JORNAL ODEMOCRATA 07/09/2022
Os sindicatos do setor de saúde e da educação ouvidos pelo nosso semanário criticam a decisão do executivo guineense que suspendeu a admissão dos novos ingressos destes setores na função pública. Uma decisão que consideram impular e pedem ao governo mais esclarecimentos sobre o grupo de funcionários referidos no comunicado do executivo.
Os sindicalistas ouvidos são o porta-voz do coletivo de novos ingressos no setor de saúde, bem como os responsáveis da Frente Comum, uma organização de professores que integra o Sindicato Democrático dos Professores (Sindeprof) e a Frente Nacional dos Professores e Educadores.
NOVOS INGRESSOS CONFIRMAM PAGAMENTO DE 99% DA DÍVIDA A TÉCNICOS CLÍNICOS
O porta-voz dos técnicos de saúde de novos ingressos, confirmou na entrevista ao nosso seminário que o governo pagou 99% da dívida a técnicos da área clínica, mas alguns técnicos ligados aos serviços da administração e inspeção não foram pagos. Segundo Dencio Florentino Ié, o fato deve-se à falta de abertura de contas bancárias e à falta de alguns documentos exigidos pelo executivo.
Em relação à informação que dava conta que todos os técnicos novos ingressos pagos seriam mandados para casa, o porta-voz disse que o coletivo que lidera não recebeu até ao momento nenhum documento oficial sobre esse assunto e que se trata apenas de uma intenção.
Sobre à medida adotada pelo governo em Conselho de Ministro que suspende novas admissões nos setores de saúde e educação, Dencio Florentino Ié disse que o coletivo que representa ainda está a procurar entender melhor a medida, porque o governo não especificou de forma clara qual grupo de técnicos é visado.
“O que temos reclamado junto do governo é o nosso processo de recenseamento. O primeiro-ministro também produziu uma carta dessa natureza a 2 de agosto e quero acreditar que se trata do mesmo assunto, embora não tenha especificado se se trata apenas de novas contratações ou não. As informações que recebemos de alguns responsáveis do ministério da saúde pública indicam que essa decisão não inclui o nosso grupo”, assegurou.
O porta-voz dos técnicos de saúde novos ingressos disse que o coletivo tem uma média de mil e duzentos técnicos que aguardam para serem inscritos na função pública.
FRENTE COMUM DOS PROFESSORES CONSIDERA A MEDIDA “IMPOPULAR E ABERRANTE”
A Frente Comum, uma organização de professores que integra o Sindicato Democrático dos Professores (Sindeprof) e a Frente Nacional dos Professores e Educadores, considerou a decisão do governo uma medida “ impopular” e “aberrante”.
Em entrevista telefónica, Alfredo Biaguê, porta-voz da Frente Comum dos professores, disse que embora seja da competência do executivo tomar decisões que lhe convém, deveria ter ponderado se era necessário ou não tomar essa decisão, porque “não se deve tomar uma medida impopular”.
“ É uma medida aberrante. Porque no ano letivo findo, o executivo contratou professores sem formação pedagógica. É absurdo contratar uma pessoa formada em culinária, na canalização, na construção civil, na serralheira e até na enfermagem para vinculá-la com o Estado no ministério da Educação”, criticou.
Biaguê defendeu que a medida deveria ter sido acompanhada de um estudo de três anos, porque o setor do ensino não pode e nem deve ser visto apenas no raio do Setor Autónomo de Bissau. Portanto, “essa medida não terá nenhum resultado esperado”.
Segundo Alfredo Biaguê, o mais grave na decisão é a suspensão das promoções, reclassificações e equiparação na administração pública em geral.
Contactado pela redação, o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Professores (SINAPROF), Afonso Martinho Mendes, disse que o sindicato só reagirá à medida do governo depois de concertação interna.
ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO CRITICA MEDIDA DO GOVERNO QUE CONSIDERA “MERAMENTE ECONÓMICA”
Em reação à suspensão de admissão de novos ingressos nos setores de saúde e educação anunciada pelo governo, Miguel Lisandro Soares da Gama, professor universitário, disse que se trata de uma medida “meramente económica” que não reflete as reais necessidades desses setores, uma medida tomada sem ter em consideração as fragilidades e as necessidades dos setores sociais, particularmente a educação.
“Se o governo decidiu abrir exceção a setores sociais é porque tem consciência das demandas que existem”, sustentou.
Miguel Lisandro Soares da Gama salientou que antes de avançar com medida o governo deveria ter realizado um estudo para descobrir se haveria ainda a necessidade “imperiosa” de recrutamento, tanto na educação como no setor de saúde.
“No setor de saúde, por exemplo, tem-se falado sistematicamente de falta de técnicos de saúde nos diferentes centros de saúde. Na área de educação, para além de colocações que são feitas anualmente, o governo recorre ainda a quadros de outras áreas para colmatar o vazio no sistema e a falta de professores para cobertura nacional”, frisou.
Miguel Lisandro Soares da Gama avançou que a medida do governo pode criar um “buraco” no sistema, porque várias escolas funcionarão sem professores suficientes, lembrando que devido à falta de professores especializados, alguns docentes das escolas de formação de professores acumulam, para além dos horários letivos que têm, algumas cadeiras para colmatar as necessidades.
“Quando o governo suspende a admissão de novos ingressos nos setores da educação e da saúde, bem como as promoções, reclassificações e equiparação na administração pública em geral na Guiné-Bissau, está a abrir caminhos para agudizar a crise”, disse, apontando que o executivo deveria ter controlado primeiro as suas despesas e as dos titulares dos órgãos públicos, acabar com entradas na função pública por vias ilegais e acelerar o processo de reforma na Função Pública.
“Proibir a entrada de novos ingressos não resolve o problema, mas sim, está a criar novo problema com impactos sociais imprevisíveis”, disse.
Na decisão tomada em comunicado do Conselho de Ministros no passado dia 25 de agosto, o executivo argumenta a medida com base nos dados apresentados pelo Ministro das Finanças, Ilídio Vieira Té, segundo os quais, houve um aumento do número do pessoal nos setores da educação e da saúde e, consequentemente a subida da massa salarial.
Sobre esse assunto, Miguel Soares da Gama disse que o governo deveria ter tomado também em consideração o surgimento de novos centros de formação de professores.
“Essas escolas de formação foram instituídas com base num estudo feito sobre as necessidades do setor e concluiu-se que havia a necessidade de formação de professores, porque o número de professores que Tchico Té, 17 de fevereiro, INEFD e a escola de formação de Bolama tirava anualmente era muito insuficiente. Essa medida contraria esse princípio. A construção desses estabelecimentos foi financiada pelo Banco Mundial. Com a política do FMI, o governo está a fechar o acesso aos professores e aos técnicos de saúde”, notou, alertando que a decisão só vai aumentar o nível de desemprego.
“As escolas vão continuar a formar professores e o nível de desemprego vai aumentar. Os estudantes que concluíram cursos neste ano letivo, com o anúncio dessa medida, com certeza já estão em desespero total. Quero acreditar que o Conselho de Ministros não teve tempo de ouvir os técnicos do ministério da educação nacional, porque essa decisão não vai ajudar na melhoria do sistema”, afirmou.
Miguel Gama não poupou críticas ao governo e disse que as autoridades nacionais devem parar de adotar medidas para satisfazer a comunidade internacional, porque “a comunidade internacional deve procurar conhecer primeiro as reais necessidades do país”, para poder tomar medidas que vão em conformidade aos problemas que o país tem.
Por: Filomeno Sambú
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