente. Embora os 'falcões' em torno [do Presidente russo, Vladimir] Putin tenham fortalecido a sua posição -- e são eles quem conduz o esforço da guerra -, acredito que, no final, não vai ser sustentável e a dada altura haverá elementos mais progressistas, possivelmente de dentro dos serviços de segurança, que vão tentar mudar a situação, porque precisam que a Rússia sobreviva", disse Belton.
Questionada sobre a leitura que faz de esse esforço de mudança ter de vir do topo e não da população em geral, Catherine Belton lembrou que a repressão é agora "quase total" e que um cidadão pode enfrentar 15 anos na cadeia por criticar a guerra.
Belton deu o exemplo de declarações de Mikhail Khodorkovsky que, numa palestra recente, questionava quem se lembrava de protestos de rua na Alemanha de Leste: "E porquê? Porque era uma ditadura muito autoritária e totalitária".
"Terá de vir da elite e não tenho dúvida de que vai acontecer, mas é uma questão de quanto tempo vai demorar. Quando se atinge o ponto em que se sabe que a economia do país vai ficar sem dinheiro, isso também pode gerar agitação de baixo para cima, porque as pessoas têm de comer", frisou a jornalista.
"Os Homens de Putin" chega às livrarias portuguesas no dia 22 de setembro, pela Ideias de Ler, depois de, em 2020, ter sido classificado como dos melhores livros do ano por publicações como o Financial Times ou a New Statesman.
Ao longo de mais de 500 páginas, que demoraram sete anos a ser preparadas, Belton traça o retrato do presidente russo e das pessoas que o rodearam e rodeiam na ascensão e manutenção do poder, incluindo os múltiplos esquemas económicos e políticos que lhes permitiram destruir opositores e reforçar as suas posições.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 13 milhões de pessoas -- mais de seis milhões de deslocados internos e mais de 7,2 milhões para os países europeus -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa -- justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.
A ONU apresentou como confirmados desde o início da guerra 5.827 civis mortos e 8.421 feridos, sublinhando que estes números estão muito aquém dos reais.
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© Contributor/Getty ImagesNotícias ao Minuto 18/09/22
A jornalista britânica Catherine Belton, autora do livro "Os Homens de Putin", considera que a decisão do Presidente russo, Vladimir Putin, de invadir a Ucrânia terá partido de uma perspetiva de que seria "agora ou nunca".
"Penso que a maioria dos peritos sobre a Rússia esperava que [Putin] continuasse com as mesmas táticas disfarçadas, que apenas reconhecesse a independência de Donetsk e Lugansk, porque ele sempre tentou manter um grau de negação e isso é importante, tratando-se de um regime do [antigo serviço secreto soviético] KGB, que quer manter o seu 'soft power', as suas redes de influência", afirmou Belton, agora jornalista do Washington Post e autora de "Os Homens de Putin: Como o KGB se apoderou da Rússia e depois atacou o Ocidente", publicado no dia 22 em Portugal pela Ideias de Ler.
Em entrevista à Lusa, Belton reconheceu que só acreditou que a invasão da Ucrânia iria mesmo avançar no momento do seu anúncio e que, "apesar de passar sete anos a investigar o lado mais negro do regime de Putin nunca imaginaria que Putin quereria tirar a máscara, porque não fazia qualquer sentido racional".
"O que vimos, como resultado das suas ações violentas, foram sanções que esmagaram muitas das redes russas no Ocidente, todos estes oligarcas alvo de sanções, que passaram décadas a construir as suas reputações, a construir a sua influência de 'soft power', isso ficou agora completamente minado, mas talvez Putin tenha decidido que era agora ou nunca", disse à Lusa a jornalista, antiga correspondente em Moscovo do Financial Times.
Para Catherine Belton, Putin "obviamente sobrestimou a capacidade militar russa e cometeu um erro de cálculo em relação ao que o governo [do presidente ucraniano, Volodymyr] Zelensky faria".
"Penso que os governos ocidentais também o fizeram. Pensavam que Zelensky teria de ser retirado do país, que o regime cairia em três dias. Temos todos uma grande dívida para com o Presidente Zelensky por não ter fugido, por ter ficado lá, porque isso deitou abaixo muitos dos planos russos. Eles realmente esperavam entrar e tomar o país e que Zelensky fugiria ao primeiro avistamento do exército russo, tal como o presidente afegão fugiu ao ver os talibãs", afirmou a Belton, lembrando o "precedente" de o antigo presidente ucraniano pró-russo Viktor Yanukovich, que abandonou o país após a revolução de 2014.
Catherine Belton enfrentou, com a editora da versão original do livro, cinco processos de oligarcas russos (na maioria alvo de sanções após a invasão da Ucrânia) por difamação nos tribunais londrinos (conhecidos pela legislação que facilita as acusações contra jornalistas), e viu esses casos cair por terra, com exceção do movido por Roman Abramovich, que levou a que fosse alcançado um acordo que motivou ligeiras alterações em algumas passagens do livro.
Ainda assim, Belton mostra-se quase satisfeita por a situação se ter desenvolvido desta forma, visto que o seu caso foi um dos que abriram a discussão para uma reforma da legislação que permite que sejam movidos processos por difamação contra jornalistas no Reino Unido, naquilo que o Sindicato britânico dos Jornalistas já definiu como uma forma de "intimidação deliberada por litigantes ricos com os bolsos fundos".
"Os Homens de Putin" -- uma alusão, no título original, a "A Gente de Smiley", de John le Carré -- fez parte das listas de melhores livros de 2020 de publicações como The Economist, The Times e The New Statesman, entre outras.
Na obra, concebida ao longo de anos e com recurso a inúmeras fontes, Belton tece o retrato da ascensão de Putin à presidência russa e dos múltiplos esquemas políticos e económicos que rodearam - e rodeiam - o líder russo.
"Na Rússia, a cumplicidade voluntária do Ocidente ajudara a produzir uma simulação de uma economia de mercado normal pelo KGB. As instituições de poder e o mercado, que era suposto serem independentes, não eram, em boa verdade, mais do que fachadas do Kremlin. [...] O sistema judicial não era um sistema judicial, era um ramo do Kremlin. O mesmo se aplicava ao parlamento, às eleições e à oligarquia. Os homens de Putin controlavam tudo. Era um sistema fantasma de direitos fantasmas, para pessoas e empresas", escreve Belton, já no epílogo.