domingo, 10 de março de 2024

Ucrânia e economia? "Os russos tendem a ser demasiado otimistas"

© Reuters

POR LUSA   10/03/24 

O especialista em assuntos russos Marek Menkiszak vê sinais de confiança do Kremlin num ano crucial do conflito na Ucrânia, mas alerta que Moscovo tende a sobrevalorizar os seus feitos, ignorando problemas que já se desenham, incluindo económicos.

Mais de dois anos após a invasão da Ucrânia e a menos de uma semana de Vladimir Putin ir a votos para ser reconduzido na Presidência russa, o diretor do Departamento da Rússia do Centro de Estudos de Leste (OSW, na sigla em polaco), um 'think thank' com sede em Varsóvia, encontra "boas notícias e más notícias" para o Kremlin nesta fase.

Em entrevista à agência Lusa, Marek Menkiszak observa sinais de confiança em relação ao desempenho económico russo, a par da evolução na frente ucraniana, traduzidos por indicadores formais, como o crescimento do PIB acima dos 3,5% no ano passado, e pela forma como Moscovo tem escapado das sanções internacionais.

"Este facto é importante como parte da mensagem do Kremlin para a sua própria população de que a pressão ocidental não é bem-sucedida e poder dizer 'sobrevivemos'", comenta, ao mesmo tempo que envia um sinal para o exterior de que as iniciativas para isolar Moscovo não terão sucesso.

Parte dos resultados económicos russos, explica o especialista, é alavancada pela sua indústria de defesa e da prioridade dada ao esforço de guerra, que também beneficiou de outros elementos da economia, como os transportes, os produtos farmacêuticos ou a indústria menos intensiva, que também abastece as forças armadas.

"Paradoxalmente, a economia foi impulsionada por esta guerra", comenta o especialista, assinalando que, em relação às sanções, foram encontrados canais paralelos, através de centros de importação e reexportação de produtos em países como a Turquia, a China e os Emirados Árabes Unidos.

No entanto, "esta não é a história completa" e, no capitulo das más notícias, o conflito na Ucrânia impôs "um enorme fardo sobre as finanças e sobre o orçamento do Estado", estimando-se que o esforço de guerra consuma cerca de 40% da despesa.

"Isto é um custo muito elevado e cria uma situação em que os russos são obrigados a subir os impostos, a aumentar os encargos das empresas, incluindo as energéticas", segundo o diretor do 'think tank', avisando igualmente para a pressão sobre a inflação, escassez de mão-de-obra, péssimo clima de investimento, e ainda para a diminuição das exportações de petróleo e redução de produção de bens tecnologicamente avançados devido às sanções, o que leva à dependência crescente da China e de outros países não ocidentais.

Portanto, resume, "não se trata de um futuro brilhante e é um preço gigantesco que tende a aumentar", conduzindo a que, a longo prazo, a economia vá sofrer por causa deste conflito, o que "não significa que a Rússia entre em colapso, mas ser-lhe-á negada a esperança de muitos desenvolvimentos de relevo e, pouco e pouco, será marginalizado em termos da economia mundial".

Nesta fase, o analista aponta, porém, para "uma grande mudança de atitude no Kremlin", no sentido de que começa a acreditar que vai ganhar a guerra em curso no país vizinho e "lentamente executar os planos originais que vão além da Ucrânia".

Por detrás deste otimismo, destaca a dificuldade da Ucrânia em manter a linha da frente, devido aos problemas das entregas militares dos seus parceiros, em particular dos Estados Unidos, que têm um pacote de ajuda de mais de 50 mil milhões de euros bloqueado há meses no Congresso pela ala radical republicana.

A este impasse juntam-se pressões junto dos países aliados de Kiev para mudarem as suas políticas e distanciarem-se do conflito, associadas à proximidade das eleições europeias em junho, e a perspetiva do aumento da expressão das forças populistas e nacionalistas, e, sobretudo, das presidenciais norte-americanas em novembro e um eventual regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca.

"Dados os sinais políticos que ele [Trump] está a enviar, os russos vão esperar uma mudança das políticas americanas, ou seja, a retirada parcial em vários domínios políticos e militares na Europa, o declínio do apoio à Ucrânia e o aumento das tensões entre os Estados Unidos e os aliados europeus e também dentro da NATO", aponta.

Mas estes elementos de esperança para Moscovo devem ser vistos com cuidado na medida em que podem ser acompanhados de "uma grande dose de ilusão", segundo o diretor do Centro de Estudos de Leste, que alerta: "Os russos tendem a ser demasiado otimistas. Sobrestimam os sinais positivo e subestimam os negativos".

Entre os pontos desvalorizados por Moscovo, assinala a "determinação absoluta dos ucranianos para lutar e defender o seu país", ao fim de mais de dois anos de conflito, em que, "apesar de todo o cansaço, compreendem que o que está em jogo é enorme e que a alternativa será um desastre, ou mesmo o genocídio na Ucrânia".

Por outro lado, a tentativa de gerar divisões entre os aliados europeus parece estar a ter o resultado contrário, visível na mobilização de recursos e não só entre os chamados países do flanco oriental da Europa", para investir na defesa e na produção de armas e munições, em parte para a sua própria defesa e outra para abastecer a Ucrânia.

Quanto aos Estados Unidos, "claro que o seu apoio é muito importante", mas, ainda que haja uma alteração do cenário político em Washington, Marek Menkiszak não acredita que haja uma paragem completa do envolvimento norte-americano e do apoio a Kiev.

"Poderá ser de alguma forma limitada, mas o mais importante é que os Estados Unidos continuem a criar a imagem de credibilidade de garantias de segurança e creio que se manterão", comenta.

Entretanto, este será "um ano crucial" no conflito, segundo o especialista, porque "não é sem motivo que a Rússia quer criar um ponto de viragem" já em 2024, antes de a Ucrânia e os países europeus ficarem mais fortes, em termos de produção de armamento e de as entregas de apoio militar a Kiev serem substancialmente aumentadas, para que as suas Forças Armadas voltem a opor-se à ofensiva russa.

Até lá, sublinha, "se a Ucrânia conseguir segurar a linha da frente até ao final deste ano, o próximo será muito melhor".


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