domingo, 13 de outubro de 2024

Das doenças cutâneas aos cremes antirrugas. A descoberta vencedora do Nobel da Medicina pode revolucionar os cuidados de pele

Daniela Costa Teixeira  cnnportugal.iol.pt

Para já, não há ainda fármacos com miRNA no mercado destinado a doenças cutâneas, mas existem cosméticos com microRNA

Associar uma descoberta vencedora do aclamado prémio Nobel da Medicina a cuidados de pele e rotinas de beleza pode soar estranho, mas os microRNA vêm provar a versatilidade que as pequenas moléculas têm nas várias células do corpo.

O microRNA (miRNA) é uma nova classe de pequenas moléculas de RNA (ácido ribonucleico, um tipo de ácido nucleico) que desempenham um papel crucial na regulação genética, que é como quem diz, na forma como os organismos se desenvolvem e funcionam, silenciando genes específicos, impedindo a sua expressão. E a descoberta de Victor Ambros e Gary Ruvkun pode mesmo vir a ser a chave para “um potencial tratamento” para doenças cutâneas ou para cosméticos específicos, sobretudo antienvelhecimento.

“Ao contrário dos mRNA, [o RNA mensageiro, que esteve na origem do Nobel da Medicina do ano passado], que são mensageiros para a produção de determinadas proteínas, os microRNA não têm como finalidade codificar proteínas para que estas sejam produzidas nas células, mas sim ligar-se a mRNA, impedindo que isso aconteça. É, em parte, por existirem mecanismos como este que as células da pele são diferentes das células intestinais ou da bexiga, apesar de todas as células do organismo terem o mesmo ADN”, começa por nos explicar Marta Ferreira, farmacêutica e doutorada em Cosmetologia e Tecnologia Farmacêutica.

Embora a investigação seja ainda “muito preliminar”, a especialista explica que “o uso de microRNAs tem vindo a ser apontado como um potencial tratamento para doenças, como a psoríase e dermatite atópica, e para normalização da cicatrização da pele”. Em 2020, um estudo publicado na revista científica Anais Brasileiros de Dermatologia sugere que os microRNA podem ainda “ser usados como um marcador para o prognóstico da psoríase ou como um agente terapêutico no tratamento da psoríase”. Uma outra investigação aponta os microRNA como aliados em cancros cutâneos e dermatite atópica.

Para já, e apesar de vários estudos apontarem nesse sentido, não há ainda fármacos com miRNA no mercado destinado a doenças cutâneas, mas existem cosméticos com microRNA “no interior de vesículas chamadas exossomas”, que desempenham um papel importante na comunicação celular e no transporte de proteínas, lipídios e material genético, como RNA, entre as células. 

Os cosméticos com esta descoberta merecedora de um Nobel destinam-se a finalidades bastante concretas, como melhorar a elasticidade da pele e desacelerar os sinais de envelhecimento cutâneo e/ou as manchas. Já em 2013, os investigadores Jack Chen e David Wu sugeriram que “o uso de miRNAs que atingem e silenciam a expressão da [enzima] tirosinase pode apresentar uma abordagem cosmética nova e promissora” para o clareamento da pele.

No entanto, a eficácia dos microRNA nos cosméticos é ainda “pouco clara”, como alerta Marta Ferreira. Em causa, continua, está o facto de as sequências de RNA serem de “difícil penetração através da epiderme” e de “nem sempre” os microRNA’s serem “selecionados para atuar em alvos celulares específicos”. Estes dois aspetos fazem com que a eficácia destes microRNA no produto final seja pouco clara. “Por outro lado, existem ingredientes cosméticos que são capazes de estimular a produção de miRNA’s de interesse. São exemplos disso o retinol, ou combinação de apigenina e floretina”, esclarece a farmacêutica, também autora da página A Pele Que Habito.

Mesmo que este problema de penetração permaneça - a não ser que se opte pelo microagulhamento, mas, nestes casos, avisa Marta Ferreira, “estes produtos poderão exceder o âmbito dos cosméticos” -, os microRNA são de tal forma cativantes para a indústria que “é possível que as marcas de cosméticos venham a desenvolver microRNA’s com sequências direcionadas para determinados alvos celulares, como por exemplo para reduzir a produção de enzimas que degradam o colagénio, elastina ou ácido hialurónico na pele”. 

Mas a indústria da cosmética não fica apenas a beneficiar do microRNA e da sua ação. Além dos microRNA’s e “das moléculas que promovem a sua produção”, Marta Ferreira explica ainda que “existem também ingredientes que tornam determinadas porções do ADN associadas à produção de proteínas importantes para o funcionamento normal das células da pele, como a dihidromiricetina”,um flavonóide natural com propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. E, por isso, adianta-se a dizer, que “é possível que surjam nos próximos anos mais moléculas com estes efeitos para o uso em cosméticos e que poderão ser associadas a outros ingredientes cosméticos de eficácia conhecida”.

Sem comentários:

Enviar um comentário